Benjamin Teixeira
pelo espírito
Luís de Alcântara (*1).

Ontem pude visitar os que ficaram para trás, após dez anos de meu desencarne, fulminado, repentinamente (*2), por um infarto do miocárdio, na casa de cinqüenta (e alguns) anos de idade.

Desolação!… A mulher que amava está com outro, e me parece bem mais feliz do que quando vivia ao meu lado. O primogênito não se recorda de mim e se afunda no alcoolismo, gravemente. A caçula envolveu-se em negócios menos dignos, no campo da política. Os irmãos e sobrinhos malsinam-me o nome. E, entre os associados humildes que me foram empregados nas iniciativas capitalistas, os que não me odeiam recordam-se de minha pessoa como a parte mais sombria de suas memórias, firme e exigente como fui, na disciplina do trabalho, sem muita consideração para com os sentimentos de ninguém.

Vivi para a aquisição de riqueza; e, embora temido por onde passasse, e podendo, volta e meia, viajar para onde desejasse (a única coisa positiva de que consigo me lembrar, ao repassar na memória aquele tempo horrível – viagens que fazia, entretanto, sem nenhum sentimento de bem-estar, nem emocional, nem físico, pois que a saúde já periclitava), consegui que a mulher me detestasse, aguardando minha morte para ser feliz com outro – usando, para isso, a fortuna que deixei com ela, com meus esforços contínuos de décadas. Logrei também que os filhos crescessem egoístas, só pensando em usufruir o que eu lhes viesse, um dia, a deixar como legado, não aprendendo a produzir e ser úteis ao bem comum, verdadeiras lástimas humanas. Igualmente, recebi como resposta à minha atitude amarga, de tantos anos, que os irmãos e sobrinhos praguejem sempre que se lembram de mim, atribuindo-me jogadas ilícitas, para adquirir parte maior da pequena fortuna que herdáramos de nossos pais e avós, o que realmente aconteceu, embora não se dessem conta de que multipliquei várias vezes o que tinha, por razão de muito trabalho, e não por ter ficado com 2% a mais dos negócios anteriores da família (sim, que ironia: meu “benefício maior”, na herança paterna, foi de apenas 2% em relação a meus outros três irmãos; só que, ranzinza e egocêntrico como era, todos sempre pensavam o pior de mim, até quando estava agindo corretamente ou, pelo menos, mais corretamente).

Pior que tudo: não fui feliz naquele tempo, não sou agora, nem sei quando poderei ser, pois terei que passar longo período – sabe lá Deus de quanto tempo – reparando a longa fieira de prejuízos que semeei por meus passos, enquanto estive no corpo físico.

Irmão encarnado, atente-se para seu caminhar no mundo. Está você semeando alegria ou desgraça em torno de si? Benefícios ou pragas? Alerte-se, enquanto é tempo, porque o tempo corre rápido, e somos por ele arrastados, inapelavelmente, para o futuro que construímos, com as próprias escolhas de agora. Não quero que venha, como eu, a se sentir indigno de ser chamado, como tão galantemente se diz, no meio espiritista: “entidade”, “espírito comunicante”, “ser desencarnado”, porque, pelo meu deplorável estado psicológico e moral, além de meus débitos clamorosos para com a vida, impotente, derrotado, infeliz e angustiado, ousaria me denominar, no máximo, para não me logo chamar de demônio revel, tão-somente de zumbi, alma penada, ou, quando muito, um maltrapilho fantasma errante, nos corredores da desgraça de além-túmulo!… Uma desgraça, porém, que não posso imputar causada por ninguém, mas, tão-somente, compreendê-la como constituída e longamente curtida por minha própria estultícia, orgulho e insensibilidade!…

(Texto psicografado em 17 de setembro de 2007. Revisão de Delano Mothé.)

(*) A verdadeira identidade do pobre amigo desencarnado foi oclusa, para não constranger parentes ainda encarnados.

(*2) Decidi preservar, com o aval de nosso revisor, a redundância do “fulminado, repentinamente”, porque intuí que o comunicante teve intenção de reforçar, poeticamente, a surpresa que o acometeu com a morte inesperada.

(Notas do Médium)