Benjamin Teixeira
pelo espírito
Eugênia.

Quero que veja essa região umbralina, nota?

Sim.

O que você vê?

Parece-me que estou escondido numa espécie de mata.

Não, não se trata de mata. Trata-se de uma oclusão psíquica. Você está invisível para eles.

Vejo muita luz…

Quem lhe disse que tudo nos planos inferiores é escuro? E quem disse que tudo no mundo divino é luminoso? Não se referiram já as sagradas tradições espirituais da humanidade à “Escuridão Divina”? E não são certas orgias coletivas ou batalhas sangrentas realizadas a céu aberto, debaixo de sol a pino?

Vejo uma estrada.

Sim, uma estrada. A estrada por onde vão passar alguns indivíduos que quero que acompanhe.

Vejo-os. Que estranhos… Parecem estar usando armaduras medievais. Que fixação esquisita…

Sentem-se bem assim – o passado lhes aparece forte na memória, quando viveram o poder que almejam manter hoje, e, assim, cristalizam-se nessas lembranças sinistras. Hoje vão deliberar algo muito sério. Ouça-os.

– Precisamos trazer novos regimentos para Aracaju.

– Como assim? ‘Tá pouco?

– Os regimentos da rainha são escassos por aqui. Precisamos fazer valer nossa influência no condado d’ Orleans.

Que loucura, Eugênia, eles estão falando em realezas e em condados, usando mesmo nomes de brasões famosos do passado.

Siga, meu filho, continue ouvindo-os.

– Tenho por aqui uns 100 homens, mas amanhã precisaremos de pelo menos uns 500. A rainha me disse que não teremos mais nada além dos 100, após ter expedido mais de 2000 homens para a Bahia ontem.

– Será que vai dar certo desta vez?

– Da outra vez conseguimos quase o caos…

– E quanto aos 500 homens, acha que realmente consegue?

– Luís é meu amigo (referindo-se ao Conde D’Orleans); não tenho dúvidas de que me permitirá tê-los comigo, pelo tempo que for necessário. Deve-me alguns importantes favores… além de precisar de nossa aliança para manter seus territórios na crosta.

– Sua Alteza, precisamos saber, porém, se sua esposa real desejaria saber disso. Não seria melhor comunicarmos a ela o que está deliberando?

– Não, prefiro não. Medéia é pouco acessível a idéias que fujam um milímetro aos esquemas de seu pensamento. Vamos, apressemos o galope. A noite vai chegar e por aqui somos muito vulneráveis aos nossos inimigos.

(Os viajantes somem de meu campo visiual)

Eugênia, que curioso… Que exércitos são esses? O que vão fazer em Aracaju e na Bahia?Quem é esta rainha? Quem são os inimigos do grupo… tudo isso enfim?

Trata-se, meu caro, de uma horda instituída sob estrutra regrada, no plano extra-físico inferior. Na verdade, espécies de estados e mesmo nações constituídas existem nesses mundos vibratórios inferiores, como deu para perceber. Os exércitos lutam por suprimentos energéticos provenientes de encarnados vampirizados, em processos de descontrole sexual ou fúria assassina. Lutam por manter ou expandir seus territórios de vampirização.

Como é que é? Além de já sermos atacados por organizações criminosas, existem organizações estatais, nacionais, no plano inferior, e várias, e ainda lutam entre si para exercerem maior poder?

O que parece ruim, na verdade não é. Por serem divididos, são menos fortes. Costumam agir, normalmente, como pequenas cidades-estados, com no máximo 100.000 habitantes.

Nossa!, Eugênia, acho isso horripilante. E não julgo seja pouca coisa um conglomerado “pequeno” de 100.000 vampiros astrais, sem nem sequer considerar que está dizendo que são vários.

A Terra ainda é um mundo extremamente primitivo, meu filho. Veja-se a África, minguando de fome, com mais de 30.000 mortes diárias decorrentes de inanição. E, além dos diversos e complexos motivos sócio-técno-cultural-econômicos envolvidos, não seriam as potências econômicas de hoje verdadeiros estados vampirescos organizados para impedir o crescimento dos povos africanos?

Não pretendo aqui favorecer os delírios tolos dos conspiracionistas. Não existe nenhum complô perverso de uma cúpula secreta, estabelecendo diretrizes para destruir a África. Faço aqui referência ao egoísmo cruel e mesmo sanguinário das organizações e empresas capitalistas, que normalmente não têm a menor preocupação em verificar se há prejudicados, diretos ou indiretos, em suas decisões comerciais, portanto inteiramente voltadas para o lucro. Os rendimentos são mais importantes para esses oraganismos poderosíssimos que as vidas humanas sacrificadas e mesmo os ecossistemas arrasados em seu encalço.

Claro que o mundo democrático e a economia de mercado, fomentando a concorrência e o dinamismo nas iniciativas privadas, fizeram com que a humanidade avançasse milênios em poucos séculos, no que tange a desenvolvimento científico, tecnológico, econômico. Mas chegou o momento de revermos essas diretrizes, de equilibrarmos progresso material com o deficitário, negligenciado progresso social e humano, antes que o colapso da frágil harmonia nas relações internacionais se rompa, e vejamos guerras, arrasadoras como nunca, acontecerem, pondo em risco a sobrevivência da civilização no planeta, em vista dos arsenais nucleares e bacteriológicos hoje à disposição de inúmeras nações e cada vez maior número de grupos privados terroristas.

Você então quer dizer que fazemos aqui algo equivalente a esses exércitos de vampiros desencarnados?

O que é a luta pelo lucro a qualquer custo, de fatias maiores de um mercado específico, de angariar maior número de clientes e de acionistas, quase sempre sem a menor preocupação, sem a menor sombra de sincero interesse em necessidades e objetivos dos que estão sendo englobados nas iniciativas agressivas do mundo econômico? O que significam as fusões de mega-empresas, a destruição de bolsas de valores, a especulação financeira como meio de vida? E a corrupção política, em todas as dimensões, inclusive as mais legais, como beneficiarem-se sempre os países ricos nas trocas comerciais, deixando massas gigantescas de desempregados e esfomeados morrerem aos milhares, sem nenhum laivo de remorso? Quando um banqueiro ou um magnata comemora uma conquista, quantas mortes e a desgraça de quanta gente estão sendo seladas por detrás de seus sorrisos frios? Claro, amigo, trata-se, tudo que expendemos, de claros sinais de que, se os encarnados são vampirizados por irmãos desencarnados, eles mesmo já fazem isso entre si, de forma não menos perversa.

Mas, Eugênia, as coisas têm mudado, nos últimos decênios, não?

Muito pouco. A velocidade com que o mundo se internacionaliza, no famoso processo da globalização, acelera-se, fazendo com que bolsões de miséria cada vez mais amplos sejam criados e massas enormes de marginais (expulsos da vida econômica mundial) surjam, sem perspectivas de mudança de suas trágicas condições de vida. Associar-se isso aos conflitos étnicos, religiosos, culturais e a ferramente violenta do terrorismo ultra-modernizado com suas armas nucleares e biológicas dá uma noção pálida do risco que a humanidade terrena corre.

Quero dizer que essas mudanças têm que ser mais rápidas e efetivas. O ataque às Torres Gêmeas em Nova York dão uma modesta impressão do que está por vir. Sim, o direito constituído deve ser preservado, a propriedade dos ricos deve ser garantida. Mas e quanto à sobrevivência dos pobres, dos famintos? Alguns têm direito a tudo e outros nem sequer têm direito à vida? Algo muito errado há na organização mundial, não é óbvio?

Investir em segurança, como hoje o Governo americano empreende, como milhares de pequenos ricos no Brasil, – embora importante – é simplesmente tratar os efeitos de um problema, sem se remontar às causas que o provocam. Grandes iniciativas de reforma nas relações comerciais e políticas, sociais e culturais devem se dar, sobremaneira no sentido de criarem-se imediatamente meios de subsistência para os povos mais carentes. Não adianta cercar a casa com redes eletrificadas, se lá fora temos legiões de famintos armados. Além de inconsciente, essa atitude é estúpida, inútil e perigosa.

Mais algo a dizer sobre o assunto?

Não. O essencial foi dito.

(Texto recebido em 5 de dezembro de 2002.)