por Benjamin Teixeira.

Vejam, amigos, que curiosa correspondência troquei com um salto-quantista à distância, recentemente:

(Pergunta) – Mandei o vídeo “Gays e Séculos” para um amigo psicólogo, e ele fez críticas contundentes sobre a parte em que é dito que, para Freud, a homossexualidade era uma perversão que não prescindia de tratamento. Ele me explicou que, para Freud, perversão é toda conduta erótico-sexual que não se volte exclusivamente para a reprodução. Assim, um simples beijo, já que beijo não gera gravidez, é uma perversão, e por aí se vê que quase tudo, quando o assunto é sexualidade humana, deve ser tido como perversão. Dentro desse ponto de vista, portanto, há perversão em tudo aquilo que se desvia do que seria o propósito maior do ato sexual: garantir a continuidade da espécie humana. Como não conheço quase nada da obra freudiana, gostaria de ouvi-lo sobre essa crítica.

Outro ponto que esse meu amigo destacou foi quanto à aparição da foto de Oscar Wilde, logo após a menção ao Código de Napoleão. Com este trecho do vídeo, ele entendeu que se pretendia mostrar que o Código Napoleônico teria inaugurado um período de maior tolerância com a homossexualidade, o que o episódio “Wilde-Lord Alfred Douglas”, que culminou com a condenação de Wilde à prisão, por ser homossexual, nega veementemente.

Com relação a essa segunda crítica, acho que ela é subjetiva. Ele interpretou o vídeo, nesse ponto, de uma forma diferente da minha, que percebi a intenção de mostrar que, no século XIX, a homossexualidade começou a ganhar visibilidade e aconteceu o início do processo de sua aceitação social e do abrandamento do preconceito, um processo que ainda não chegou ao final e vai demorar muito para terminar. Minha dúvida maior, então, é com relação ao que Freud realmente pensava sobre a homossexualidade. Ele a via mesmo como doença ou algo que o valha, suscetível de tratamento clínico? Seria possível indicar referências bibliográficas para uma pesquisa?

(Resposta) – Prezado (…):

Desculpe-me a firmeza e tom sarcástico de que farei uso aqui, na crítica da crítica, ou na análise do crítico, pela delicadeza do tópico em foco, em vista de ser causa de dores existenciais impensáveis em pelo menos um décimo da espécie humana, de séculos a esta data, sem qualquer perspectiva de se dissiparem, em expressão global e definitivamente, antes de que muitos decênios (talvez alguns séculos), para sermos otimistas, tenham-se transcorrido – tópico este que poderíamos denominar: “A questão da cidadania das personalidades homossexuais”, em uma visão mais neutra, ou: “A sanha assassina e hipócrita da homofobia”, numa ótica mais realista.

Seu “amigo” não foi isento. Parece-me muito apaixonado, com intenções não reveladas e projetadas na interpretação crassamente distorcida que fez do vídeo. Freud tinha uma opinião íntima de aceitação à homossexualidade (como evidenciam recentes correspondências suas à mãe de um homossexual norte-americano, defendendo-lhe o direito e a sanidade da vida prática homossexual); entretanto, não a trazia a público, explicitamente, dando a entender que os homossexuais precisariam de tratamento, visto que, em sua época, não se poderia falar diferente – o que já foi um avanço, como transparece no vídeo.

Claro que os estudiosos mais profundos de seus escritos entendiam isso que seu “amigo” disse, mas esta era uma compreensão exclusiva dos “iniciados”, digamos assim, tanto é que, historicamente, seguidores de Freud tentaram tratar o “desvio da libido” de homossexuais, o que felizmente nunca surtiu efeito: primeiro, porque a homossexualidade não constitui um distúrbio a ser corrigido; segundo, e mais trágico ainda, mesmo que fosse uma enfermidade psíquica, não poderia ser curada, pela escola de análise psicológica criada pelo gênio austríaco, pois que, como o próprio Freud declarou no final de sua sofrida existência, a psicanálise explica muito sobre a mente humana, mas não trata coisa alguma nem a ninguém. (Sinceramente, considero que Freud, um pensador revolucionário – a dizer por baixo –, foi muito severo consigo mesmo, modestamente não reconhecendo a verdadeira ruptura paradigmática que, com sua obra, provocou na mente coletiva e na cultura da humanidade inteira.)

Embora a escolha das fotos que ilustram a produção do inspirado editor Cesar Maciel não tenha sido de minha responsabilidade, conforme os créditos o revelam, aprovei a presença da figura de Oscar Wilde, por julgá-la brilhantemente sutil. Neste ponto, em particular, seu “amigo” mais ainda demonstrou falta de imparcialidade ou talvez desconhecimento da história do grande nome da literatura anglo-saxã (e universal), porquanto Wilde foi julgado e condenado sim, mas na Inglaterra (isso é público e notório), e teve que se autoexilar em Paris, pelo fato de, por lá, a homossexualidade já haver sido descriminalizada, desde início do século XIX, sob o império do Código Napoleônico que vigia na França de então. Seu “amigo”denota, por outro lado, assim, em adição, desconhecer também o assunto jurídico em comento: o traço vanguardista do Código de Leis encomendado pelo Grande Corso.

Em suma, o crítico improvisado foi preconceituoso, precipitado, superficial e preocupado em demonstrar uma cultura que, em verdade, não porta – e talvez nem perceba que não porte. Outras questões dele, não declaradas a você, estão embutidas em sua crítica, como a aversão à nossa visão religiofilosófica, a homofobia consciente ou inconsciente (ainda que ele seja expressa ou obviamente gay) ou ciúmes pelo impacto que as ideias da Escola de Pensamento de Eugênia geram em você… ou… quem sabe… para fazer cócegas no enigma… talvez o “amigo” esteja, de modo ainda mais complexo, com ciúmes de minha pessoa… será que me fiz entender???… (risos) – para apenas começar a enfileirar das muitas possíveis verdadeiras razões do seu mmuuuiii “amigo”.

Para encerrar, conforme diria uma hilária amiga: “Abra o olho, querido!” e faça a psicologia do psicólogo – uma sugestão das maiores sumidades da área (risos) –, porque psicólogos, como seres humanos naturalmente falíveis, têm suas neuroses, mas também o conhecimento para ocultá-las (ou ao menos tentar – só podendo fazê-lo com qualidade quando munidos de recursos de inteligência e conhecimento bastantes para tanto. Não se esqueça de que muita gente se deslumbra com o pouco saber que ostenta, e se imagina indevassável aos observadores externos… os quais, todavia, quando um tanto mais esclarecidos, gritam (por dentro ou para fora), entre o riso de ironia e o mal-disfarçado desdém, por quem quer parecer o que não é, simulando portar virtudes que lhe não são conquista moral… ainda… e talvez, para brincar com o título do vídeo e da mensagem, não lhes serão próprias… por muitos séculos!…

“O Rei está nu!…”

Irmão em Cristo,
Benjamin Teixeira.
Aracaju, 18 de junho de 2009.


Atenção:

Logo abaixo, há um arquivo disponibilizando um vídeo histórico de 1994, de nosso programa de televisão.

Nos próximos dias, traremos a lume artigos (psicografados ou inspirados), além de outros vídeos históricos da Instituição.

Não sabemos por quanto tempo isso se dará, mas é garantida, no mínimo, a publicação de um arquivo por dia, neste nosso sítio eletrônico da internet, seja ele de vídeo, apenas de áudio ou tão só de texto escrito.

Benjamin Teixeira.
Estância, Sergipe, 1º de julho de 2009.