Benjamin Teixeira
pelo espírito
Temístocles.

Que se pensaria se um homem dissesse para uma jovem e bonita mulher, numa abordagem afetiva(?):

– Estou impressionado com seu corpo. Queria ter sexo garantido com você o resto da vida, o que você chamaria de casamento.

“Um grosseirão”, claro, se não o alcunharem com adjetivos menos lisonjeiros, como “maníaco”, “tarado” ou “troglodita”. Fico com o primeiro, mas complementaria: ingênuo e imaturo, porque não chegou a se dar conta de que esta ordem de franqueza não é aceita socialmente na Terra de hoje. Ele deveria, conforme manda a práxis em vigor atualmente, dizer algo “elegante”, ou, em outras palavras, uma “mentira fina”, como:

– Nossa, você parece tão educada e inteligente… sensível e honesta. Até bonita você é… (dito, quase num sussurro, como algo secundário e sem importância) Seria o maior prêmio do mundo casar-me com você…

E a interlocutora interpretaria internamente: “Ele quer me levar para a cama, mas está sendo cavalheiro e me sinto valorizada por isso.”

Claro que algumas moças menos amadurecidas ou inteligentes vão acreditar, de princípio, que ele está sendo transparente, e, com o tempo, pode até se tornar verdade tal pressuposição feminina, porque, se não houver valores intelectuais e morais que sustentem a relação, não se passa do namoro ao noivado, quanto mais a uma relação sólida e duradoura, como o consórcio matrimonial. Mas, sendo muito sincero, responda-me: quantos homens se aproximam de uma mulher, com interesse afetivo, que não estejam, prioritariamente, levando em conta seu corpo? E, em contrapartida, quantas mulheres não se atraem por um homem, na condição de candidato a um envolvimento mais íntimo, senão, predominantemente, considerando seu poder financeiro ou capacidade para lhes oferecer a segurança econômica que buscam, instintiva ou inconscientemente? Existem, sim, os que priorizam valores espirituais – estejamos certos disso –, mas estes constituem uma minoria. E não se pode julgar que a maioria menos desenvolvida seja desonesta por tal motivo. Apenas, no processo civilizatório, mentiras socialmente aceitas, para maquiar a selvageria dos impulsos primordiais, são não só estimuladas, como, muitas vezes, exigidas. Não é à toa que a Psicologia e a Psicanálise baseiam, tão fortemente, a função mental a partir do sexo, já que, com o correr do tempo, desenvolvemos neuroses para esconder essas verdades menos publicáveis, não só dos outros, mas de nós mesmos.

A rigor, se um homem heterossexual disser que se uniu a sua esposa, sem considerar o elemento sexo, estará mentindo (a começar, talvez, para si mesmo), porque, então, poderia estar casado com um homem, o mesmo valendo para a mulher.

Uma mulher, às vezes – considerando os padrões machistas que ainda regem nossa sociedade –, se casa com um homem, apenas em função de sua fortuna; e o seu marido, no mesmo diapasão de suas motivações secretas, enlaça-se a ela por causa de seu corpo jovem e bem torneado. Mais tarde, nem ele deve se surpreender ao ser eventualmente trocado por uma conta bancária maior; nem ela, por ser permutada por um corpo mais jovem e bonito. Só que, quando são rejeitados, não é isso que se ouve. Todos se sentem vítimas de injustiça e ingratidão, e desfalcados em seus direitos, porquanto seu interesse pessoal foi contrariado.

Agora, imagine-se a complicação quando assuntos ainda mais delicados como homofobia ou racismo estão envolvidos. Cobra-se, por exemplo, que um negro se declare negro publicamente e não estique os cabelos, para ser mais “assumido”, ou que um gay só se aproxime de uma pessoa por quem se interesse sexualmente, se declarar verbalmente, desde o princípio, sua intenção. Mas por que condenar a moça negra que pretenda dar um ar “menos negro” aos seus cabelos, se há a exigência estúpida (ainda que tácita) de que ela não pareça “tão” negra, para não ser discriminada no mercado profissional e na seara afetiva? E como exigir que um homossexual seja transparente o tempo inteiro, justamente ele, que é tratado qual uma aberração por segmentos poderosos da sociedade, como os da maior parte das religiões, se os heterossexuais são obrigados e acham correto mentir e mascarar suas motivações para atingir seus propósitos? O que diria Jesus sobre isso? “Hipocrisia, hipocrisia, hipocrisia!” Seria o equivalente a exigir que judeus declarassem abertamente sua crença religiosa, na Alemanha nazista de Adolf Hitler, sabendo, de antemão, que seriam encaminhados imediatamente a campos de concentração e extermínio. Que falácia cínica é esta de exigir que estratos minoritários adotem condutas suicidas, a troco de parecerem “honestos”, para uma maioria que não age honestamente, dentro de uma mesma linha de raciocínio e de avaliação do que seja digno ou não no comportamento humano? Só há um propósito, sub-reptício: expor a fraqueza dos fracos, ao ataque ensandecido dos malévolos ou apenas maliciosos. Não pode haver duas éticas ou duas morais, ou, como se fala no vernáculo popular: dois pesos e duas medidas. E, neste mundo de hipocrisias heterossexuais, fica entre patética e criminosa a doutrina de que os gays têm que ser mais francos que os heterossexuais nas relações públicas, sempre declarando por quem sentem atração física, quando mesmo pais e mães tiranizam seus filhos, por desejos incestuosos que temem revelar até para si próprios…

Um jovem de 30 anos de idade embebeda uma moça de 20, para fazer sexo com um corpo dopado, e seus amigos aplaudem, dizendo entre si: “Esperto!” E isto é pouco comum? Raros rapazes, nos dias que correm, não fizeram algo equivalente, em algum momento de sua carreira sexual, inclusive desfiando deslavadas promessas falsas de amor eterno, apenas para lograrem seus intentos hedonistas. Seriam todos degenerados, ou estamos lidando com uma esmagadora maioria de pessoas egoístas e pouco idealistas?

Um homem de 25 envolve-se sexualmente com uma jovem de 17, e todos dizem: “Natural, são ambos jovens”. E será que deveria ser condenado por isso, num país em que, aos 16 anos, o indivíduo tem poder para eleger seus governantes?

Mas se, nas mesmas circunstâncias acima, forem dois homens, em vez de um casal hétero, grita-se, dos telhados das casas: “Que horror! Monstro! Abusando de menores!…” Por vezes, nem mesmo um menor está envolvido, e fala-se, à boca miúda: “Abordou um rapaz”; que se converte rapidamente em “abordou um menino”, que logo encontra o linguinha leviano que resolve interpretar e passar adiante, ao seu modo, o conto, lançando a pecha sinistra: “pedófilo”, sobre alguém mais decente que a cadeia inteira de mexeriqueiros irresponsáveis… Mas uma implacável justiça os aguarda… estejam certos(!), porque a lei do carma a todos alcança, quer acreditem ou não que Deus é Justo.

Ah, como muita gente vai tomar surpresas, quando chegar do Outro Lado!… Ah, como o bem e o mal são ambíguos, principalmente para quem, acostumado a mentir para si, deixa de perceber que mente por respeito à sociedade e suas convenções arbitrárias e inconsistentes (filosófica e moralmente). Ah, como, amiúde, estão condenados os que se julgam puros… e como são mais puros aqueles que, por muitos e até por si mesmos, são vistos como vis. Conforme disse muito bem o Mestre, que tanto combateu a hipocrisia das classes religiosas dominantes de seu tempo: “Os que se exaltam serão humilhados, e os que se humilham serão exaltados”. E, mais forte ainda: “Os primeiros serão os últimos e os últimos serão os primeiros.”

(Texto recebido em 5 de novembro de 2007. Revisão de Delano Mothé.)