Benjamin Teixeira
pelo espírito
Eugênia.

“Sabemos, de fato, que a Lei é espiritual, mas eu sou carnal, vendido ao pecado. Não entendo absolutamente, o que faço, pois não faço o que quero: faço o que me aborrece. E, se faço o que não quero, reconheço, ainda assim, que a Lei é boa. Portanto, não sou eu que o faço, mas o pecado que habita em mim. Eu sei que em mim, isto é, na minha carne, não habita o bem, porque o querer o bem está em mim, mas não sou capaz de efetuá-lo. Não faço o bem que quereria, mas o mal que não quero. Ora, se faço o que não quero, já não sou eu que faço, mas sim o pecado que habita em mim.
Encontro, pois, esta lei em mim: quando quero fazer o bem, o que se me depara é o mal. Deleito-me na lei de Deus, no íntimo do meu ser. Sinto, porém, em meus membros, outra lei, que luta contra a lei do meu espírito e me prende à lei do pecado, que está nos meus membros. Homem infeliz que sou! Quem me livrará deste corpo que me acarreta a morte?”

Paulo de Tarso (São Paulo)
(Romanos, 7:14-24)

A mente tem caminhos obscuros (leia-se: mecanismos complexos demais), para manifestar suas tendências, necessidades e impulsos inadiáveis de transformação. Há um mecanismo auto-regulador dentro do psiquismo, compensando desatinos ou incongruências profundas por meio de neuroses. Por outro lado, existe, em contraparte, tendência inversa: a força “desreguladora”, o fator que desarruma o que estava anteriormente organizado, para que se force o sistema a procurar a ordem num nível mais avançado de complexidade. Assim, por exemplo, a estabilidade e tranqüilidade de um período de felicidade pode ser quebrado por uma compulsão, um vício, uma inclinação mesmo à transgressão. O indivíduo, então, antes longe de tal postura “desajustada” é compelido a buscar o equilíbrio em um padrão bem mais intrincado de valores e idéias, já que o conjunto de reguladores até então usado não funciona mais.

Na hagiografia, seja do Ocidente, bem como do Oriente é comum este tipo de relato: pouco antes da guinada de “santificação” ou “conversão”, ou “iluminação”, a alma candidata ao salto quântico de evolução consciencial faz uma descida medonha “à mansão dos mortos”, a fim de que “ressuscite ao terceiro dia” (como diz sabiamente o “Credo” católico), ou seja: com a plena saturação desta fase de “descida”.

Paulo de Tarso perseguia, aprisionava e matava cristãos, no início da história do Cristianismo, sendo o maior e primeiro grande tirano do colégio cristão, para depois se converter no maior divulgador da história do Cristianismo, a ponto de muitos especialistas afirmarem que o que hoje existe não é um “cristianismo”, mas uma espécie de “paulismo”, unanimemente concordando que as idéias e os feitos de Jesus teriam desaparecido na poeira da História, não fosse seu trabalho extraordinário de disseminador do pensamento crístico.

Gautama Buda, o príncipe Sidharta, vivia em fausto espetacular e depois em ascetismo quase suicida. E foi graças a Ele que a humanidade conheceu o caminho da verdade, pela primeira vez de forma clara e metodológica.

Maria da Magdala entregava-se a toda ordem de desvarios dos sentidos, viciando-se na obsessão sexual, e foi ela quem mereceu a primeira visita do Mestre, após seu retorno da “tumba vazia”, tamanho o esforço que fez por purificar e sublimar todos os impulsos de sua alma transviada.

São Francisco e Santo Agostinho não tomaram caminho diferente, experimentando toda expressão de viciação dos sentidos, este último a afirmar que cometera todos os pecados possíveis a um ser humano. E se converteram em sustentáculos vivos do colossal edifício do cristianismo.

São Pedro, que merecera o prestígio máximo de continuador da obra de Jesus, dito pelo próprio Cristo, denegou sua fé e traiu a confiança do Mestre, fugindo no momento supremo de testemunho. Mas foi ele, mesmo assim, quem se fez a pedra basilar a alicerçar a estrutura gigante da igreja nascente até os dias de hoje.

E até o próprio Jesus, Mestre maior da verdade e do bem na Terra, passou quarenta dias de suprema premência de recursos materiais de subsistência, tendo, por fim, palestrado intimamente com Satanás, uma personificação poderosíssima das forças do mal, sendo, por fim, tentado por ele, antes de dar início ao seu ministério monumental de salvar a humanidade inteira.

Você pode não estar caindo tanto como estes gênios morais do passado, mas também provavelmente não porta a estrutura espiritual particularmente desenvolvida que eles tinham em seu psiquismo, para poder ser gerada, dentro deles, na presença de tais “equívocos”, a catapulta evolutiva necessária a tais guinadas de transformação.

Se você se sente, assim, pecando (errando) demais, pense em que, talvez a Divina Providência, através dos meandros intrincados de sua própria psique, tenha adivinhado calmaria e acomodação demais em sua vida, resolvendo-se por lhe dar um grande estímulo de progresso e metamorfose íntima. Permitindo que o lado pior de sua personalidade revele-se sem peias, instiga seu lado anjo, dormente, a que desperte para a ação, forçando-o a “tomar providências”.

Assim, não se desespere ao encontrar falhas, deslizes ou limitações que não se coadunam com seu código de princípios, valores e metas de vida. Não se entregue a eles, ame-os (para que possa curá-los), discipline-os (para que sua energia possa ser canalizada para fins construtivos), e, por fim, perdoe-se pela existência do seu lado “monstro”, porque, não fora ele, talvez jamais se dirigisse à Luz, em busca de socorro, nem ansiaria por com Ela conectar-se. Recorde-se de que, certa vez, perguntaram a Jesus quem havia pecado, para que um deficiente físico assim o fosse, se ele mesmo ou se os seus ancestrais. E o Cristo respondeu que nem ele nem seus antepassados, mas sim o “mal” existia, para que Ele pudesse manifestar Sua Graça, curando-o. Com isto, compreenda que, por mais haja o princípio da responsabilidade e a lei do carma, a seguir-nos os passos de perto, não estamos na Terra a resgatar débitos, e sim, a aprender lições, a receber êmulos para seguir à frente, na grande jornada evolutiva.

Sim, você pode não ser um santo, e, por isso, seus erros podem ter sido muito menores que os de alguns deles, em tempos idos. Mas também não é sua pretensão se tornar um, para já (você um dia se converterá num anjo, “quer queira quer não”), nem você deseja se tornar exemplo de virtude para ninguém. Portanto, tranqüilize-se, e confie em Deus. Nada acontece por acaso, até mesmo o mal que parte de sua natureza, ainda híbrida entre o animal e o espírito eterno que é, e que você não logrou, em certas circunstâncias infelizes, disciplinar. Coloque-se, destarte, nas Mãos de Deus, e siga. A Divina Providência pode querê-lo melhor, exortando-o a se melhorar, por meio da exposição do seu pior, antes inativo e perigoso, nos subterrâneos de sua inconsciência.

(Texto recebido em 25 de dezembro de 2004.)