(A Correspondência do Padre Rafael – 02.)


Benjamin Teixeira
pelo espírito
Gustavo Henrique.

A jovem adulta escrevera a missiva, cruciada por calcinante dúvida, entre transferir residência para a metrópole paulista – eis que proveniente de outra cidade do Sudeste brasileiro, de menor expressão –, ou permanecer onde estava, com a rede de amigos e companheiros de trabalho que estruturara, no correr dos anos. Conjecturava que grandes oportunidades de crescimento profissional haveria no maior conglomerado humano do país, um dos maiores do mundo, e que, por isso, a razão a propelia a para lá se dirigir. Por outro lado, sentia o coração atado ao solo da cidade onde vivia. Questionava-se, entretanto, se esta “voz do coração” não seria apenas o medo e o impulso à acomodação a falarem, já que lhe seria difícil iniciar vida nova no centro maior, enquanto a questão da subsistência estava relativamente resolvida onde matinha morada.

O Pe. Rafael – desta feita, já fazendo uso de um computador pessoal, que um rapaz do seminário instalara em seu consultório, passando-lhe, em seguida, lições elementares de manipulação de programas de texto – digitou, em resposta à epístola dorida, serenamente, enquanto os fluxos de pensamento se lhe formavam espontaneamente, sob forte influência dos amigos da outra dimensão de Vida:

“A sua aflição é compreensível e muito justa. Cabe verificar, todavia, se este ‘coração’ a que você se refere não é, em verdade, o padrão íntimo da intuição, em lugar da voz emocional da acomodação; bem como, se a ‘razão’ a que você alude não seria tão-só o cálculo imediato de ganho pessoal do ego. São Paulo é uma cidade sedutora, com múltiplas possibilidades de sucesso profissional, mas também constitui, qual toda grande metrópole, uma máquina de triturar gente, devorando-lhe as almas e os corações. Assim, o fascínio de um centro urbano gigante como este pode fascinar o ego, pondo-o em polvorosa, enquanto o Espírito, a que devemos dar bem mais atenção, retrai-se para as profundezas do inconsciente, gerando uma sensação sutil de angústia no peito.

Como distinguir – você então perguntaria – uma voz da outra (a do ego da do Espírito; ou: a da mente de vigília da que pertence à supraconsciência)? Somente pelo termômetro da paz – o indicador infalível de estarmos no caminho apontado por Deus, para nós, em determinada circunstância.

Por outro lado, o fato de você encontrar dificuldades nas perspectivas de subsistência, ao cogitar sair da cidade em que está, assim como o de se perceber, na pólis menor em que hoje reside, inserida num contexto de relacionamentos interpessoais que lhe dão suporte, em vez de constituírem elementos provocadores da tentação acomodatícia, parecem-me, muito mais, sinais do Universo para cautela e maior ponderação quanto à mudança de rumos existenciais, deixando claro que há uma ‘resistência’ a você se transferir para a megalópole.

Embora não devamos nos deixar paralisar por óbices que a Divina Providência nos apõe no caminho, por conta de amiúde representarem desafios à nossa determinação, em certas circunstâncias é evidente que as portas estão se fechando no sentido de uma escolha, como uma ‘Fala da Vida’ a que não tomemos uma rota errada de destino. Mais uma vez, pela voz da intuição e da consciência, refletidas no sentimento de paz e de dever cumprido, saberá discernir entre uma e outra situação.

Para clarear estas introvisões, ore e não tenha pressa em chegar a conclusões, porque, conforme reza o ditado latino, ‘omnis festinatio ex parte diaboli est’ (‘toda pressa tem parte com o diabo’ – ‘diabo’, que, por seu turno, é termo derivado do verbete igualmente latino ‘diabolus’, que significa ‘separação’: de si mesmo, do próprio propósito existencial, de Deus…). A ansiedade, quase sempre, é reflexo do ego e seus desejos prementes de ação e conquista, desconsiderando os valores mais elevados, nobres e respeitáveis da alma, que invariavelmente incluem pessoas, serenidade e sentido de serviço.

Estou convicto de que saberá notar o roteiro mais apropriado a seus passos, ao tempo certo. Por ora, volte para o centro de si mesma. No núcleo fundamental do ser, jaz sempre a resposta de Deus para as buscas e indagações mais afligentes.”

(Texto recebido em 3 de março de 2008. Revisão de Delano Mothé.)