Benjamin Teixeira
pelo espírito
Anacleto.

Minha filha:

Recebemos a sua carta. O seu coração, palpitante de angústia, está sob nossa supervisão há muito tempo. Paciência. Dê tempo a si. Seja compreensiva com suas limitações e as dos outros. Não queira precipitar o carro à frente dos bois, como reza o adágio popular. Seja prática. Seja objetiva. O que for útil para você, viva. Se algo não for funcional, desde que seja ético largar, largue. Busque a espiritualidade, mas busque, primacialmente, a você mesma. Quem não se encontra não encontra nada. E encontrar-se é viver plenamente o que a consciência pede. É primeiramente saber, de fato, o que a consciência pede.

O seu coração me diz… fome! Eu, porém, respondo-lhe: vida! Não queira saciar-se, queira viver! Não é possível viver em função de saciar-se, mas sim de realizar-se. Há uma substancial diferença de perspectiva nessa proposta. Aplique-a, e verá estupenda transformação em seu destino. Não creia que, com isto, estou-lhe insinuando que não será saciada, mas justamente o contrário: que encontrará naturalmente a saciedade quando estiver realizada. Quando o essencial é atendido, tudo mais ocorre por natural conseqüência.

Quer um programa? Mas o melhor programa de vida é saber que se podem fazer, livremente, programas de vida. Ninguém para lhe apontar rumos, ninguém para lhe exigir nada; somente Deus para aceitá-la, em qualquer escolha que fizer. Evidentemente que certas escolhas não são sensatas. Mas isto não significa dizer que esteja impedida de tomar a rota delas; apenas, estará atada às conseqüências que lhes concernem.

Você se diz egoísta? Ótimo! Já percebeu o óbvio. Agora, caminhe para realizar outra obviedade, que você denunciou em sua carta: ser feliz. Seja feliz. Como? Só há um meio: amando. Teoria? Não, a mais profunda e real de todas as comprovações práticas, atestada por todos os luminares da Humanidade, em todas as épocas e culturas. Quando começar? Que tal agora? Por quem e por onde? Que tal onde está e com quem se encontra ao seu lado? Que mais? Tudo. Creia em seus sonhos e ouse-os viver. Insensato? Que tal uma dose de loucura santa, para não ficar com a loucura técnica… e improfícua?

Ah!… filha minha… Pudesse eu estreitá-la nos braços e falar do amor das almas libertas que acompanham os corações cativos na matéria. Mas este amor, que lhe consolaria muito por um momento, viciá-la-ia por todos os demais. Liberte-se do que pode receber: dê. Não aguarde: tome a iniciativa. Isto é mais prático e mais inteligente. Cansada? Lamentar-se esgota mais a mente do que avançar para nova experiência. Triste? Transforme a tristeza em estímulo à busca de felicidades mais concordes com sua natureza particular. Transfunda desgraça em graça; e limitação, em salto para a transcendência. Não crê que possa? Tente. Não deu certo? Tente de novo. Que lhe resta senão esperar e tentar? É o doce fatalismo que Deus impôs a todas as criaturas: impeli-las a usar a própria liberdade na direção da felicidade, ainda que não creiam, ainda que desistam, ainda que blasfemem.

Grite, blasfeme ou desista, pouco importa o que faça, de nada adiantará, porque, minha filha, mais cedo ou mais tarde – mais tarde se atrapalhar, mais cedo se colaborar –, é destino inexorável para você: a felicidade, a felicidade, a felicidade!…

Paternal,
Certo de seu êxito, antevendo-o,
Anacleto.


(Texto recebido em 1º de março de 1998. Revisão de Delano Mothé.)