Benjamin Teixeira pelo espírito Anacleto.

 

Por que existe tanta contradição entre as tradições espirituais humanas, ou entre os conceitos sobre o divino e o metafísico, assim como em todas as outras áreas em que o homem se detém a observar e estudar?

A contradição é aparente. Existem níveis de entendimento ao infinito, que se refletem nos conceitos que se confeccionam sobre Deus e Espiritualidade. Por isso, a filtragem da verdade absoluta passa pelo crivo das percepções relativas, distorcendo o intemporal. Grau de conhecimento, de maturidade, de inteligência, até mesmo estados de espírito do indivíduo, assim como seu histórico de vida, sua cultura e seus valores interferem na percepção, análise e intuição do Divino.

Mas e quando nos pegamos, em nós mesmos, em momentos de contradição?

A ambigüidade faz parte da natureza humana. O ser humano é um ser em transição. Dessarte, contém elementos de uma fase evolutiva e de outra, subseqüente, ao mesmo tempo: pode agir sob influência mais de um ou de outro vetor de manifestação do desenvolvimento psíquico, em momentos diferentes. Além do que, não esperemos que a mente humana absorva de modo completo e coerente a complexidade inextricável do universo. Assim, em alguns instantes, certas verdades profundas soarão contraditórias: estarão sendo, em verdade, paradoxais, ou seja – fora dos parâmetros cognitivos-conceituais de certa dimensão de idéias, portanto parecendo absurdas e irracionais.

O desânimo é tremendo quando nos vemos nesses instantes terríveis de destruição de paradigmas.

Acostume-se à mudança. Não confie na estabilidade de nada, a não ser do processo de evolução contínua de tudo. Assim, sofrerá menos. Se concentrar a mente nos aspectos prazerosos de estar crescendo, não se contristará tanto.

Mas e quando até as vozes espirituais, quando até a consciência parece confusa, quando ficamos sem nenhum piso de certo/errado?

Primeiro, isso acontece para que o ser humano tenha auto-suficiência em matéria de espiritualidade, para que seja independente e desenvolva noções de responsabilidade mais claras. Não deve se escorar em nenhuma força ou voz pseudo-infalível: nenhuma é, porque, inclusive, ainda que fosse o próprio Deus falando – sua mente é quem estaria ouvindo, portanto, processando o que perceberia conforme seus padrões de idéias e valores, deturpando tudo em alguma medida. Eis a importância da auto-análise constante, do processo de crescimento pessoal contínuo, tanto no campo do saber, quanto no do sentir, a fim de que se possa distorcer menos o que vem de fora e de Cima. Eis, portanto, a necessidade de estar continuamente lúcido, crítico em relação a tudo e principalmente em relação a si mesmo, para não se deixar enganar, inclusive, pelas coisas mais aparentemente sagradas. A História está cheia de exemplos de como isso, lamentável e tragicamente, pode acontecer, com grande facilidade. Entretanto, para que haja maior segurança, há um princípio que nunca falha: o da avaliação da essência pelas conseqüências, ou, em outras palavras, nos dizeres do Mestre: Pelos seus frutos os conhecereis. Se os frutos são bons, a árvore não pode ser má; se os frutos são maus, a árvore não pode ser boa.

Mas podemos nos enganar nesse processo?

Claro que sim.

E o que podemos fazer?

Seguir o que parece mais certo no momento, porque ainda que mais tarde se descubra uma inverdade no que se percebia como certo, a análise mais profunda do que se passou demonstrará que se precisava passar pela experiência, adquirindo-se uma sabedoria por meio dela que dificilmente poder-se-ia assimilar de outro modo. Ou seja, em qualquer momento, procurar seguir o que parece mais de acordo com o bom senso, a verdade, a lógica, a moral, o transcendente. Em suma: seguir a consciência.

Mas e quando não conseguimos seguir o que sentimos como ideal? Parece ser este justamente o problema do ser humano. Sabemos o que é melhor, as mais das vezes, mas faltam-nos forças ou vontade para fazê-lo.

Se não se pode viver o ideal, que se viva o real. Não se chega ao transcendente sem ter-se vivido em plenitude o imanente. Não pode haver santidade sem sanidade, não pode haver moralidade maior, criando-se desajustes psicológicos. O desequilíbrio emocional inviabiliza o processo de espiritualização do indivíduo. Comece-se com pouco, e faça-se isso sempre, aumentando, se possível, mas sempre respeitando a estrutura evolutiva em que se encontra. Deus não quer que se faça muito, Deus quer que se faça bem. Deus não quer sacrifício, já disse Jesus, parafraseando o profeta Oséias, mas misericórdia. A idéia de fazer muito, fazer grande, fazer intensamente, são conceitos, inclusive, que dizem respeito às percepções humanas, presas à perspectiva do relativo. Para Deus, o Absoluto, não existe o maior ou o menor: tudo é igualmente válido. Alguém faz o seu máximo ajudando a apenas três pessoas, de todo coração, e pode estar fazendo mais, para a ótica divina, que alguém que atende mal uma multidão de três mil. Assim, viver plenamente o próprio nível evolutivo é o que Ele pede, em dado momento, de um indivíduo, e não viver o seguinte estágio de complexificação de sua consciência, o que ser-lhe-á impossível. Sendo plenamente ele mesmo, naturalmente será lançado à fase de amadurecimento subseqüente, quando esgotar as lições subjacentes ao plano de desenvolvimento em que se encontra. É por isso que Jesus se intitulava Filho do Homem e não Filho de Deus: queria chamar a atenção para a necessidade de sermos plenamente humanos, antes de ousarmos tentar ser divinos.

(Diálogo travado entre o médium e Anacleto em 17 de fevereiro de 2001.)