Benjamin Teixeira
pelo espírito
Roberto.


(O prezado visitante do site deve se lembrar de que não publicamos nova “mensagem do dia” em dias não-úteis, de modo que a publicação do capítulo 5º do romance mediúnico “Alice – Uma História de Amor, Além da Morte” não acontecerá nesta sexta-feira “da Paixão”. Sê-lo-á, tão-somente, na sexta-feira da próxima semana, 28 de março.)

Eu estava triste, muito triste. A notícia de uma moléstia incurável, fatal e com velocíssimo desenvolvimento, deixou-me bem mais do que arrasado. Não havia completado 28 anos, e todos os meus sonhos de realização e felicidade estavam ruídos para sempre…

Sentei-me num pequeno jardim, no fundo de casa, e pedi a Deus um sinal. Ato contínuo, uma borboleta multicolor pousou numa rosa branca, exatamente em minha frente. Lembrei-me, então, da metáfora da lagarta, disforme e rastejante, que se converte em borboleta, linda e alada. Enchi os olhos de lágrimas, voltando-os para o Céu, e agradeci ao Senhor Amoroso, que me enviava um bálsamo às dores cruciantes daquele instante amaríssimo.

Passados muitos anos dessa crise extrema, recapitulo o episódio e noto como a esperança, que me confortou, era completamente acertada – em verdade, bem mais do que eu poderia supor. Nem de longe imaginaria, naquela época, como tudo se resolveria, para bem melhor do que eu conseguiria conceber. Pretendia realizar um conjunto de obras literárias e de mobilização política (não-partidária) que, segundo me informaram, era impróprio (por inoportuno), por aqueles dias em que estava encarnado. Desejava gritar para os gays – como eu também era (sei, leitora amiga, que gosta de mim: já escrevi textos, pelo médium, como se eu fosse heterossexual – tudo pela causa do bem!… risos) – que nós tínhamos direito à vida, à dignidade, à felicidade. Não me ouviriam. Houve missionários desta ordem, no meu tempo de juventude, na última encarnação, mas não me cabia realizar aquele tipo de trabalho de vanguarda, e tive que silenciar meu verbo inflamado. Linchariam-me, em praça pública, pelos artigos que viria a publicar e pelos discursos empolgados que proferiria, em menos de um ano – foi-mo dito quando aqui cheguei, na pátria espiritual. Mas eu não portava aquele carma, para sofrer tal ordem de ultraje público.

Retornei para esta dimensão, ainda na década de 60 do século passado, e, conhecendo o médium com quem trabalharia, antes mesmo de ele reencarnar, participei, ao seu lado, de atividades interessantes de preparação de nossos futuros labores em conjunto, sob a supervisão de grandes mestres desta esfera de existência. Como Deus escreve certo, por linhas tortas, conforme muito sabiamente assevera o aforismo popular, concretizo meu ideal em vida extrafísica, melhor do que faria se estivesse no campo físico, encarnado. Daqui, colaboro não somente na militância gay, qual desejava fazer, mas numa campanha grandiosa pelo despertar espiritual de todos, gays, bissexuais, heterossexuais ou assexuais. Uma campanha também pelos direitos dos homossexuais, como de todas as minorias, e não só pelos direitos civis, mas pelo direito bem mais amplo, com bases psicológicas, racionais e espirituais, à felicidade e à completude de nossa dignidade humana. Nem de longe consigo dimensionar quão mais importante é esta obra em que atualmente coopero, em cotejo com o que, muito precariamente, desdobraria, preso ao maquinário biológico.

Agora, portanto, muito enfaticamente, reconheço quanto me foi boa aquela morte precoce. Meu último corpo físico me foi tomado, à flor da idade, para que eu pudesse, hoje, estar com vocês, livre e desimpedido de dificuldades (sobremaneira as minhas, interiores, de preconceitos filosóficos e políticos), falando, para o mundo, da alegria inaudita de ser a vida bem mais do que ousamos fantasiar! Se permanecesse atado ao veículo orgânico, hoje com mais de 70 anos, eu estaria, consoante me revelaram os orientadores do Domínio Excelso, amargo e pessimista, provavelmente cínico e prenhe de ódio incrustado n’alma, contra todos os heterossexuais e gays enrustidos que me teriam feito da romagem terrena um verdadeiro martírio de decepções e ataques nefandos sucessivos. Não detinha, como ainda não porto, maturidade psicológica e moral suficiente, para sofrer constantes assaltos à minha auto-estima, sem me converter num demônio de pessimismo e descrença no gênero humano. Por isso, fui premiado com o retorno a este Mundo Maior, um pouco cedo. Vejo colegas meus, contemporâneos, ainda encarnados, ateus e sombrios, que seriam bem o retrato do em que certamente me converteria, se não tivesse sido abençoado com o decesso carnal, nestes tempos ainda quase medievais, para gays e outras minorias.

Posso dizer, sem medo de exagerar – como acompanhei de cá –, que ninguém faz idéia do que seja exigido, em termos de força moral e emocional, daqueles que continuam a pregar o otimismo e a realizar o bem na vida de incontáveis pessoas, expostos que são, em posição de grande evidência, diante das multidões, padecendo constantes ataques da calúnia e da má vontade, da má-fé, da inveja, do ódio e da maldade alheias, dia sobre dia, mês sobre mês, ano sobre ano, sem descanso… Qualquer esforço de imaginação que se faça, creio eu, não dará a mais pálida idéia do que seja isso. Por muito menos, aqueles que são tidos como ases da inteligência e da coragem, amiúde, abrem retirada e desertam de seus postos de serviço – que lhes foram confiados por Deus –, com todos os motivos de autodefesa, perfeitamente compreensíveis. É fácil ser otimista e bondoso, quando se nasce em circunstâncias favoráveis, não quando se tem que arrostar um oceano de preconceitos, como vejo alguns amigos encarnados o fazerem, sem trair seu ideal de servir a legiões infindáveis de sofredores e pedintes de toda ordem de ajuda, sobremaneira a de caráter espiritual. A estes, curvo-me, reverente. Sorriem e servem, continuamente, mesmo parecendo estar o mundo contra eles, a todo instante…

Eles me dizem, muito modestos e sinceros, no esforço de humildade, que não são santos, mas toda vez que os observo trabalhar, com ânimo renovado a cada batalha, me recordo dos cristãos dos tempos primitivos, cantando hosanas a Jesus, enquanto eram seviciados. Vejo-os, hoje, fazendo o mesmo, figurativamente, no sentido moral, já que enfrentar os sofrimentos do espírito pode ser tão ou mais doloroso que se submeter a padecimentos físicos. E, sinceramente, sou inclinado a supor que era mais fácil ser mártir no passado, quando se sofria rápido e morria-se logo. Ao menos, o esforço de fé era, geralmente, exigido por tempo mais curto. Agora, os santos modernos sofrem a tortura sistemática e contínua de seu bem-estar psicológico, anos a fio, dando o testemunho de sua fé, mantendo-se motivados e ativos, durante décadas sucessivas. Pregam o amor, fornecem alegria à multidão, sorriem como se estivessem já no paraíso, vêem propósito e motivos de gratidão a Deus, nas coisas mais insignificantes, e oferecem de si próprios, tão generosamente, que seria de pensar: são anjos, porque só anjos podem dar tanto de si, recebendo migalhas dos outros… E ai deles, quando sofrem rápidos e leves momentos de vacilação, de queda em sua natural humanidade. Triste ironia da cultura de hoje: ninguém acredita na santidade de ninguém, mas a maioria exige atestados de perfeição dos líderes espirituais das massas, como se não pudessem eles portar defeitos, nem desejos, nem carências humanas normais, apesar de já fazerem mais que todos somados. Ignoram que os santos não são pessoas sem falhas, mas, apenas, almas humanas, realizando coisas prodigiosas, como se anjos fossem. O mérito, assim, para eles, é incalculavelmente maior do que o que aufeririam se, de fato, já fossem seres perfeitos – e, realmente, não o são, pobres queridos doadores de tudo à multidão faminta, enlouquecida, ingrata e egoísta.

Vi-os sendo abusados na infância, torturados psicologicamente por professores e colegas, perseguidos por mestres religiosos, difamados pelos próprios beneficiários mais íntimos, quando foram estes contrariados em caprichos mesquinhos. Exclamava, então, de mim para comigo, perplexo, ante tanta força espiritual: “Meu Deus! Isso existe?” Por fim, ainda tinham energia e motivação para se levantar, auxiliar aqueles mesmos que os estavam atacando, agradecendo-lhes em público, por tanto serem por eles “ajudados” – sim, isso mesmo: agradecendo em público aos seus algozes, como se estivessem recebendo favores, e não ataques desses inimigos hipócritas a seu lado… Confesso que, ao assistir a uma dessas últimas cenas, supus portasse, a criatura que a vivenciou como protagonista, um certo distúrbio mental, e procurei os mentores do Mundo Maior, em busca de dirimir minhas dúvidas e acalmar o vulcão de conflitos que me tomou o coração de amigo. Então ouvi, de cálida voz do Plano Sublime:

“Meu filho, você acha que a qualquer um se confiaria a missão de conduzir almas a Deus, em larga escala, em uma era de tanta complexidade e desnorteamento, até para as mentes mais brilhantes do domínio físico de existência? É claro que se trata de lucidez acima do normal, e não de distúrbio psicológico. A conduta de seu amigo, todavia – você está certo, neste aspecto –, é loucura, para a perspectiva do ego, que quer obter benefícios pessoais; ao mesmo passo que constitui, entretanto, a sabedoria do Espírito, que serve, sem esperar nada em troca, por piedade e misericórdia, até mesmo para com os seres malevolentes que atacam o próprio benfeitor, irresponsável e inconscientemente. Volte para d’onde veio, e colabore em aplacar as dores desconhecidas de sua alma amiga.”

Depois, muitos estranham por que milagres e acontecimentos extraordinários ocorram em torno dos passos destes indivíduos. Eles não são privilegiados: fizeram por merecer. É a própria Mão de Deus que desce sobre eles, guiando-os e secundando-os em tudo. Ou pensam os encarnados que os santos entronizados nos altares das igrejas, ou aqueles mesmos mártires do Cristianismo primordial não portavam fraquezas humanas e não cometiam impropriedades, volta e meia? Lembremo-nos de Paulo sendo inflexível com as mulheres, rigoroso e quase-arrogante, em suas exposições públicas, e, antes da conversão, sentenciando à morte os primeiros cristãos; ou recordemo-nos de Pedro, negando conhecer Jesus, após ter com Ele convivido por quase dois anos (e não três, como se supõe). E estamos aludindo a dois dos maiores vultos de toda a história do Cristianismo, sem descermos a personalidades menos destacadas e não tão nobres. Os santos, como disse, são seres humanos, que calam suas necessidades ou as põem em direção ao Alto, para servirem a Deus, na Terra, como se fossem anjos, sem o serem… Por isso, de fato, se tornam maiores que os anjos, conforme afirmou o próprio Apóstolo Paulo, em suas epístolas (tese com que concordo): exatamente por fazerem mais do que se poderia esperar de sua natureza falível, de pessoa normal, com necessidades e limitações comuns.

Nunca abri meu coração, assim, em público, revelando momentos íntimos, difíceis, como o que hoje relatei, ante minha morte física iminente. E faço-o, porque noto muita gente sofrer por nonadas, achando-se vítima por tolices inteiramente destituídas de significado. Quero lembrar que há espíritos reencarnados, bem ao seu lado, que faceiam adversidades impensáveis, sem parecer envidar esforços, passando-se por bobos muitas vezes, assumindo a culpa pelo que não fizeram, e ainda agradecendo a quem lhes retribui o bem com o mal, enquanto tranqüilizam e socorrem seus irmãos em humanidade. Copie-lhes os exemplos, caro(a) leitor(a).

Onde está a fé em Deus? Onde está a maturidade de se erguer sobre os próprios pés e, agindo como um adulto, arregaçar as mangas e realizar o que se pode, para solucionar as questões pendentes na própria existência? Quem se esforça recebe sempre a melhor ajuda de Deus. Os que não fazem o que devem podem ser deixados, por misericórdia do Ser Todo-Justiça, “sem socorro”, para que sua dor aumente ao infinito, até que vençam a preguiça, a covardia e o orgulho de achar que devem receber tratamentos especiais da Vida.

Não queira ser desses. Sorria e levante-se, para o trabalho, a serviço dos semelhantes: isto, sempre, é nossa salvação.

(Texto recebido em 19 de março de 2008. Revisão de Delano Mothé.)