Benjamin Teixeira
pelo espírito
Eugênia.

No ano de 1864, duas mulheres concluíram o curso de Direito em Paris, e estabeleceu-se, na “Cidade Luz”, inobstante fosse a meca cultural do planeta na época, com espaço até para licenças morais invulgares naqueles dias, uma celeuma inacreditável, nos meios cultos, sobre se elas teriam ou não o direito de serem diplomadas.

Allan Kardec, o homem à frente de seu tempo, imediatamente tomou o partido da causa feminina, e foi a público, deblaterar contra o absurdo de se não se considerar o valor do espírito humano, acima das manifestações sexuais do corpo.

O ínclito codificador, apesar de sua enorme coragem, por aqueles dias, tinha que tomar, todavia, numerosas precauções, no que dizia respeito a manifestar claramente suas opiniões em público, sobre diversos assuntos, para não criar controvérsias exageradas, como, por exemplo, a de que o espírito que anima animais um dia virá a animar corpos humanos, tanto quanto os que hoje estagiam na condição hominal já teriam sido seres em faixas anteriores de evolução filética, assim como um dia todos galgariam a condição de anjos. Opinião hoje, em que o darwinismo conquistou todo o meio científico em mais de um século de expansão, completamente crível, mas por aquele tempo escandalosa.

Imaginemos o que diriam aqueles homens e mulheres pudicos da era vitoriana, se alguém lhes dissesse que pouco mais de um século depois, o divórcio seria tido como natural, a homossexualidade seria encarada com respeito nos ambientes mais cultos, que negros e brancos teriam os mesmos direitos sociais e jurídicos, e que até mulheres teriam o mesmo valor que homens, para eleições políticas, por exemplo? Que diriam aqueles homens e mulheres malsaídos dos augúrios sombrios do período medieval que mulheres decentes frequentariam praias com trajes sumários, quase completamente despidas, que casais se beijariam na boca ante milhões de pessoas em programas televisivos, e que até simulariam o ato sexual, nus, na frente de famílias constituídas na sala de estar, tranquilamente assistindo a tudo como uma bela obra de arte e entretenimento de cunho familiar?

Em mais um século, não fazem ideia os meus amigos leitores o que estará acontecendo na Terra, e faço alusão aqui apenas aos costumes e convenções sociais e não a avanços tecnológicos propriamente ditos, que todos sabem que avançarão incrivelmente. Há mais preconceitos nas mentes dos prezados leitores encarnados, do que seria possível dizer-lhes. Assim, tangenciamos, normalmente, de modo vago, certas polêmicas, porque não teriam condições, nossos leitores no plano físico, de saber que muitas vezes o crime está onde não veem, e que o que perseguem, amiúde, são comportamentos de vanguarda, que se estabelecerão, mais cedo ou mais tarde, no cenário das sociedades do plano material de vida.

Sem dúvida, há abusos, excessos de todas as ordens, que tenderão a desaparecer, que precisarão ser contidos, sob condição, inclusive, de a espécie humana e a civilização perecerem. Os delírios da geração paz e amor dos anos 60, indubitavelmente estavam errados. Mas o puritanismo que a gerou também. Eis que, então, surgiram novas experimentações sociais e comportamentais, mais brandas, menos extremadas, na plana do sexo. Ainda não se chegou a um bom ponto de equilíbrio, mas as vivências coletivas nesse sentido são respeitáveis, sobremaneira quando consideramos os séculos de tortura psicológica e moral que foram impingidos a massas de milhões no correr de todo o período medieval, com relação a esse assunto. O livre-arbítrio de indivíduos e coletividades é inviolável e cabe a pessoas e comunidades encontrarem seus próprios sistemas de valor moral e sexual, de modo a que sejam felizes e respeitem sua totalidade e sua condição de seres eternos e espirituais.

Geralmente, todo prurido moral excessivo com sexo é tolo, para não dizermos pernicioso, já que desvia a atenção da consciência para questões de comezinha importância, enquanto o essencial é negligenciado. Há coisas mais importantes a serem consideradas, como o fazer o bem, o superar-se o mal em si, a inveja, o ódio, a mágoa, o desejo de vingança, a perfídia e a hipocrisia nas relações sociais, a maledicência e o desejo de destruir o sucesso alheio, senão a tristeza com a prosperidade do próximo, a preguiça e a cólera, a apatia e a indiferença… Tudo isso cancros de dificílima erradicação que deveriam receber bem mais atenção dos que se dizem engajados num trabalho sincero de automelhoria, de espiritualização, de moralização de si.

A ideia nossa em permitir ao medianeiro a publicação do texto de sua autoria, sobre uma hipotética visita a um gueto do século XXII, foi exatamente causar estupor, a fim de atrair a atenção das pessoas para o que realmente importa: o espírito… e, de uma vez por todas, fazer estacarem-se preocupações medíocres e – repito – perigosas, atinentes à conduta sexual, que as desviam do fundamental: o tornar-se mais humano, mais solidário, mais indulgente, mais caridoso e amoroso em todos os sentidos. E afirmo, para tranquilizar os ânimos mais agitados: a previsão de nosso intermediário foi modesta e pudica ante o que está por vir, e é por isso mesmo que foi ele a fazer suas especulações e não nós a arriscarmos revelações. E se já houve comoção e incômodo com o que ele propôs, imagine-se o que ocorreria, se realmente antecipássemos o que está para ocorrer. Muito mais, garanto, que aqueles parisienses de saia balão e fraque e cartola, se descrevêssemos a praia de Ipanema ou qualquer outra, do próprio litoral francês, deste início de século XXI. O médium que recebesse mensagem do gênero na época seria taxado de obsediado, e perderíamos oportunidade de falar por seu intermédio. O mesmo aconteceria agora com o nosso.

Nunca nos fizemos tão sanguinários como quando nos tornamos uma civilização puritana, vitoriana, castradora. Não foi por acaso que as duas maiores guerras da história humana foram sucedidas pela geração rebelde dos anos 50, precursora da revolução sexual dos anos 60. Graças à liberação dos instintos bestiais reprimidos na espécie humana, não tivemos uma carnificina ainda pior no final do século XX, quiçá o Armagedom, em considerando a possibilidade de uma guerra nuclear de grandes proporções. A Espiritualidade Superior não está preocupada, vou deixar bem claro, de uma vez por todas, em conter a sexualidade das multidões, e sim em fazê-las mais equilibradas e humanas, o que, inexoravelmente, terá que passar pela catarse de liberação dos instintos reprimidos em séculos de tirania eclesiástica e religiosa, sobre as consciências ignorantes das moles humanas.

Mais uma vez, reforçamos: devemos concentrar nosso sentido de ético, decente e justo no princípio de honestidade, respeito ao outro, e, principalmente, de amor sincero, de preocupação genuína com o bem estar alheio, de mobilização desinteressada pela felicidade do próximo. Qualquer coisa que fuja a isso será, sumariamente, uma perda de tempo, um desvio de foco ou um sofisma pernicioso a tirar o espírito de seu destino de evolução para a eternidade.

(Texto recebido em 25 de maio de 2003.)

(*) Um amigo querido, presidente de centro nos Estados Unidos, representando as preocupações de alguns de seus orientados, escreveu-me um e-mail sobre a mensagem “Uma Noite no Século XXII”, que publiquei em 12 de maio próximo passado, neste site. Preparei-me para responder aos seus reclamos sinceros, sobre tal texto, no dia seguinte, quando então Eugênia apareceu-me e disse que ela mesma gostaria de “tomar a pena” e responder de “punho próprio” aos questionamentos moralistas do rapaz. Creio que tenha sido uma provocação maravilhosa, porque o texto-resposta de Eugênia entendo-o por lapidar, na matéria abordada, delicada e complexa: a conduta sexual humana, com referências curiosas, como a do caso das parisiences advogadas de 1864 e, por outro lado, com alertas graves e surpreendentes, como o perigo de extinção da espécie humana se a sexualidade humana não for de todo liberada, fazendo alusões históricas interessantíssimas, como a relação entre as duas grandes guerras mundiais e a revolução sexual nos anos 50 e 60 que as seguiu. É uma mensagem, no meu entender, digna de estudo.

(Nota do Médium)