por Benjamin Teixeira.

São Paulo, 2127. O Brasil é a 3a potência econômica mundial, emparelhada com a Índia, após a China e os Estados Unidos, num mundo dividido em grandes blocos continentais e firmemente dirigido por um Parlamento Mundial, com poder soberano sobre todas as nações da Terra. A pátria brasileira é, já há muitas décadas, o maior centro de Espiritualidade do mundo, exportando conhecimentos, modelos e inspiração para todo o planeta.

Esquecendo tudo isso, porém… vamos ver alguém visitando o submundo da noite da maior megalópole do planeta, a São Paulo que, emendada ao Rio de Janeiro, têm, sozinhas, mais 50 milhões de habitantes…

Geraldo estava cansado da vida de solteiro. Já tinha passado dos 35 anos e gostaria agora de constituir família. Era um homem à moda antiga. Queria um casamento heterossexual e ter filhos. Reproduzir-se era uma palavra fora de moda já há muito tempo. Mas ele não se incomodava de ser tão cafona. Entrou num daqueles clubes em que todos os equipamentos eletrônicos eram proibidos, e desde que uma lei do Parlamento Internacional proibira também implementos biônicos no corpo, para todos os habitantes do planeta, desde o século anterior, para que a privacidade dos indivíduos fosse um pouco mais preservada, toda vez que se adentrava aquele night club, mergulhava-se numa deliciosa atmosfera de aventura primitiva, como as dos século XX, em que ninguém conhecia ninguém, nem sabia nada sobre os outros, já que as redes de computadores acopladas a óculos, relógios e partes da roupa ou adereços de enfeite não poderiam informar nada sobre as pessoas em que se batia os olhos.
Em meio a casais de todos as tribos, que gostavam daquele ambiente arcaico de quase total desinformação uns sobre os outros, homossexuais e bígamos e polígamos hetero, homo e bissexuais (já era possível casamento, há muito tempo, entre três ou mais pessoas, não importando o sexo dos constituintes do matrimônio, embora fosse um segmento altamente marginalizado da cultura, porque eram considerados imorais e anti-espirituais, naquela era em que proliferavam monges e monjas celibatários em massa, de todas as religiões, que assumiam um poder expressivo em todos os cenários dos povos), Geraldo percebeu a presença de duas belíssimas moças que se esgueiravam elegantemente pelo salão. A luminosidade era fraca e oscilante, piscando bem ao modo breguíssimo das “discotecas” de 150 anos antes. Uma música interpretada pelo mais famoso transexual-cantor do mundo da década de 2070 era executada. Alguns se emocionavam, gesticulando enfaticamente e confidenciando-se, nostálgicos, entre si, visões de outros tempos. Dava, com isso, para perceber que eram dos mais velhos do ambiente – ou pelo menos assim pensava Geraldo. Ele era uma criança. Nossa! Menos de 40 anos! Não conseguira ainda colocação na empresa que fosse além do nível 5 de responsabilidade e confiança. Os agentes da 4a idade tomavam todos os postos de comando. Aquele pessoal com mais de 90 anos não dava mole p’ra ninguém. Eram os mais dinâmicos e, ao mesmo tempo, os mais sábios das equipes de trabalho. Não era possível concorrer com eles. Teria que esperar, pelo menos, passar dos 60 anos para começar a ser notado no ambiente de trabalho. Toda vez que identificavam sua idade era o maior vexame: educada, mas sumariamente, excluíam-no de todas as reuniões mais sérias. Aquilo era uma terrível injustiça. Aderira, no mês passado, ao movimento mundial de combate à discriminação etária. Jovens na casa de 50, 60 e alguns já com mais de 40 anos, em todo o mundo, protestavam contra regulamentos e convenções que dificultavam a presença dos mais novos, em postos de maior responsabilidade, em praticamente todos os campos de atividade humana. Como o grupo era por demais aberto, permitiram sua adesão apesar da “quase-adolescência” dos 35 anos e do seu pós-doutorado em Sorbone. A titulação acadêmica era ainda muito pouca. “Meu filho, você ainda terá muito que aprender” – foi o que ouviu, estupefacto, ao aderir ao grupo. Não seria aquilo uma incoerência? Não estavam eles lutando contra o preconceito contra os mais novos? Bem… seja como for… Geraldo voltou a prestar atenção nas duas beldades à sua frente. Pareciam muito tímidas. Não saberia dizer qual a mais velha, nem mesmo a idade das duas. Estava muito escuro. Dava para perceber apenas que eram muito alvas. Uma delas trazia linda cabeleira negra pendente sobre o busto, e a outra, o cabelo cacheado a pender sobre os ombros, e, à medida que se aproximava, Geraldo pôde perceber que eram cabelos castanhos. Ficou encantado com a primeira. Adorava mulheres de cabelos escuros. E mais: ela parecia misteriosa e distante… quase como se não quisesse estar por ali. Muito embora bem mais interessado nela, sentiu-se intimidado e resolver abordar a que parecia mais acessível.

– Olá, boa noite! Meu nome é Geraldo.
– Olá, Cristina, prazer. Passeando?
– Não. Estou atrás de casamento.
A moça deu uma gargalhada.
– Dessa forma? Não preferiu ser auxiliado pelas agências de compatibilidade psicológica?
– Sim, sou um homem à moda antiga…
– Mais de 70?
Geraldo abaixou a cabeça, envergonhado. Teria que dizer a idade. Era honesto demais para mentir num momento como aquele em que, sinceramente, desejava encontrar a mulher de sua vida.
– Não… Eu tenho… 35.
– Céus! Um garoto de 35! Que maravilhoso! Não imaginava poder encontrar alguém tão jovem logo de cara! Adoro homens mais jovens.
– Muito?
– Sim, muito. Completo 75 anos em fevereiro. Uma vez fiquei com um rapaz de 51, ano passado. Mas ninguém tão menino como você.
– Olha… – respondeu Geraldo, embaraçado – eu realmente estou aqui com intenções sérias… e… sabe… eu gostaria de ter filhos…
– O quê? Não acredito! Um garoto de sua idade querendo ter filhos!
– É… e eu queria… do modo antigo…
– Sem os UA (sigla para úteros artificiais)? Sem o uso de óvulos congelados? Eu ainda tenho vários deles, em bom estado (que se tiravam das mulheres até seus 25 anos), mas não sei se toparia ficar grávida… Nunca fiquei, nem quando menina, sabia? Tive dois filhos, há muito tempo. Mas preferi usar os métodos tradicionais (os tecnológicos).
– Obrigado… eu queria alguém que estivesse com os óvulos dentro de si mesma… e que engravidasse ao modo natural…
– Meu Deus! Você é um dinossauro, filho! – o termo “filho” humilhou profundamente Geraldo, tocando em seus traumas mais profundos.

Naquele momento, um certo jogo de luz mais forte iluminou o ambiente e Geraldo pôde contemplar um pouco melhor a beleza das duas mulheres. Eram, realmente, espetacularmente lindas. Mas a de cabelos escuros, que permanecia impassivelmente silenciosa, observando a conversa, com um sorriso enigmático, era, sem dúvida, estonteantemente mais bela. Será que seria filha ou neta da sua interlocutora? Teria menos de 35? Precisava de uma mulher muito jovem, para que os óvulos, in loco, estivessem suficientemente verdes para não gerar filhos deficientes. Não queria que os fetos de seus futuros bebês fossem submetidos a nano-cirurgias genéticas para corrigir disfunções congênitas. Queria tudo ao natural, como sempre aconteceu com a humanidade nos séculos transatos. Resolveu, então, num surto de coragem, perguntar, num quase sussurro:

– Cristina… a moça ao seu lado… como se chama?
Cristina deu um largo sorriso e passou um olhar significativo para a bela mulher morena, que disse, por si mesma, em belíssima voz rouca:
– Berenice.
Mal dito isso, porém, levantou-se e foi buscar um “drink”, ela mesma, sem apelar para o sistema automático de serviço nas mesas, ao que Geraldo se voltou para ela e perguntou:
– É sua neta, Cristina? – falou Geraldo torcendo para ter sorte.
Cristina deu uma gargalhada sonora.
– Minha neta? – gargalhou de novo, jogando a bela cabeleira para trás – vamos dizer que eu possa dizer que ela é… minha avó? (nova gargalhada). Não sabia que vovó Berenice estava tão bem! Já me perguntaram se era minha irmã e até minha filha… mas nunca minha neta.
– O quê?
– É que vovó casou-se cedo, entende? E sua filha mais velha também teve filhos muito nova… Então… estou aqui! Vovó Berenice completa 112 anos amanhã. Pediu-me, como presente de aniversário, trazê-la aqui, para matar a saudade dos tempos em que vinha a esses lugares, há mais de 90 anos! Vovó parou no tempo… mas sempre foi muito vaidosa. Ela vai gostar de saber disso. E… um segredinho… aqui entre nós… Vovó fez cirurgia de mudança de sexo há 50 anos atrás. Eu já era adulta, na época. Ela nasceu homem…no longínquo 2015… e seu nome original era Bernardo. Quando já tinha três netos adultos, resolveu fazer uma mudança radical de vida… e… então… tornou-se Berenice, a vovó mais linda do pedaço… Mas creia: é a mulher mais conservadora e pudica que já conheci em minha vida! Basta ver que se preocupou em mudar de sexo… que coisa démodé!!!… Para quê, se ser homossexual é tão chique e bem visto??? É uma Cinderela à moda antiga… em busca de encontrar o Príncipe Encantado… que ainda procura, ardentemente… até hoje!…
– Então ela… é… seu avô?
– Isso mesmo, Sherlock Homes!

Geraldo não esperou Berenice chegar… Estava triste, muito triste… Onde encontraria, por meios normais (não queria apelar para agências de casamento), uma jovem com menos de 35 anos, e que topasse algo do gênero: engravidar à moda antiga?

Saiu do night club abatido e resolveu voltar para casa, e fazer sexo com a mulher virtual que encomendou no mês anterior. Precisava relaxar. Melhor uma magnífica realidade cerebral, do que aquela medonha tristeza do mundo exterior. Determinara que no programa de sua mulher por encomenda houvesse todo a configuração da mulher dos tempos arcaicos, passiva, submissa, que engravidava e paria. Era melhor se esconder, pelo menos naquela noite, numa maravilhosa ilusão. Amanhã, quem sabe, ele tentaria algo diferente…

(Texto redigido em 9 de maio de 2003.)

(*) Não existe nenhuma intenção de revelação profética com essa historieta. Apenas quis fazer uma brincadeira instigante com os nossos internautas, naturalmente com autorização de nossos mentores. Alguns elementos… todavia… dessa nossa narrativa imagética… talvez se convertam em realidade… muito antes do que imaginemos…
Importante ressaltar, entretanto, que, ainda que isso se torne real, lembre-se de que se tratava de um night club e que a fauna ali presente era altamente discriminada, já que, do lado de fora, no mundo real, os movimentos espirituais e religiosos teriam tomado uma força gigantesca, com, como foi dito no próprio texto: “um segmento altamente marginalizado da cultura, porque eram considerados imorais e anti-espirituais, naquela era em que proliferavam monges e monjas celibatários em massa, de todas as religiões, que assumiam um poder expressivo em todos os cenários dos povos”.
Quisemos apenas fazer humor e estimular a abertura ao novo, tão essencial à adaptação às mudanças céleres dos dias que correm.

Post Scriptum:

Como os amigos sempre reclamam quando não divulgo, vai aqui o informe: cedi uma entrevista na revista “Sergipe Mais”, deste mês de maio, com vários temas polêmicos abordados, como virgindade, homossexualidade, ateísmo, evidências científicas de vida após a morte, perspectivas otimistas para a humanidade no Terceiro Milênio, entre outros. A revista está nas bancas de todo o estado de Sergipe. Se você estiver no nosso “Sergipe Del Rey”, pode acompanhar o trabalho.