Introdução do médium

Em conversa reservada com Eugênia, como o faço todos os dias, pediu-me a querida e sábia orientadora espiritual que entabulássemos um diálogo a respeito dos 12 anos de publicação do livro “A Princesa do Mediterrâneo”, lançado em 27 de maio de 1995. A interação acabou por se desdobrar em inúmeros assuntos e curiosidades acerca dos quatro mil e quinhentos anos mais recentes de sua trajetória como espírito eterno – é muito raro a mestra nos conceder uma oportunidade de falarmos sobre sua pessoa, com tantos detalhes e intimidades. Segue-se então o colóquio memorável, que ela mesma iniciou.


O diálogo

(Eugênia-Aspásia) – Contando doze anos da publicação do romance de pretensões biográficas, sobre aquela encarnação de minha insignificante personalidade, no transcurso do século XV, resolvi trazer aos(às) prezados(as) companheiros(as) encarnados(as) alguns informes que nos1 pareceram apropriados, apresentando-os aqui em forma dialogada, a fim de que mais palatáveis se façam a quem nos leia os apontamentos.

(Benjamin Teixeira de Aguiar) – Certo, Eugênia. Por onde pretende começar?

(EA) – Pelo título. Em vez de “A Princesa do Mediterrâneo”, teria sido melhor algo como: “Uma alma em processo de redenção”, de superação de suas múltiplas limitações, a caminho do que deveria se tornar, em função de seus ideais cristãos. Desde a época do Egito Antigo, quando, dois mil e quinhentos anos antes de nossa era, estive na posição de uma rainha-mãe, na famigerada cidade de Tebas, faltavam-me os últimos acabamentos e correções em minha conduta, para que pudesse vivenciar o verdadeiro espírito de responsabilidade ante o vulgo. Fui, no meu entender, naqueles tempos longínquos, há 4500 anos, por demais distanciada das necessidades populares, ciosa excessivamente dos próprios princípios.

(BTA) – Não foi o que nos disse, em recente mensagem2, o Espírito Gustavo Henrique, sobre essa sua antiga reencarnação. Da perspectiva dele, você era o grande fanal de orientação e equilíbrio para uma cúpula desassisada no comando da “coisa pública”…

(EA) – O nobre padre Gustavo é um amigo dileto, a quem sou muito grata pela alcandorada imagem que faz de minha pobre pessoa. Mais fã do que aluno, foi também o autor do título que me engalana a alma com valores que me não pertencem ainda, em termos absolutos, tendo em vista o diapasão de nobreza de sentimentos que me deveria nortear continuamente, como o Cristo nos pede.

(BTA) – O que você quis dizer com nobreza de sentimentos que “deveria” norteá-la? Poderia esclarecer nossos(as) leitores(as) sobre o que julga lhe faltar, para se sentir moralmente satisfeita? Desculpe-me assim perguntar, mas é que a vemos tão acima de todos(as) nós, que é difícil divisarmos quaisquer máculas que desabonem seus subidos atributos espirituais.

(EA) – A falta que ainda carrego em meu espírito e que até hoje trabalho por compensar é a mesma que, em proporções maiores, comprometeu-me outrora a tábula indestrutível da consciência, gravada com caracteres indeléveis. Sou mãe, fui mãe inúmeras vezes, quando reencarnada, e repeti a relação de maternidade com alguns(umas) filhos(as) em particular, de modo que me jungi mais especialmente, pelo coração, a essas criaturas, que têm, dessarte, minha preferência afetiva. Com esse tipo de predileção, portanto, sinto-me extremamente devedora e limitada perante a bondade irrestrita d’Aqueles(as) que já granjearam, plenamente, a incondicionalidade do amor universal.

Há duas grandes conquistas evolutivas a serem angariadas: o amor universal e, depois, a incondicionalidade desse amor. Graças à Misericórdia Infinita de Deus, logrei, no correr dos evos, arquivar e acrisolar o sentimento de amor por toda a humanidade, de uma maneira que se poderia dizer até maternal, pelo que me foi conferido o mister de conduzir multidões, no âmbito da orientação espiritual. Não obstante esse amor maternal por todos(as), tenho alguns(umas) que gozam de privilégios no primitivo território de minha alma revel, por haverem entretecido, por mais séculos, elos de filiação comigo.

(BTA) – A maternidade é enaltecida como a culminância do sentimento humano, Eugênia, mesmo que seja devotada apenas a uma ou duas criaturas. Você já sente esse ápice de sublimidade por todos(as), e ainda considera uma limitação vergonhosa a preferência por alguns(umas)?

(EA) – Compreendo a estupefação que essa minha confidência pode gerar, mas quando temos contato com espíritos verdadeiramente angelicais, que de todo expurgaram da seara dos sentimentos as nódoas das preferências, relatividades e inclinações pessoais, sofremos a angústia de nos reconhecer pouco dignos(as) de com eles conviver.

(BTA) – Maria de Nazaré…

(EA) – Muitos outros seres de escol, abaixo d’Ela, residentes nos próprios círculos espirituais de nosso globo, ostentam essa coroa rutilante da alma.

(BTA) – Imagino que raríssimos.

(EA) – São anjos.

(BTA) – E por que se cobra isso, Eugênia?

(EA) – Pela minha idade espiritual. Sou espírito velho o bastante para já poder manifestar, em meus arcabouços psíquicos, essa gloriosa peculiaridade a que todos(as) se destinam, segundo o tempo evolucional necessário a cada qual.

(BTA) – Deseja algo mais falar sobre o tópico?

(EA) – Não. Fiz minha confidência, uma confissão pública, ao molde das igrejas do Cristianismo Primordial, no intuito de ser julgada e perdoada por meus(minhas) irmãos(ãs) em ideal. Queria tornar declarada minha humanidade, porque há quem me veja como o anjo que não sou.

(BTA) – Mas sua sabedoria é ímpar, digna de um anjo-gênio.

(EA) – Sabedoria devida ao tempo que tenho de existência nas faixas humanas de consciência, sem nenhum mérito extraordinário para meu espírito.

(BTA) – Mas mesmo no tocante a luz, a sentimentos… você é mais do que um anjo para nós, querida Eugênia.

(EA) – Agradecida pela deferência, que entendo como um estímulo a que me aprimore sempre. Entretanto, gostaria de lembrar que, em meios religiosos e espiritualistas, existe uma tendência a se idolatrarem indivíduos célebres em exemplificação moral. A rigor, nem mesmo Jesus ou Maria poderiam ser venerados, mas apenas Deus. Todavia, tranquilizem-se completamente os(as) devotos(as) que, precisando de uma Imagem Divina antropomórfica, reverenciam o Vulto de Jesus ou o de Maria, consoante suas idiossincrasias psicológicas e pendores naturais à figura de pai ou de mãe, respectivamente.

(BTA) – Mas creio que aconteça o inverso também, com frequência. Sob o pretexto de afirmarmos que só Deus nos merece adoração, esquecemos o respeito e a consideração pelas conquistas evolutivas de seres mais velhos espiritualmente, com prejuízo para nós mesmos(as), não é verdade, Eugênia?

(EA) – Sim. Muitos(as) desperdiçam grandiosas oportunidades de crescimento, por conta da presunção que os(as) enceguece, impedindo-os(as) de admitirem o avanço de seus semelhantes. Mas o respeito de uma criatura por outra, mais amadurecida, deve estar baseado no sentido de reverência ao mestre, e não de idolatria ao avatar3.

(BTA) – Eugênia, quando recebi de Gustavo Henrique a narrativa de “A Princesa do Mediterrâneo”, entre 1994 e 1995, eu estava na casa dos 23-24 anos4. Àquela altura, eu já interagia com você, muito esporadicamente, desde 1988, mas somente a partir de 1991 começaria a exercitar tecnicamente, todas as semanas, minhas faculdades medianímicas. Logo, eu não era, nem de longe, o médium treinado que sou hoje. Imagino, em face dessas observações, que haja muitas falhas de filtragem na obra cujos 12 anos de publicação celebramos. Gostaria de saber se alguma das distorções involuntárias de conteúdo merece ser destacada, para que se faça a revisão adequada das informações ou dos conceitos lá expendidos.

(EA) – Sim, há falhas, como, de resto, em toda comunicação mediúnica, mas não no que se poderia supor mais qualificável como equívoco ou imprecisão. Por exemplo, certas linhas de ocorrência receberam uma condução bem romanceada, para que se imprimisse um estilo mais agradável ao público contemporâneo, o que não consistiu propriamente em falha de filtragem mediúnica. Contudo, sem dúvida, alguns dados e ideias apareceram, na versão final, de modo um tanto diferente do que o autor e a nossa assembleia de amigos(as) espirituais originalmente desejávamos transmitir ao plano de matéria densa.

A despeito dessa revelação, no entanto, as linhas gerais do texto preservaram o foco essencial, de sorte que nem sequer achamos necessário mencionar um desses pontos em que houve interferência indevida da mente intermediária. Compete a cada leitor(a) extrair para si, com o crivo de seu discernimento e bom senso, o que há de útil na mensagem. Aliás, é o que devemos fazer sempre, ao travarmos contato com qualquer fonte de informação, seja proveniente do domínio físico ou extrafísico de existência.

(BTA) – Visto que o tema deste diálogo concerne à narrativa sobre sua reencarnação do início do século XV, não sei se seria apropriado lhe perguntar… mas poderia nos confirmar se você foi mesmo santa Bernadette Soubirous5?

(EA) – Sim.

(BTA) – Às vezes, em termos de personalidade, vejo-a tão diferente dela, que resolvi formular a indagação… Perdoe-me a dúvida.

(EA) – Fui programada geneticamente, com o cérebro que utilizei nessa última romagem carnal, a trabalhar tão só o campo dos sentimentos, porquanto não seria conveniente ao ministério que me fora confiado a livre manifestação de meus antigos dotes de lucidez intelectual. Servir santamente à Mãe Crística da humanidade terrena, numa vida de total renúncia ao eu, foi-me de extrema valia para a depuração espiritual. Saí profundamente engrandecida daquela rápida encarnação de 36 anos, além de honrada pelo serviço de canalizar a Sublime Voz de Maria para o mundo.

(BTA) – Se não lhe for muito constrangedor, poderia nos dizer por que você foi escolhida para esse ministério grandioso?

(EA) – Quanto à expressão “ministério grandioso”, não vejo diferença substancial entre falar em Nome da Mãe Excelsa e canalizar o Amor Divinal no desenrolar do cotidiano, em gestos sagrados como parir e educar filhos(as), conduzindo-os(as) ao Regaço do(a) Criador(a). É uma questão somente de grau e não de espécie. Amiúde, mães anônimas têm mais créditos diante de Deus, pelos esforços morais ingentes que envidam em seu sacerdócio, levando-se em conta o padrão evolutivo em que estagiam e as circunstâncias existenciais que enfrentam, do que almas tidas como santas, que apenas reencarnam para exercer um mandato de trabalho.

(BTA) – Desculpe-me a insistência, e não me responda se for impertinência de minha parte… Mas por que você foi escolhida para esse “mandato de trabalho”, como disse?

(EA) – Carma com a multidão e amor maternal pelas criaturas.

(BTA) – Amor maternal por todos(as)…

(EA) – Com enormes limitações, conforme salientei. Mas, sim, era necessário um amor materno universal, para que pudesse canalizar o Imaculado Coração de Nossa Mãe Maior, que ama a todos(as) como se cada um(a) fosse seu(sua) único(a) filho(a)!…

(BTA) – Impressionante!…

(EA) – Evolução, meu filho… evolução! Todos(as) um dia chegaremos lá… embora, como reza a ladainha da liturgia católica, após muitos “séculos de séculos”…

(BTA) – Poderia nos dizer quais foram os equívocos em que se sentiu incorrer como rainha-mãe, no Egito Antigo?

(EA) – Sim, fui por demais ciosa de meus valores e princípios, bem como de minha casta. Eram tempos realmente difíceis. A multidão ignorante e primitiva com que tínhamos de conviver constituía desafio forte demais ao coração, de maneira que me retraí, qual a esmagadora maioria de meus(minhas) pares, ao circuito de nossa superioridade psicológica e cultural, digamos assim. Éramos capelinos(as)6 muito civilizados(as), em meio a espíritos recém-egressos de experiências pré-hominídeas – uma situação quase comparável à de cidadãos(ãs) do mundo moderno que fossem coagidos(as) a coabitar com primatas selváticos. Mal falavam, não concebiam quaisquer laivos de abstração, nem possuíam a menor sensibilidade.

Sei que não posso me cobrar ter agido de outra forma, naquela ocasião, mesmo porque, como “rainha-mãe” (sem deter poder nas próprias mãos), de fato ajudei meu filho governante a cometer menos erros, nos desmandos do domínio autocrático. Intuo, porém, que poderia ter sido mais compassiva do que fui…

(BTA) – E você o foi como a “princesa do Mediterrâneo”?

(EA) – Sim.

(BTA) – Ficou satisfeita com seu nível de sacrifício pessoal por lá?

(EA) – Sim, mas ainda mais satisfeita fiquei com meu trabalho como Bernadette Soubirous.

(BTA) – Sem dúvida… transcendente!…

(EA) – Apenas o devido, meu filho. Quem segue a própria consciência nada mais faz que cumprir um dever.

(BTA) – Indubitavelmente, você não poderia ter reencarnado agora, Eugênia. Esta humanidade não a compreenderia. De minha parte, não suportaria vê-la, mais uma vez, pisoteada pela mesma multidão ignara…

(EA) – Não posso mais receber da Divina Providência a concessão especial de descer à crosta terrestre para servir aos(às) meus(minhas) estimados(as) filhinhos(as), justamente por eles(as) não serem tão mais “ignaros(as)”.

(BTA) – Pois acho que ainda sejam… Você é muito generosa com todos(as) nós. Exatamente por você estar tão acima do que podemos compreender, é bom que tenham a mim, e não a você.

(EA) – Da minha perspectiva, acredito que estejam em boas mãos…

(BTA) – Falou a mãe tendenciosa (risos). Agora vejo, e ficou claro para todos(as), que realmente isso é um problema em você (rs).

(EA) – (risos) Salve! Que bom que concordamos em algum tópico! (rs)

(BTA) – Eugênia, você acabou de declarar, publicamente, ter sido uma capelina. Nunca tive oportunidade de tirar uma dúvida com você, desde que me fez essa revelação, há quase quinze anos. Apesar de o expurgo do planeta que compõe o sistema de Capela6 ter acontecido alguns milhares de anos atrás, temos ciência de que os espíritos provenientes de lá eram, basicamente, criminosos que não estavam mais em condições de acompanhar o estágio de evolução daquele orbe.

Sabemos igualmente que, decorridas várias dezenas de séculos, desde o tal banimento em massa, os(as) maiores facínoras desse grupo já se sublimaram quase todos(as), alcançando louváveis pináculos de luz espiritual, muitos(as) inclusive tendo voltado ao seu mundo de origem, enquanto outros(as) permanecem aqui em missão luminífera, encaminhando a Deus a comunidade da Terra. Você, decerto, é uma dessas lideranças espirituais de nossa humanidade…

Enfim, se não for indiscrição excessiva, gostaria de perguntar se você veio para cá como um espírito envolvido nas malhas do crime… Estranhíssimo e quase engraçado imaginar isso de você, tão santa… que incrível!… Mas, se a resposta for afirmativa, qual teria sido a natureza de seu erro? E, se negativa, por que você se transferiu para o nosso globo?

(EA) – Nada vejo de impróprio na hipótese de eu ter sido criminosa. Todos(as) proviemos da mesma sopa proteica primordial que faz a tênue fronteira entre o orgânico e o inorgânico. Conquanto haja espíritos que não passaram, em seu carreiro evolucional, pelos corredores escuros da demência moral, podemos dizer, adotando um prisma filosófico amplo, que todos(as) eventualmente incorremos em crimes como o de roubar o tempo alheio, o de sequestrar a paz dos(as) outros(as) ou o de assassinar aos poucos, com contrariedades dispensáveis, a saúde de entes queridos. Afora os delitos comuns e ignorados pela cultura hodierna, devo confessar que tive a felicidade de jamais me haver envolvido em atos considerados criminosos pelas leis humanas, qual o furto, o homicídio ou o suicídio – nem mesmo o adultério.

Entrementes, não interpreto essa particularidade sobre minha jornada evolutiva como uma virtude propriamente, mas sim como uma feliz escolha por me manter fiel aos reclamos de minha consciência, sem sucumbir à voz do desejo pessoal, desde os tempos de meu primitivismo egoico. Revelo-o de público, ferindo meus escrúpulos morais, a pedido de nossos(as) Mestres(as) de Mais Alto, para deixar claro, nesta época de relativismo excessivo, que é perfeitamente possível viver a decência e a dignidade, em quaisquer circunstâncias, por mais difíceis, e que só se tem a ganhar com isso, espiritualmente, a começar pela própria consciência em paz. É preciso rebater, veementemente, o desatino de uma minoria degenerada que crê – e quer fazer crer – que todos(as) sejam bandidos(as) e que não passam de hipócritas quantos(as) demonstrem ser honestos(as).

No que se refere à sua interrogação final, minha vinda de Capela foi motivada pelo mesmo problema que ainda me prende à esfera hominal de existência: apego excessivo a meus rebentos do coração. Dois de meus filhos foram deportados de lá, naquele período. Pedi, então, autorização para acompanhá-los. Um se encontra em excelentes condições espirituais, a meu ver. Outro, no entanto, padece de graves enfermidades morais, até hoje, a ponto de quase haver sido incurso na pena de um segundo expurgo, para outro mundo primitivo. Como se sabe, um exílio planetário já está em curso, gradativamente, nos dias que correm.

(BTA) – Wow! Coitado! Depois de tantos milênios, de novo ser expulso de um planeta…

(EA) – Mas essa possibilidade já está descartada, graças a Deus.

(BTA) – É que não julgava possível a dupla deportação planetária(!) – e creio que isso seja novidade para muitos(as) também. Houve um lapso de milênios, no interlúdio de um degredo e o prenúncio de outro, que poderia ter sido sobejamente aproveitado para a melhoria íntima…

(EA) – Compreendo seu pasmo. Entretanto, meu filho, subjaz sempre, para todas as criaturas, o livre-arbítrio que o Ser Supremo nos outorgou, em caráter de inviolabilidade, para que engendremos o universo de sentimentos, conceitos e eventos que nos aprazam.

(BTA) – Quanto sofrimento isso lhe deve ter acarretado, século sobre século, querida Eugênia!…

(EA) – Sim. Foi uma dádiva singular que a Divindade me ofertou. Esse filho revel, ainda hoje, muito me ajuda a acendrar meus sentimentos, em direção ao amor sem limites.

(BTA) – Lindo!…

(EA) – Correto.

(BTA) – Ele está reencarnado?

(EA) – Não.

(BTA) – Soube que ele estava para reencarnar, não é?

(EA) – Sim, mas isso ainda não ocorreu.

(BTA) – É o filho que você mais ama, Eugênia?

(EA) – É o que mais necessita de mim.

(BTA) – O que mais lhe recebe atenção e amor, portanto.

(EA) – Não, porque ainda não está sintonizado com essa necessidade. Não podemos, a título de amor, por mais puro e desinteressado que seja, invadir o espaço da liberdade alheia – o livre-arbítrio, reiteremos, é uma prerrogativa humana inderrogável. Muito comum que mães e pais percam esse critério de respeito à individualidade de seus(suas) filhos(as), violando-lhes inclusive o direito de errarem por conta própria e assim conquistarem, por mérito pessoal, sua grandeza espiritual.

Quando deixei Capela, era vinculada aos dois, de um modo que não saberia distinguir qual me causava mais arroubos de afeto. Um deles, todavia, de tal forma se apartou do meu cosmo emocional e moral, que só posso, à distância, orar por ele e, volta e meia, interceder em seu benefício, favorecendo experiências que lhe catalisem a evolução. Meu coração atualmente – e isso já vem se dando há muitos séculos – é mais ligado ao outro, que, por sinal, tem cooperado proliferamente nas tarefas que desdobro pelo bem da multidão. Somos hoje mais colegas de trabalho que mãe e filho…

(BTA) – Impossível.

(EA) – É a minha visão pessoal.

(BTA) – Sim… Por favor, Eugênia, satisfaça-me uma curiosidade, que acredito ser geral: tendo em seu histórico evolutivo tão luminosas e impressionantes reencarnações, como a gloriosa rainha do Egito Antigo, a pura e doce benemérita descrita em “A Princesa do Mediterrâneo”, a mística e transcendente Bernadette Soubirous, por que você prefere se manifestar, na dimensão espiritual, com a aparência e a indumentária de Aspásia de Mileto, a controversa hetera que criava rebuliço e escândalo, malvista por muitos(as) em seu tempo?

(EA) – Meu filho, porque nenhuma encarnação foi tão importante para meu espírito, no que tange à plena ativação de minhas potencialidades, quanto aquela em que me consorciei com Péricles. Na condição de uma das entidades responsáveis pelo encaminhamento do povo ateniense aos páramos de luz, com o propósito de estabelecer as matrizes e paradigmas basilares de ordem filosófica e, em certa medida, até moral para a humanidade inteira, tive que nascer no seio de outra sociedade (Mileto) e ser tratada, por meus(minhas) próprios(as) tutelados(as) em Atenas, como uma forasteira malvinda.

Preconceitos seculares haviam de ser quebrados. Para estudar e principalmente ensinar, precisei criar polêmica em torno de meu nome, apresentando-me quase como uma cortesã de luxo, sem, contudo, descoroçoar no intento – por fim, concretizado – de fundar uma escola de pensamento na ilustre e inesquecível pólis grega. Em razão disso, sob inspiração de Autoridades Celestes, influenciei toda uma geração de pensadores(as) e estadistas, dando o andamento que planejávamos1 para o progresso daquela nação admirável.

Envergar a toga da mestra grega – que sinto, por assim dizer, como uma “segunda pele” – parece-me sumamente apropriado à função de esclarecer consciências para Deus, que nos cabe, como grupo espiritual, até a presente data, quando ainda geramos as mesmas controvérsias…

(BTA) – Mais algo deseja revelar, querida Eugênia, sobre suas pretéritas existências?

(EA) – Não, satisfeita. Podemos encerrar nosso diálogo.

Benjamin Teixeira de Aguiar (médium)
em diálogo com Eugênia-Aspásia (Espírito)
25 de maio de 2007

1. A mudança da pessoa do discurso para o plural indica que semelhantes diretrizes são deliberadas não apenas por Eugênia, mas pelo Conselho Espiritual de anciães(ãs) sábios(as) que ela integra e representa para a humanidade terrena.
(Nota do médium)

2. “Quatro mil e quinhentos anos depois”, Benjamin Teixeira de Aguiar (médium), por Gustavo Henrique (Espírito), 2007.
(Nota da equipe editorial)

3. No hinduísmo, figura divina encarnada em forma humana. O próprio catolicismo propõe esse conceito como dogma, embora exclusivamente vinculado à Pessoa de Jesus.
(Nota do médium)

4. Foram, ao todo, quatro semanas de trabalho psicográfico: a primeira, em abril de 1994; as três finais, um ano depois, em abril de 1995.
(Nota da equipe editorial)

5. A vidente das aparições de Nossa Senhora de Lourdes, ocorridas em 1858.
(Nota da equipe editorial)

6. O livro “A Caminho da Luz”, de autoria do guia espiritual Emmanuel, pela psicografia de Chico Xavier, alude a uma legião de espíritos que, há milhares de anos, foi degredada do sistema planetário de Capela (estrela da constelação do Cocheiro) para a Terra. À época, o tal orbe, que possui expressivas afinidades físicas com o nosso, atravessava o clímax de uma transição de era civilizacional, similar à que ora vivenciamos. Indivíduos que não estavam mais em consonância com o patamar médio de evolução daquela humanidade precisaram ser exilados para um mundo primitivo (o nosso, na pré-história), a fim de que não só deixassem de perturbar a ordem e o progresso reinantes, mas também se depurassem de seus vícios morais e, então, por meio da lancinante dor de se verem privados de todas as benesses de uma civilização avançada e obrigados(as) a coexistir com criaturas mal-adentradas na condição humana, pudessem retornar, caso o desejassem, à sua morada de origem.
Esse expediente drástico do desterro constituiu para aquelas inteligências renitentes uma espécie de internação em UTI evolutiva, incitando-as a se compensarem pelo tempo perdido no lar planetário d’onde provieram. Muito mais adiantadas que os seres nativos da Terra, deixaram elas marcas impressionantes de sua grandeza em nossa história, como foi o caso das que compuseram a elite do Egito Antigo. Algumas criaram laços de afeto e compromisso com a humanidade de cá, terminando por se transferir definitivamente para nossa família terrícola. Eugênia pertenceria a essa minoria de almas redimidas que renunciaram ao paraíso para nos fomentar o desenvolvimento intelecto-moral, acelerando-nos a conquista plena de nossa felicidade e paz coletivas.
(Nota do médium)