Benjamin Teixeira
pelo espírito
Eugênia.

Generalidades:

1) A atividade profissional representa ou deve representar o centro de nossa tarefa no mundo: dedica-se a maior parte do tempo útil do dia, dos melhores anos da vida ao trabalho.

A idéia generalizada de deixar-se para as férias o gozo da vida, ou para os momentos de lazer, restritíssimos no dia, ou para a aposentadoria (pior ainda), denota o quanto a mente média do planeta ainda não assimilou, em profundidade, o conceito de trabalho, como uma expressão direta para a vida. Reserva-se o pior do dia (esgotado pelo estresse do dia de serviço), o resto da semana (“fim” de semana) e os anos de esgotamento orgânico e desânimo (na maturidade cheia de desilusões, após a aposentadoria de um emprego detestável), para se exprimir verdadeiramente a própria alma, que, a esta altura, já foi “perdida”. Isso, a dizer por baixo, constitui uma tragédia. O indivíduo deve encontrar alternativas criativas para tal contingência insustentável, a fim de encontrar significado, prazer e paz, nas horas infinitas de vida jovem que dedica ao campo profissional.

2) Origem etimológica da palavra trabalho: instrumento de tortura medieval, o “tripallium”.

O inconsciente coletivo está impregnado, ainda, do sentimento de trabalho como dever sacrificial, uma sina inarredável, um castigo dos céus. Em a Gênese, primeiro livro da Bíblia, também compondo a Torá judaica e o Corão islâmico, Javé aparece condenando a mulher às dores de parto e o homem ao próprio sustento, com o suor do rosto. O passado medonho das civilizações primitivas, com opressão desumana do mais fraco pelo mais forte, escravidão, rapto de mulheres e crianças, entre outras hediondezes, além das próprias vicissitudes características a sociedades pouco desenvolvidas, tornaram inviável outra forma de compreensão do trabalho, porque, inclusive, a própria vida, cercada de inimigos e ameaças por todos os lados, era vista quase como uma maldição, e não como uma bênção. O avanço dos costumes, as benesses da tecnologia e outros recursos da modernidade propiciam-nos, porém, uma reformulação de tais conceitos, e hoje o trabalho não só pode como deve ser visto como uma oportunidade singular para a expressão direta do ser, seu propósito e sentido de serviço à humanidade.

3) A caridade um dia será dispensável, porque as pessoas realizarão suas tarefas profissionais com amor e espírito de serviço ao próximo.

Muitos confundem o conceito de amor com o de caridade. O amor é algo que brota espontâneo, do fundo do peito, como lídima manifestação da alma. Já a caridade, como disciplina espiritual, pode ser exercida mecanicamente, ainda que com as melhores intenções, como a de cumprir um “dever” de solidariedade com os irmãos em humanidade, ou mesmo um “dever” religioso, diretamente relacionado a Deus. Quando a consciência assimila, em si, a necessidade de cumprir amplamente seu destino na Terra, passa a viver em estado de graça, doando-se naturalmente a todos com quem cruza caminho, sem mais necessitar se obrigar a isso. Esse será o estado de espírito generalizado de uma civilização de fato avançada, no futuro da humanidade. Por ora, a caridade continua tendo seu grande valor ao compenetrar os indivíduos do espírito de interdependência e do dever de auxílio mútuo que deve permear as relações humanas.

4) Trabalho associado ao conceito de emprego foi substituído pelo conceito de empregabilidade.

À medida que o ser humano se desenvolve, mais está apto a apreender conceitos complexos, abstratos, com menos representatividade concreta. E as sociedades pós-industriais, mais intrincadas, começam a exigir, em larga medida, a assimilação de tal nível de cognição, para que se possa compreender melhor suas engrenagens. Assim, da externalidade de situações fixas: empregos, cargos, status perene, passa-se à interioridade e fluidez de conceitos como empregabilidade, valor pessoal, meritocracia. Atualmente, os indivíduos cada vez mais sabem que não adianta estar nas escolas para “passar de ano e obter o diploma”. Estão cônscios até mesmo de que não adianta estudar com vigor e profundidade (e não apenas para serem aprovados nos exames), mas que também precisam saber transformar em resultados práticos o que aprenderam, teoricamente. E mais: têm consciência, outrossim, de que não podem parar na mera diplomação, que não podem mais dispensar o estudo, em nenhuma época da vida, que se torna uma constante para quem não quiser ficar desatualizado, como contínuo também passa a ser o esforço de adaptação e de reavaliação de tudo que se é, se sente, se pensa e se entende, do “modus operandi” do próprio trabalho, alcançando a esfera do interpessoal, a forma de interagir com os outros, e sentir-se no mundo. Tudo deve estar, a todo momento, em processo de construção, desconstrução e reconstrução, em nível mais complexo de organização e significado. Bem-vindos ao mundo moderno, que mais e mais traduz os ideais evolutivos do espírito.

5) Profissionalismo e filosofia do atendimento ao cliente balizam, respectivamente, os conceitos, provenientes das arquimilenares tradições espirituais, de responsabilidade e altruísmo, na linguagem da modernidade. O princípio de “qualidade total”, idem, que foca o humano como centro da busca da excelência.

Todas as religio-filosofias, de sempre, pedem espírito de dever e sentimento de fraternidade a indivíduos e coletividades. Os tempos, porém, são chegados. E eis que, como se não foi por bem, “vai-se por mal”. Ou seja: aqueles que não ouviram espontaneamente o convite à espiritualidade terão que se espiritualizar à força, na base da necessidade de sobrevivência. Quem não era gentil para tornar a vida dos outros mais agradável, terá que ser, agora, para não perder o emprego, por exemplo. Deus, infinita sabedoria, “amarrou” as criaturas à necessidade de se melhorarem, para poderem sobreviver. Porque, hoje, não adianta fingir que é bom profissional: tem que se ser excelente no que se faz, para poder ter chances de ascender e até mesmo sobreviver no mercado de trabalho. Não adianta também fingir que se preocupa com clientes, pois que a inconsistência de sentimentos e a hipocrisia ficarão óbvios e serão contra-producentes. É imprescindível o real interesse pelas pessoas e na qualidade do serviço que se presta a elas, para se ser um grande profissional, ou, quiçá, em alguns casos, um profissional aceitável.

Fases de transição entre profissão de sobrevivência e de ideal (anos ou reencarnações podem ser consumidas no processo):

1) Profissão de sobrevivência.

Obviamente, o indivíduo deve ter uma ocupação remunerada, que não só lhe permita subsistir, sem ser peso para ninguém, como dignifique-o, ao participar ativamente da grande máquina do mercado, assim, alimentando as engrenagens do progresso e mesmo da manutenção da comunidade de que é partícipe. Portanto, independentemente de ter ou não descoberto a própria vocação; e, se sim, podendo ou não trabalhar no campo de ideal, deve o indivíduo compenetrar-se da necessidade de ser útil, ainda que a ocupação que descubra para si não lhe traga satisfação imediata.

2) Profissão de sobrevivência, com atividade vocacional, como diletantismo.

Descoberto que não se está trabalhando no campo do próprio ideal, deve o indivíduo começar a investir esforços, tempo e esperança, na atividade que o motiva. Ainda que um pouco do tempo de repouso ou de lazer seja sacrificado, deve o indivíduo empenhar-se por trabalhar, ainda que algumas horas na semana, na área que encanta seu espírito que anima seu coração. Não por outra razão a palavra ânimo vem do verbete latino: “anima” que significa alma. Quem não faz o que o próprio coração pede, perde-se do seu coração. Seja como hobby apenas, o trabalho de ideal é preciso ser feito, quando descoberto, ainda que de modo rústico e incompleto. Trata-se de uma atividade essencial para a consciência, para que ela própria não se perca de si.

3) Profissão de sobrevivência paralela a profissão vocacional.

Podendo tornar viável financeiramente a profissão de ideal, para que possa começar a ser útil, na seara de seu coração, de modo mais sistemático e efetivo, deve sim se começar a desenvolver atividade paralela profissional, no intuito de consolidar de tal modo a nova carreira, a ponto de poder abandonar a primeira, de sobrevivência, com segurança, sem risco de comprometer a sobrevivência própria e da família, um dia, ainda que esse dia demore encarnações inteiras para chegar.

4) Profissão vocacional.

Chegando ao ponto de poder, com segurança, desligar-se da profissão de mera subsistência, deve o indivíduo fazê-lo sem remorsos, já que errado seria não estar se devotando ao campo do próprio ideal, para manter-se preso a convenções ou esquemas sociais anteriormente encontrados. A busca de novos ajustes, da mudança imprescindível ao progresso, com grandes ganhos no processo, deve acontecer, para que as crises não o venham fazer, de forma destrutiva, arrasadora, sem quase nenhum bônus…

Alternativas outras:

1) Adaptação da carreira de sobrevivência, com toques inspirados na atividade de ideal.

Alguém que nasceu para ser psicólogo, mas que se vê preso à sala de aula, pode, indiscutivelmente, dar uma abordagem mais psicológica não só à forma como passa a mensagem pedagógica, como ainda ao interagir terapeuticamente com seus alunos, em atividades extra-curriculares. Um advogado que deseja ser poeta pode redigir seus processos, bem como apresentar-se no fórum, com uma linguagem lapidada, em que vaze seu prazer pelo vernáculo. A criatividade e a flexibilidade fazem a oportunidade do bem estar e da felicidade.

2) Dedicar-se ao humano, dentro da tarefa de subsistência.

Tendo-se ou não uma noção clara de qual a missão pessoal de vida, um ponto é certo e capital, porque universal: o serviço ao semelhante. Em qualquer natureza de trabalho, por mais simples, entediante ou mecânico, há ensejo para se ser útil, ajudar, socorrer, confortar um coração, ser presente e amigo. O amor se estende por toda parte e circunstância, quando quer.

3) Procurar algo de agradável na atividade profissional e concentrar-se nele, tolerando serenamente os aspectos desagradáveis. Focar o agradável.

Com inteligência, é sempre possível descobrir-se os pontos palatáveis à própria personalidade, na tarefa profissional a que se dedica alguém. Focar o pior, além de ser improdutivo, só gera mal-estar ainda mais recrudescido. Portanto, quem é maduro não vive a reclamar: ou muda a situação ou adapta-se a ela, para, dentro do possível e do possível para si, ser feliz.

(Texto redigido e recebido em 2 de setembro de 2004.)

(*) Este estudo sinóptico constitui o nono módulo de um curso de 18, que está sendo levado a efeito, todas as quintas-feiras, às 20 h, na sede do Projeto Salto Quântico. Na verdade, é a base para os debates e reflexões que lá fazemos, semanalmente. O tema geral do curso é: “Felicidade, na Era das Modernidades”. Nesta quinta última, em que seguimos este programa, abordamos o sub-tema “Vida Profissional”. A confecção destas apostilhas está sendo composta em parceria de mim com a orientadora espiritual Eugênia. Os tópicos escrevi-os eu mesmo. Os comentários, em itálico, ela redigiu, ofertando-nos sua lavra didática excepcional de sempre. Se você é residente em Aracaju, ainda pode participar do curso. Os módulos são independentes, de modo que, ao entrar agora – o trabalho está agora exatamente no meio – não sentirá nenhum efeito da falta aos módulos anteriores. E, para completar, ao fim do curso, todos receberão cópias das apostilhas correspondentes a cada um dos módulos que tenham faltado. Para se inscrever, informe-se pelo telefone: 232 2626 ou faça uso do ícone “fale conosco”, deste site.

Benjamin Teixeira.
Aracaju, 3 de setembro de 2004.