(Antigos amigos de Chico Xavier duvidaram de seu valor, tornaram-se seus inimigos, e ainda se julgavam agindo em nome do bem.)


Benjamin Teixeira
pelo espírito
Gustavo Henrique.

Corria o final da década de 1970, quando estive em contato com amigo de nossa dimensão, em visita de trabalho a algumas agremiações espíritas da crosta. O venerando companheiro, conhecido por Décio, falou-me, quase num sussurro:

– Venha ver, prezado Gustavo, que cena lamentável. Estão a falar de Chico Xavier, o impoluto médium mineiro, em plenos preparativos para reunião mediúnica, num centro de Uberaba – criaturas que trabalharam com ele até bem pouco tempo atrás.

Uma senhora de ar severo e empertigado comentava em volume quase inaudível, como a ocultar segredo impublicável à interlocutora inconsciente, no mesmo diapasão de leviandade e estultícia:

– As pessoas, à distância, não percebem, com clareza, a personalidade dele. Nós, que o conhecemos de perto, bem sabemos quem é. Como ele aparece na mídia, é claro que dá para imaginar ser até um santo, como dizem. Mas, por exemplo, como um homem de origem humilde faz questão de usar terno, em quase todas as ocasiões?

A ouvinte, contraindo as pálpebras, maliciosa, aditou:

– E aquela peruca patética?… Que falta de senso de ridículo… Como ele se permite algo do gênero?… Quanta vaidade!…

– Mas isto é só um detalhe, irmã – continuou, melosa, a provocadora da difamação mesquinha –, no que concerne à vaidade, pois que ele tem-se dado a receber títulos de cidadão, em solenidades pomposas, por diversas cidades do país, em meio a rasgados e longos elogios de figuras públicas importantes, sem perceber a cilada torpe dos gênios das trevas, que o querem perder no orgulho de vidas passadas… orgulho, por sinal, na minha opinião, bem presente ainda hoje.

Esticando-se mais para próximo do ouvido da colega de serviço espiritual, quase abafando a voz, permitiu escapar, entre os lábios, com um olhar chispando asco e desdém:

– Creio que o pior de tudo é aquele jeitinho brejeiro… não me engana…

– Pois é, amiga. A condição de mulher cristã me impede de tecer maiores comentários… mas um homem notadamente efeminado, afeito a andar de braços com outros homens, em ambientes públicos, é um acinte à moral comum, um quase atentado ao pudor… e, sem dúvida, uma vergonha para a Doutrina Espírita…

– Pois é… Pois é… Como as pessoas são tolas, não?

– Sim, concordo plenamente.

A esta altura da maldade, destilada a calúnia em níveis que quase nos ultrapassavam o poder de tolerância, o relógio nos chamou aos trabalhos da noite. As duas damas – se é que assim as podemos qualificar – aprestavam-se para uma reunião reservada de desobsessão, sem se darem conta da própria necessidade de desobsessão pessoal. Meia luz foi feita, alguém já proferia prece inicial, quando o nobre companheiro de lides espirituais disse-me, à surdina:

– Caro Gustavo, terei que conduzir o companheiro Aquiles, que fará uso da psicografia. Vou tentar, mais uma vez, insuflar-lhe idéias de indulgência e compreensão para com a diferença de nossos irmãos em humanidade.

O servidor em Cristo se postou por detrás do homem que mal passava dos 40 janeiros, e, espalmando as mãos sobre seu crânio, passou a expedir chispas coloridas sobre seus centros nervosos, tanto perispiríticos como físicos. Em alguns minutos, Aquiles tomou de papel e lápis e começou a redigir apontamentos, sob inspiração do mentor espiritual. Muito afinado com o padrão do comunicante, pude ouvir-lhe a mensagem ditada ao colaborador encarnado, como se lhe fosse a voz, sem que movesse os lábios. Aproximei-me do médium, donde lhe pudesse ler o que escrevia, no intento de avaliar a precisão da captação psicográfica, e pasmei-me deveras. A distorção era calamitosa. O animismo do psicógrafo fazia-se tão grave, que praticamente toda idéia do orientador desencarnado era distorcida, ao sabor das opiniões do receptor.

– Prezados irmãos em Cristo – disse o mentor –, cuidemos de vivenciar a tolerância e a prática do perdão, a fim de que não incorramos em erros sérios, na avaliação de caracteres e personalidades com quem nos deparamos vida afora, porque muitos são sóis ignorados, provisoriamente asilados no plano físico de existência…

Enquanto isso, grafava o médium auto-obsediado:

– Estimados irmãos em Jesus, não nos excedamos na prática da indulgência, a fim de que não perdoemos quem não mereça esta graça e, em vez disso, acabemos por ser coniventes e complacentes com o caráter e a personalidade de figuras públicas que conheçamos, porque as aparências enganam, e muita gente incensada pela multidão não passa de histrião desejando o estrelato popular…

Dei um salto para trás, estupefacto. Há muito tempo não presenciava evento tão claro de interpolação mental inapropriada e totalmente destrutiva, no processo de intercâmbio entre dimensões. Como o “psicógrafo” conseguia deturpar tanto as intenções originais da entidade misericordiosa que se dignava a ajudá-lo, no exercício da mediunidade?

Procurei distanciar-me das próprias emoções, de modo a não interferir negativamente na tarefa já severamente comprometida, e continuei a acompanhar um deplorável processo de inversão de conceitos, um sobre outro, até que, chegando o momento de desfecho na comunicação, vi o psicógrafo apor, despudoradamente – depois de meu companheiro desencarnado apenas dizer: “Um Amigo Espiritual” –, a subscrição do famigerado vulto de “Emmanuel”, guia de Chico Xavier.

Décio voltou-se para mim, com olhar profundamente melancólico. Já conhecia toda a dimensão das adulterações do texto, ligado como estava ao psiquismo do médium, e aprochegou-se-me, em tom explicativo, embora nitidamente abatido:

– Eles supõem que Emmanuel lhes endossa as opiniões, quando não chegam mesmo ao despropósito de acreditarem, sacrílegos, que o próprio venerável mestre de nosso plano inspira-lhes as idéias pouco sãs sobre o extraordinário missionário de Pedro Leopoldo. Estamos lhes oferecendo um tempo de tolerância, para que corrijam esta lamentável injustiça, antes que os entreguemos à própria sorte…

– Que impressionante… E não procuram Chico, para saber da opinião de Emmanuel?…

– Não. Julgam que Emmanuel está mais com eles do que com Chico, e que o grande psicógrafo, com mais de 100 livros publicados, de conteúdo incontestavelmente nobre e superior, está francamente obsedado…

– Quem é esse cavalheiro? Digo: o psicógrafo desta reunião?

– Moído de inveja e sentimentos mesquinhos equivalentes, lentamente criou uma onda de opiniões contrárias ao humilíssimo médium mineiro, falando à socapa com cada um, ano sobre ano, exatamente entre aqueles que eram mais próximos do doce e meigo instrumento de Emmanuel.

– Pelo que percebo, convenceu, primeiramente, a si mesmo do que diz…

– Sim, ele não mente. Não da forma como se costuma entender a mentira, num nível consciente. Pretendia receber tratamentos especiais do enviado de Nossa Esfera de Ação. Como não obteve a intimidade ao ponto em que desejava, além da cobertura de Chico para certas condutas menos apropriadas suas, voltou-se contra o antigo mentor encarnado, a quem tanto devia, acreditando-se, ironicamente, nesse processo, inspirado pelo Plano Superior.

– E há gênios criminosos de nosso domínio de existência envolvidos nesse estratagema vergonhoso?

– Sim. Não estão, por ora, adentrando este ambiente, mas têm influenciado deveras inúmeros elementos do grupo. Não tanto como no período em que mais atacaram diretamente Chico Xavier, que era seu alvo preferencial. Desde que este se desligou da organização, transferindo, para outra sede, o desdobramento de seus trabalhos mediúnicos, a sanha foi reduzida, embora persista.

– Correm risco de se desviarem severamente do planejamento existencial delineado antes de reencarnarem?

– Já se desviaram. Mas trabalhamos para que não se percam completamente, evitando que caiam sob as garras dessas inteligências voltadas para o mal, que almejam vingar-se deles, por terem colaborado com Chico por um tempo. Sem a proteção que antes recebiam da falange de escol do espírito Emmanuel, estão bem mais vulneráveis agora.

– Tentar mantê-los no bem, de algum modo, não é?

– Sim. Eles acham que continuam no bem, tanto quanto antes, se não melhor. Imagine! Que falta de humildade e bom senso! Um gênio mediúnico como Chico Xavier, que produz proliferamente, um ás da caridade e do serviço ao próximo… e eles se sentem à altura de avaliá-lo, com interpretações tão grosseiras e superficiais a respeito de um perfil psicológico demasiadamente complexo, qual o do emissário das Alturas. Abandonam-lhe, após ataques nefandos ao seu moral e auto-estima, deslindam-se das atividades desenvolvidas em torno dele, a benefício de milhões, e, isolados em seu pequeno agrupamento, pretendem permanecer no mesmo nível de merecimentos e realizações, perante os Representantes da Esfera Sublime de Vida.

– Seria algo equivalente a executivos se desligarem de uma empresa multinacional, supondo que, numa muito menor, poderiam gozar de idênticos benefícios…

– Exatamente! Muito boa analogia. O bem está em toda parte. Mas, no momento em que atacam Chico e lhe dão as costas, estão fazendo-o também em relação a Emmanuel, que vive em regime de mediunato, de sinergia psíquica com o médium magistral. E o respeitabilíssimo guia espiritual, caro amigo, está conectado pessoalmente ao Governo Oculto da Terra.

– Que ironia… e permanecem achando que recebem mensagens do próprio Emmanuel…

– É uma tática desesperada de seu inconsciente, no sentido de racionalizar sua fuga e afirmar para si mesmos que não desprezaram algo de extremamente valioso e raro. Talvez não suportassem a culpa…

A esta altura, percebi que a reunião acabava, e que, luzes feitas em bom volume, não só o psicógrafo como as duas senhoras perversas tinham lágrimas nos olhos… Estava um tanto perplexo com a cena de comoção a revelar, ao menos aparentemente, sensibilidade, quando me disse o amigo que, piedoso, amparava, com alguns auxiliares, a instituição:

– É uma espécie de delírio coletivo de compensação psicológica. Emocionam-se, imaginando-se sob proteção direta de Emmanuel, como se o antigo senador Romano estivesse a dar-lhes corroboração na atitude tresloucada, numa forma pateticamente invertida de chorarem a dor medonha de terem apedrejado a obra do próprio mentor da Espiritualidade Excelsa – porque, ratifico, vituperar Chico é atassalhar Emmanuel (esquecem-se deste elemento fundamental de lógica).

Meneei a cabeça e, após despedidas sumárias do condiscípulo de lides comunicativas com o domínio material de vida, retomei a via pública, meditando em como é difícil a missão de personalidades de realce coletivo, devotadas ao bem, como o internacionalmente conhecido Francisco Cândido Xavier. Se celebridades já são normalmente vítimas da má vontade de seus semelhantes, o que não poderia acontecer com aqueles que se destacam nas atividades do Cristo, por despertarem a mobilização de agências tenebrosas das duas dimensões de existência? E fiquei mais a cismar: se, em alguém indiscutivelmente santo e puro como Chico, conseguiam enxergar tanta baixeza, o que não seriam capazes de entrever na conduta reta de seres humanos menos beneficiados no carreiro evolucional, mas esforçados e sinceros em trabalhos de monta, assinalados pela dianteira na liderança de realizações pela libertação das consciências humanas do jugo da ignorância e da maldade?

(Texto recebido em 19 de novembro de 2007. Revisão de Delano Mothé.)

Lembrete:
Como não estamos publicando mensagens novas em dias não-úteis, apesar de este texto ter tamanho expressivo, será trazido a lume, amanhã, neste site, outro artigo mediúnico.