Benjamin Teixeira pelo espírito Eugênia.

Prezados amigos:

Tenho acompanhado seus vexames. Nada acontece por acaso. As fases de agrura constituem períodos de reflexão, de reavaliação de gastos, de consumo, de valores. Não é por outra razão que a Meca do pós-industrialismo e da era da informática, campo de prospecção para especulações futurológicas, o Estado da Califórnia, também o mais rico da mais poderosa nação do planeta, sofre racionamento de energia elétrica, tanto quanto vocês provavelmente também deverão padecer.

No momento em que o dinheiro, a fartura, as facilidades e as comodidades diminuem, chega o momento da meditação, da entrega, da transformação, do trabalho, da contenção de excessos, da busca de novos significados, para as pequenas e grandes coisas que passavam desapercebidas na fase de vacas gordas.

A humanidade sempre viveu sem energia elétrica, e passaria sem ela, muito embora com dificuldades para os processos evolutivos da civilização. Mas ninguém se lembra de se sentir feliz e grato por todos os benefícios que a eletricidade traz. O ser humano moderno é um monstro incontentável, a blasfemar continuamente contra tudo e contra todos, do clima às oscilações da economia; do humor do cônjuge, à personalidade dos colegas de trabalho. Tanta ingratidão (em verdade: tanta distorção das percepções) mereceria (ou melhor dizendo: pede) um aprendizado urgente: o corte das vantagens, para que fossem vistas como tal e não como conquistas naturais, pelo que não se deveria agradecer nem se sentir abençoado. Com o paraíso nas mãos, os seres humanos costumam sentir-se e de fato mergulhar-se em dantescos pandemônios. Por que reclamar do que se tem que reduzir, ao reverso de se gratificar pelo que se pode usar? É a velha história do copo estar meio cheio ou meio vazio – nós é que escolhemos a perspectiva da escassez ou da abundância. E, no caso do apagão brasileiro, nem isso está acontecendo. Deve-se racionar um quinto ou um quarto da energia normalmente utilizada. E quanto à bênção do resto? Não há nenhum motivo de alegria por se poder ainda usufruir, provisoriamente, 75%, 80% de todos os milagres que a energia elétrica pode favorecer? Por que o estresse, o mau-humor e a paranóia? O que há de tão trágico? Sim, existem implicações econômicas sérias, e outras, de ordem política, a serem cuidadosamente consideradas. Todavia, melhor isso a se estar em guerra, outro famoso período da História da eletricidade em que os famigerados blackouts foram utilizados largamente. Que tal ser obrigado a apagar as luzes para diminuir (apenas diminuir) a probabilidade de ter a casa bombardeada, na calada da madrugada, e ver-se a si e a à família soterrado entre os escombros do próprio lar, até o amanhecer do dia? Será que os cidadãos de hoje realmente conhecem mal estar e tensão? E isso aconteceu há apenas pouco mais de meio século atrás, e no miolo da fina-flor da civilização, a Europa Ocidental.

Não deduzamos que, por estarmos num estágio de penúria, tenhamos sido abandonados do Amparo Divino. Tão-somente, uma nova lição é oferecida, que imprima novo valor à vida e reconduza ao verdadeiro sentido da existência, que nunca esteve em circunstâncias materiais, mas nas idéias e vivências humanas que, inclusive, trouxeram à tona a tecnologia e o progresso sócio-material. Que não nos esqueçamos disso, a bem de nossa própria felicidade – é o que a Divina Providência quer de nós.

Os países nórdicos da Europa têm os maiores índices de suicídio do mundo, há décadas, justamente onde as questões materiais, outrossim, estão resolvidas há vários decênios. A coincidência entre fartura e decadência moral é quase óbvia, como aconteceu com outras civilizações do passado, que, do relaxamento da moral passou-se à total degradação e desagregação de todas as estruturas sociais, políticas, econômicas e culturais, como o que ocorreu a Roma, no final do Império Romano. Não postulamos a renúncia à prosperidade no plano das realizações no mundo físico, o que constituiria uma negligência criminosa, já que levam ao bem estar, ao progresso e à disseminação da cultura em toda parte. Mas queremos exortar à percepção de que não se pode inverter a ordem das prioridades, que os bens materiais existem para o bem estar do ser humano e não o inverso, e que, para se chegar a essa plena consciência, imprescindível se faz, amiúde, na condição humana, atravessar-se a experiência da privação.

Isso é, todavia, tão temporário como a noite, que se segue ao dia. Ela também será seguida de um novo dia. A não ser que, em vez de se acompanhar o ritmo de rotação da Terra, ande-se, em alta velocidade, no sentido contrário, mantendo-se em trevas perpétuas. É o que acontece com algumas pessoas que, ao reverso de interiorizar os ensinamentos que uma experiência propicia, optam por se desesperar e se revoltar, dificultando, deveras, a assimilação dos conteúdos evolutivos que lhe subjazem. Terão que, com isso, como alunos relapsos de um curso escolar, repetir o ano letivo, em nova prova de cerceamento dos benefícios, para que descubram, no imo de si mesmos, a fonte de todo benefício, atraindo, pelo trabalho e pelo merecimento moral, às graças da Divina Providência.

(Texto recebido em 1° de junho de 2001.)