Benjamin Teixeira
pelo espírito
Eugênia.


Sua esposa é uma caprichosa “faladeira” a lhe cobrar tudo e reclamar de tudo?
Seu esposo é um grossão, um típico troglodita das metrópoles, com menos romantismo que um tanque de guerra?
Seus familiares e amigos lhe parecem ingratos e insensíveis, duros e cruéis, a ponto de você, amiúde, sentir-se entre inimigos ou num campo minado?

Tudo isso deve ser trabalhado, revisto e tratado, na medida do possível. Procure ajuda psicoterápica, aconselhamento espiritual e faça o esforço por se tornar melhor, dar mais, e saber, também, em contrapartida, provocar a recepção do melhor dos outros. Sente à mesa, negocie, até exija, quando indiscutivelmente necessário. Mas… em última análise, considere se não está vivendo vida à fora, no mundo dos mortais, como se estivesse entre os imortais do Olimpo. Dizendo em outras palavras: cuidado com as idealizações culturais, com os padrões hollywoodianos que a mídia perversamente apresenta como meta de felicidade e bem estar para todos.

Os mocinhos na tela apresentaram um diálogo inteligentíssimo. O casal na TV soube agir de forma perfeita, na ocasião ideal e terminam a discussão num caloroso elã afetivo. Estas construções dos artífices da palavra e das imagens parecem constituir o esquema da normalidade, para muita gente, por um condicionamento inconsciente – afinal de contas, é assim que elas são vendidas à multidão. E, no entanto, aqueles textos foram redigidos por profissionais altamente talentosos, selecionados entre um oceano de outros escritores e roteiristas, para escrever com brilho ímpar e criar situações mágicas e idílicas.

As personagens do romance que você leu pareciam-lhe profundamente inspiradas, e sempre tinham saída para todas as questões, mesmo as problemáticas mais complexas. Por isso o romancista produz de forma tão elogiosa: ele cria algo que não existe, que é um meta para o futuro, um fanal que inspire atitudes das multidões, para que se sintam emuladas a se tornarem melhores, mas de modo algum necessariamente representam a realidade presente. Embora exista a arte de veia realista, é no campo das idealizações que se encontra mais compradores para o produto criado pela imaginação humana. Mas se você se sente mal, por não agir como a herói do cinema, a mocinha da novela ou o detetive brilhante do romance policial, é óbvio que se sentirá medíocre, baixo e tolo, em todos os sentidos e, sua vida, é claro, um vazio angustiante, senão ridículo e infernal.

Cuidado com os padrões da mídia – eles sobem dia a dia, quando não descem demais, entronizando, como modelos a serem seguidos, personagens criminosas e cínicas. Relativize o que vê, lê e ouve, em contato com os instrumentos de comunicação da cultura moderna, como a televisão, a internet, o DVD ou o cinema. Livros, filmes e músicas ao gosto das massas são cânticos do inconsciente. Cheios de bizarrices e outras fanfarronices, em meio a conteúdos sábios, que precisam ser garimpados, ou seja: exigem esforço para serem filtrados e descobertos, em meio à canga bruta de toda ordem de pedrouços e de lixo cultural.

Ninguém, de sã consciência, vestiria um costume dos modernos desfiles de moda. Eles indicam tendências, estilos caricaturizados, para serem melhor entendidos. O mesmo se pode dizer do conteúdo da mídia, que deve ser encarada como metáfora a ser interpretada, e não como informação a ser assimilada e seguida. Até os telejornais, revistas e jornais de grande circulação apresentam suas nuances de espetáculo e exagero, tendência política e cultural, hipérboles filosóficas e emocionais, que precisam ser extraídas, para que se possa alcançar a verdadeira informação por detrás da notícia.

Em resumo: não acredite piamente no que ouve ou vê, ainda que dito pelas maiores celebridades ou sumidades do momento (por sinal, assim declaradas pela mesma indústria da mídia). Religião prega castidade, obediência a princípios morais e pureza de espírito. Você acha que os sacerdotes sejam tanto quanto propalam em seus discursos? E, por isso, a religião deve ser vista como um apanhado de mentiras? E os religiosos que tentam, com esforço, aplicar o que sabem ser verdadeiro, mas não logram êxito absoluto neste intento, devem todos ser considerados hipócritas? Sendo assim, a poesia é uma forma de mentira, o teatro é um antro de esquizofrênicos, e os profissionais do Direito e da Política devem imediatamente ser trancafiados em presídios especiais, sem espaço a se defenderem ou apresentar seus motivos. Só um tolo, porém, proporia uma medida radical como esta. Quem tem um mínimo de maturidade psicológica e de bom senso compreende que o ser humano é complexo e sua existência, relacionamentos e interações sociais ainda mais, e que, portanto, a ambigüidade, até certa medida do razoável, é um fenômeno inexorável, a que se deve habituar, para que se possa ter os pés no chão e não a cabeça nas nuvens de fantasias escapistas e totalmente inexeqüíveis.

Ter ideais e buscar a coerência aos próprios princípios é uma coisa: um desafio constante e intrincado de elaboração e re-elaboração de conceitos, à medida que se interage com a realidade e se tenta encontrar formas de concretização dos próprios valores. Ser ingênuo e pugnar por viver ideologias literalmente é outra coisa, inteiramente diferente, que dista anos luz da primeira situação, pois que, inclusive, além e inviável, acaba se tornando falsa, e fazendo de seus apologistas demagogos que mal se dão conta, amiúde, da extensão das próprias falácias, propaladas aos quatro ventos, presas que estão, eles mesmos, de sofismas que os enlouquecem e embrutecem, a pouco e pouco.

Seu filho não é um anjo, nem sua esposa uma deusa. Seu marido não é um mártir, nem seu chefe um santo. Seu colega não é um herói encarnado, nem seus mentores profissionais sábios descidos do céu, para tudo solucionar. E isso tudo porque você mesmo não é nada disso e, talvez, nem de longe se aperceba o quanto decepciona seus parceiros de destino, ao, igualmente, frustrar-lhes as expectativas tanto ideais, quanto infantis.

Curta agora os momentos felizes que tem com seus entes queridos. Não espere muito de ninguém, para não se frustrar por conseguinte. Seja você aquele que toma a iniciativa de tudo, em vez de se entristecer, porque não tomam por você. O beijo, a palavra amorosa e o gesto afetuoso podem sempre partir de você, e, assim, por onde passar, um jardim de felicidade se fará em torno de seus passos, e até retribuições receberá, quando só o que faz já seria suficiente para que se sinta feliz.

Se alguém fizer algo que lhe desagrade, e quer dar continuidade ao relacionamento, fale, com cuidado, com moderação, sem fúria, mas exponha seus sentimentos, e se surpreenderá com os resultados: ninguém é obrigado a ser adivinho e satisfazer às fantasias e neuroses que vão em sua mente, mas não necessariamente no universo psíquico e emocional do outro.

Fazendo isso, nem de longe imagina quão feliz vai se tornar, apesar de estar longe do que proposto pelas telas de cinema e das minisséries de televisão, como elas mesmas estão distantes da realidade das próprias celebridades adoradas pelas multidões, quanto mais dos expectadores anônimos que as assistem.

Decida agora ser feliz e seja você mesmo o promotor da alegria geral, e, assim como quem carrega uma vela é o primeiro a se iluminar, você será a fonte de luz, para si e para todos que tiverem a graça de compartilhar de seus caminhos.

Você é o responsável por seus atos e por seu destino. E, por mais que cobre ou seja brilhante em manipular ou controlar os outros, nunca conseguirá o que quer, de modo contínuo e satisfatório. Se resolver, todavia, lembra-se de que só pode contar consigo, e determinar-se a fazer seu trajeto existencial uma festa de esperança e alegria, fará uma nova era de ventura e paz raiar em sua vida e na de muitos, que partilharão da atmosfera radiosa que emanará de si, por onde passar.

(Texto recebido em 23 de janeiro de 2005.)