(Um breve ensaio sobre fatores fomentadores do progresso humano.)


por Benjamin Teixeira.

Paisagem gelada. Neves encobrem vilarejos espalhados pelo percurso da ferrovia. Casinhas de boneca, cenários de filmes, o místico e romântico, distante e suave apito da locomotiva moderna ressoando no ar, de quando em quando…

Estou agora, ainda acompanhado por Delano, fazendo viagem entre Boston e Bridgeport, num trajeto de quase três horas. A poltrona não só é aparatada de uma mesinha (à frente do passageiro), com espaço apropriado que prevê a grande probabilidade de o usuário ser obeso (80% da população adulta desta nação está acima do peso considerado saudável), como apresenta, próxima, na parede lateral logo abaixo da janela, uma tomada com corrente elétrica em 120V, propiciando que se trabalhe ao computador, longamente, sem a preocupação com o nível de carga da bateria. É o que faço agora, digitando em trânsito… maravilhas da tecnologia…

Imagino que Eugênia, ao me sugerir escrevesse novamente, “por mim mesmo” (expliquei estas aspas no texto publicado aqui, ontem), pretenda evidenciar ao prezado leitor um pouco dos contrastes impressionantes que um planeta pequeno como o nosso pode oferecer, a fim de que aprendamos a reconhecer quanto respeitar a pluralidade de culturas, etnias, ecossistemas e climas, congratulando-nos por isso e crescendo com a rica permuta de valores e experiências.

Esta é a região mais tradicional dos EUA, e uma das mais prósperas. Aqui aconteceu a “Revolução do Chá”, que desencadeou a guerra da independência norte-americana, em relação ao poderio britânico. Nova York, “capital do mundo” (em termos econômicos ao menos), fica não muito distante daqui, na mesma área de New England. Cidades aos montes, da ultrapovoada e desenvolvida “Costa Leste” da América (em particular, no Nordeste – num irônico contraste com a pobreza da mesma região no Brasil), que, durante mais de três meses no ano, assemelham-se a verdadeiras geleiras. É de pasmar como este povo constituiu tanta riqueza e desenvolvimento, em praticamente todos os sentidos, em ambiente tão inóspito ao ser humano.

E então nos recordamos da teoria que associa o grau civilizatório de povos à latitude em que se localizam. Hoje é confortável vivermos por aqui, dispondo de sistemas de calefação em toda parte, nos veículos e prédios, públicos ou privados. Só a via pública é realmente congelada, mas muito pouco se apeia, obviamente. Imaginemos, todavia, o que foi, em épocas passadas – como no tempo dos pioneiros da colonização ianque dos séculos XVII e XVIII –, existir e sobreviver por estas bandas. Em espaço de curtíssimos meses, fazia-se dramaticamente necessário providenciar acúmulo de víveres e outros recursos para a suportação do inverno longo, com temperaturas que chegavam (como ainda hoje, evidentemente, ocorre) a baixar a níveis inferiores aos 20°C negativos. Naturalmente, no correr de gerações, a disciplina, o trabalho, o sentido de compromisso e urgência com oportunidades e recursos tornaram este povo não só muito forte, em termos morais e psicológicos, mas também expressivamente profissional e avançado, em âmbito tecnocientífico – como são tão peculiares e famigeradas internacionalmente estas suas características. Enquanto isso, em latitudes mais próximas do Equador, como em nosso quente, úmido e fértil Brasil, florestas prenhes de biodiversidade, caça e pesca abundantes e tranqüilidade no que tange à necessidade de abrigo contra intempéries da natureza, atravessamos vários séculos entre a pasmaceira, a pachorra e a preguiça contumazes, igualmente famosas no mundo inteiro e lamentavelmente associadas a povos latinos, indígenas e negróides, em meio a uma série de outros atributos negativos, injustamente imputados a nossa nação mestiça, por puro preconceito.

Fala-se muito em nossa ascendência lusitana e católica, como sendo relevante fator para o menor desenvolvimento brasileiro em relação aos “primos” mais ricos do norte. Indubitavelmente, a cultura de extrativismo e paternalismo de nossas origens ibéricas constituiu substancial vetor de determinação sócio-econômica, no transcurso dos séculos. Mas não podemos deixar de reconhecer a importância e o poder que as adversidades têm de amadurecer, fortalecer e estimular o aprimoramento de coletividades.

Trazendo o princípio para o plano individual, percebe-se facilmente, sendo um truísmo popularmente aceito, que as facilidades amolentam caracteres, podendo degenerá-los inclusive. Basta que lembremos, conforme acertada convicção generalizada, do quanto prejudica uma criança uma educação excessivamente liberal e o cercá-la de mimos exacerbados. O estudo das biografias de grandes líderes e realizadores, em todos os campos do saber e do agir humanos, revela, com espantosa freqüência, princípios difíceis de vida (quando não, quase-trágicos) – amiúde, a se prolongarem ou se multiplicarem por vários períodos existenciais destes vultos do progresso, que os fizeram empreender esforços hercúleos de auto-superação. Isto nos levaria a inferir uma equação do gênero: adversidade + necessidade = capacidade desdobrada.

Elevemos nosso grau de maturidade psicológica e mesmo de lucidez intelectiva, e rendamos graças ao Céu, pela bênção de nossas crises, carências e transtornos, íntimos e externos, pois que representam luminosos ensejos de crescimento intensificado. Não temos, em nosso universo mesológico pátrio, terremotos, furacões ou vulcões, invernos rigorosos e outros cataclismos da Natureza, e, em boa medida, por causa disso, tornamo-nos um povo relapso e pouco afeito ao trabalho e ao empreendedorismo. Agradeçamos a Deus, assim, não só as dádivas que nos agraciam com alegria e abundância de modo mais imediato, mas também as “infelicidades” que nos enrijecem os músculos d’alma para as responsabilidades maiores do porvir.

Noventa por cento dos tornados do mundo se dão em solo norte-americano. Um fenômeno natural tão assustador e lesivo acontece, maciçamente, no território da mais desenvolvida e próspera nação da Terra. Aprendamos com este exemplo dramaticamente convincente do povo líder do planeta, e aproveitemos a força do mal externo, para engendrar, dentro de nós mesmos, a potência do Bem! Que cessemos, definitivamente, os vícios da reclamação e da transferência de culpa, assumindo, integralmente, a responsabilidade por nossas vidas e por nossa própria felicidade.

Nascemos para isto: evoluir e ser felizes! Mas por mérito próprio, e jamais por uma viciosa concessão divina, que nunca acontece, não por acaso… Deus quer anjos-gênios, e não bebês mimados no seio da eternidade.

(Texto redigido em 3 de dezembro de 2007. Revisão de Delano Mothé.)