(Um alerta-dádiva para não desperdiçarmos preciosas oportunidades em nossas presentes reencarnações.)

“Porque àquele servo, que soube a vontade de seu Senhor, e não se apercebeu, e não obrou conforme à sua vontade, dar-se-lhe-ão muitos açoites. Mas aquele que não a soube, e fez coisa digna de castigo, levará poucos açoites. Porque, a todo aquele a quem muito foi dado, muito será pedido, e ao que muito confiaram, mais conta lhe tomarão.
(Em Lucas, XII: 47-48, e no item 10, capítulo XVIII, de “O Evangelho segundo o Espiritismo”)

“Muitos continuam indiferentes, irônicos, recalcitrantes, mas a responsabilidade do conhecimento já lhes pesa nos ombros e, se pudessem sentir a verdade com mais clareza, albergariam a carinhosa admoestação do Mestre no íntimo da alma: ‘Hoje se cumpre esta Escritura em vossos ouvidos’.
A misericórdia foi dispensada. Deu Jesus alguma coisa de sua bondade infinita. Cumpriu-se a divina palavra. Se os interessados não se beneficiarem com ela, pior para eles.”
(Chico Xavier/Emmanuel – “Caminho, Verdade e Vida”, capítulo 141: “Pior para Eles”)

“Da alma dos caluniadores, partem os venenos que atormentam espíritos generosos, mas que voltam a eles mesmos, escurecendo-lhes os horizontes mentais.
Do coração dos maus, dos perversos e dos inconscientes, surgem, através do poder verbalista, os primórdios das quedas, dos crimes e das injustiças; todavia, tais elementos perturbadores não se articulam debalde para os próprios autores, porque dia chegará em que colherão os frutos amargos da atividade infeliz a que deram impulso.”
(Chico Xavier/Emmanuel – “Vinha de Luz”, capítulo 97: “O Verbo é Criador”)

Benjamin Teixeira
pelo espírito
Gustavo Henrique.

(BT) – Existem algumas estranhas complexidades do comportamento humano que creio caibam ser estudadas. Na história de pessoas excepcionais, elas tendem a se tornar caricaturais, naturalmente, o que, de certo modo, facilita-nos o entendimento de seus meandros. É o caso, por exemplo, de quando Chico Xavier foi publicamente acusado, por um sobrinho obsediado, de não ser médium, na Revista “O Cruzeiro”, em 1958 – o maior semanário brasileiro, por aqueles dias –, época em que já era personalidade internacionalmente reconhecida, com dezenas de livros publicados. Chico era uma alma santa ou quase isso; e, no que tange ao quesito mediunidade, nem se tem o que dizer sobre sua excepcionalidade.

(GH) – A distância no tempo nos propicia falar mais abertamente sobre o que se passou, o que trará frutos (ou pelo menos o convite-oportunidade) de aprendizado e auto-reforma para muitos de nossos leitores amigos.

A primeira questão a se considerar é que, quando se está muito perto de alguém, aspectos simples de sua humanidade são logo dramatizados. Para completar, se, em virtude da função do cargo ou de expectativas pessoais, esperar-se, em algum nível, santidade ou virtudes especiais desta pessoa, é comum cair-se no extremo oposto, acusando-se-a de hipócrita, sem se reconhecer todo o esforço que ela despende (e despendeu) não só em ser útil ao próximo, como em se aprimorar, interna e moralmente.

Segundo, o sobrinho de Chico apaixonou-se perdidamente. Quando o interesse pessoal está em jogo, o ser humano médio, na Terra, tende a construir racionalizações que lhe justifiquem atitudes que, no seu entender, levá-lo-ão a atingir o desiderato que o empolga. O jovem sobrinho do famoso médium era um rapaz pobre, sem instrução, mulato (na época, como se sabe, a cor da pele pesava muito, em termos de discriminação social); e a moça cobiçada, de origem social superior, não teria, em sua opinião, como se interessar por ele, a não ser que ele apresentasse algum atributo superior. Recebia, à época, psiquicamente, uma obra de Camões, nova versão de “Os Lusíadas”. Era médium, realmente. Mas, nas artimanhas pregadas pelo próprio inconsciente, conseguiu se convencer de que era ele, com uma inteligência fora do normal, que construía tudo a partir do próprio psiquismo, deste modo tentando impressionar a beldade e sua família pelo se passar por grande e fino intelectual. Para endossar sua tese, envolveu, insuflado por agentes obsessivos, a figura santa do tio, asseverando, numa escandalosa reportagem do supracitado e extinto semanário brasileiro, que Chico também era um homem brilhante, e que, embora tivesse apenas o curso primário completo, lia muito e tinha vasto conhecimento geral, material este que seria a base de sua já colossal obra psicográfica.

(BT) – Como foi terrível esse evento, não é? A dignidade de Chico foi de impressionar, todavia. Procurado pela revista “O Cruzeiro”, para dar seu aparte à tal reportagem, disse apenas que valorizava muito as opiniões do sobrinho… Interessante haver chegado a esse ponto: não ter podido sequer esclarecer-se publicamente…

(GH) – Nem em particular. As pessoas que atacam injustamente – esta é a mais madrasta das ironias – sentem-se cheias de razões. Normalmente, não estão deliberadamente mentindo, mas se convencem, por defesa, de uma versão completamente inverossímil dos fatos. Respigam pedaços de memória aqui ou ali e constroem um quebra-cabeça ao seu gosto, que confirma suas especulações menos nobres. Quando se aproximam para uma conversa que poderia ser esclarecedora, com a vítima de suas injúrias, em vez de estarem abertas a escutar, ofendem de pronto, demonstrando-se fechadas a ouvir, com profundidade, as ponderações judiciosas do lado injustiçado. Como alma experiente, Chico imediatamente percebeu não adiantar a tentativa de elucidar coisa alguma. Mas, ainda que tentasse – como acontece freqüentemente em crises do gênero, nas relações interpessoais –, o acusador continuaria criando argumentos, com bases no mínimo questionáveis, para não perder “a razão”. A questão dessas pessoas é lutarem por estar com a razão a todo custo, mesmo que isso lhes custe a felicidade, seja por orgulho, por medo de estarem cometendo um erro grave demais, por culpa – que já pressentem, no âmago de suas consciências – de perpetrarem uma grande injustiça. Se, para completar o quadro, estiverem inflamadas de certezas titânicas e empolgadas de desejo de retaliação, temos o retrato bem acabado do indivíduo “possuído” pelas forças do mal.

(BT) – É meio assustador isso, não é? Como nós, seres humanos, somos tão frágeis, tão suceptíveis a obsessões e a autoludíbrios…

(GH) – Sem dúvida. E não foi por outra razão que Jesus pediu que orássemos e vigiássemos: para não cairmos em tentação. Não só orar, mas vigiar. Lembremos que os fanáticos do Islã oram muito (cinco vezes ao dia, obrigatoriamente), e matam em nome de Deus. É no ponto da “vigilância” – o das percepções distorcidas – que está o busílis da sintonia, em que mais os incautos incorrem em erro. É quase automático, para a mente humana no nível comum do orbe de hoje, quando não tem um desejo, uma neurose ou uma fantasia atendidos, que se ponha em reserva e passe a arquitetar uma estratégia de defesa que desqualifique os valores do que ou de quem vê do “outro lado”, ainda quando se trate de uma pessoa com quem se tenha uma grande dívida de gratidão. E tudo isso acontece, quase que totalmente, no plano inconsciente. Por exemplo, alguém pode dizer que deseja ouvir tudo, de modo transparente, de amigos, terapeutas ou conselheiros, mas se o interlocutor ultrapassar certo ponto suportável pela maturidade psicológica do ouvinte, imediatamente, o que se fez transparente demais será visto como um rival, um inimigo, uma ameaça (à sua identidade, às bases de constituição de seu ego).

No sentido oposto, há casos de indivíduos que se sentem perseguidos, quando podem ser as geratrizes da perseguição. Por exemplo, uma personalidade muito voltada para a questão do poder é capaz de criar grandes manobras, nos bastidores de empresas e organizações, para desmoralizar ou tirar força do líder do ambiente. Se conversarmos com essa pessoa, perceberemos que, sinceramente, ela não julga fazer isso, mas o fato é que faz. Ela sempre encontrará motivos, digamos, desabafando com todos os colegas da instituição, mas nunca se dirigindo ao chefe, a quem reputa injusto, insensível e inacessível a uma fala mais aberta, quando sempre há espaço para uma conversa mais franca, olho no olho. Mas a criatura problemática não faz isso, porque, inconscientemente, sabe que sua fantasia de controlar toda a instituição, desta forma, não se concretiza. Assim, ela pinta para si (e para todos que supõe possam ouvi-la, aliciando-os para seu ponto de vista mesquinho) um quadro horrendo do chefe “que não ouve e que dita ordens de modo autocrático” (ainda, e talvez principalmente, quando este chefe for o anverso disso: acessível ao diálogo e afetuoso, porque, então, ela terá que fazer uso, mais agressivamente, desse expediente, para convencer as pessoas do contrário). Psicotipos desta natureza, se examinarmos de relance suas biografias, sofrem problemáticas relacionadas ao tópico em todos os empregos por onde passam. Em vez de assumirem que querem ter o poder completo em algum lugar, abrindo sua própria iniciativa, andam de ambiente em ambiente, minando a autoridade dos líderes locais, apesar de, patética e injustamente, sempre se sentirem vítimas, quando são desligadas de cada uma das empresas onde trabalhavam, por fazerem intriga nos bastidores.

Dentro deste mecanismo projetivo de calúnia, o vaidoso verá vaidade em quem ataca, alguém com problemas na área do dinheiro só apontará itens destrutivos neste setor da vida do seu objeto de ataque, e a pessoa com dificuldades maiores no sexo, idem. No caso do sobrinho de Chico, qual um embusteiro, que declarou ser autor do que recebeu de outras inteligências, como médium, projetou no tio a sua falha de caráter, dizendo-o, igualmente, uma fraude. Isso tudo pode acontecer sem que haja bases reais para as suspeitas, e, mesmo quando as há, em algum grau, são visivelmente dramatizadas, na ótica enlouquecida da fúria de se linchar o “bode expiatório”.

Esses difamadores não se suportariam ver como são. Então, procuram quem concorde com sua visão e, juntos, alimentam, reciprocamente, sua fantasia, esquecendo-se de tudo que receberam de quem agora vêem negativa e malevolamente, sem notarem que, lentamente, afundam no nível de consciência, trafegando para a infelicidade. Ficam, amiúde, até aliviadas ou eufóricas por um tempo. Mas, como a raiz do problema não foi resolvida, chega a hora em que tudo vem à tona novamente, e em que facearão situações equivalentes ou muito piores – pois ciclos não encerrados tendem a acirrar seu poder destrutivo.

Por fim, se considerarmos que, num caso como o de Chico Xavier, havia fortes interesses das trevas em derrubar o serviço da Luz, quem dá brechas a tais vozes mesquinhas do “umbral” é completamente tomado por elas. Veja que o sobrinho de Chico se sentiu autorizado a fazer um assalto nefando ao trabalho luminar do tio, por se julgar também um paranormal, afirmando, assim, que se tratava de algo explicável na tecedura do cérebro, sem necessidade de se apelar para a existência do mundo espiritual. A trágica ironia é que ele era médium realmente. Só que, no instante em que se voltou contra aquele a quem tanto devia, foi tomado por forças sinistras, que o conduziram ao sanatório e ao suicídio, ateando fogo ao próprio corpo.

Não significa dizer que, para todo ato de injustiça, ocorrerá nível equivalente de carma. O caso do sobrinho de Chico foi extremo, porque se fez uso de um veículo de comunicação de massa para denegrir a imagem pública de um grande missionário do bem. Mas façamos um cálculo a partir desta ocorrência, ajustando-a a cada caso menor, para termos uma noção do débito espiritual de cada qual: ele foi responsável por todos que se afastaram do Espiritismo por sua campanha, por cada alma que deixou de ler a palavra sábia de Emmanuel e de por ela ser salvo. Compreendendo que, na época, não havia alternativa melhor de visão espírita, é de dar muita compaixão, realmente!

(BT) – Uma vez, querido Padre Gustavo, ouvi dizer que essa ordem de argumentação é uma forma desumana de tratar o assunto, já que, assim, os espíritos estariam coagindo pelo medo, ou algo do gênero…

(GH) – É interessante a tese, não? Isso nos lembra o criminoso que se sente maltratado em seu impulso criminógeno, por não poder dar vazão a seus instintos destrutivos, ou por vir a saber que terá que prestar contas pelas conseqüências de seus atos. Dizer que alguém será responsável pelos efeitos de suas atitudes, na vida de outras pessoas, é cruel ou esclarecedor? Quando o professor alerta quanto aos perigos do cigarro, e “mete medo” nos alunos que o ouvem, não estaria dando uma oportunidade de eles reverterem a linha trágica de destino com que, macabramente, podem se comprometer, caso continuem a fumar? Imaginemos se alguém chegasse para o sobrinho de Chico e dissesse, naqueles idos de 1958: “Você está louco! Afastar as pessoas, com essa sua conversa, de Chico e de Emmanuel, que podem, com sua sabedoria, resgatar almas do desespero, do suicídio, dos distúrbios mentais, da infelicidade!? Não vê que imenso carma você pode adquirir?” É provável que o interlocutor, convencido de suas opiniões, respondesse algo como: “Você está querendo me manipular, através do medo, fazendo-me sentir culpado e mal comigo mesmo…” Afinal de contas, era só isso que ele via no mundo: manipulação, por ser seu sistema de conduta, sua filosofia de vida. Ou seja: para quem está tomado pelo mal, as melhores manifestações de verdadeiros afeto e preocupação podem soar malevolentes. Cada um vê fora o que tem dentro de si, como muito bem assevera a psicologia e a vida o revela melhor ainda. Destarte, até as falas do Plano Superior de Vida podem ser tidas à conta de delírios da mente mediúnica (ou, pior, lamentável injustiça: fraudes deliberadas do medianeiro), se, a partir de um certo ponto, o tal discurso do Céu não chancela as paixões e interesses egóicos, entre eles o ciúme, a vaidade, a inveja, o orgulho, o desejo de ser o centro das atenções e estar no núcleo do poder, a qualquer custo.

(BT) – Complexíssimo.

(GH) – Sem dúvida.

(BT) – Algo mais a acrescentar?

(GH) – Somente dizer que não adianta estarmos com pessoas que concordem como nosso ponto de vista, se este está errado. Dá conforto, mas não nos exime da responsabilidade pelos próprios atos. Apenas, todos sofrerão as conseqüências juntos, e quem seduziu os outros, com muito mais débito moral. Nenhum proveito, outrossim, há no conseguir se convencer de estar certo, se não se está, porque, então, o efeito do equívoco será mais lesivo, já que o indivíduo não corrigiu a gênese do mal em si.

(BT) – Pois, se não for excessivo obter resposta neste momento, vou me permitir a liberdade de repetir uma pergunta que já fiz (se não me falha a memória, aqui mesmo), em outra ocasião, à Espiritualidade Amiga, e que acredito condizer com nossa discussão de agora, para ver o que tem a nos dizer neste contexto. Era muito comum Chico se afastar de pessoas com quem conviveu intimamente, apesar de ser muito dócil no trato. Sabe-se, inclusive, que, em certas contingências, a ordem para tanto, peremptória, proveio de Emmanuel, seu sapientíssimo mestre. Muita gente, com o correr do tempo, ficou magoada com esta conduta recorrente de Chico, porque, evidentemente, não queria se afastar de sua intimidade. No entanto, com o passar dos anos, embora fisicamente houvesse menos pessoas perto de Chico Xavier, muitas mais eram alcançadas à distância, por seus livros e mensagens mediúnicos. O trabalho de Chico só fez crescer, até hoje, após seu decesso carnal.

(GH) – Chico não dava satisfações aos encarnados, e sim aos desencarnados do Domínio Superior de Consciência. Era extremamente fiel ao mandato mediúnico de que foi investido. Os indivíduos passavam pela vida dele com funções a cumprir, e, quando encerradas estas, se não se afastavam por conta própria (o que costumava ocorrer – Chico era fascinante e agradabilíssimo na convivência), simplesmente perdiam acesso à intimidade do admirável representante do Plano Sublime. O inolvidável Cândido, apesar de plenamente cristão no exercício da caridade e do perdão irrestrito, tanto que orava sinceramente pelo bem-estar de seus antagonistas gratuitos, não estava preocupado em passar por “bom moço”, e sim em ser um leal instrumento na mão da Espiritualidade Excelsa, que o assistia em seu trabalho. Assim, quando as energias ou o padrão mental de algum dos componentes de seu círculo pessoal passavam a comprometer o andamento do trabalho gigantesco por que era responsável, fosse por conta de uma obsessão renitente e de difícil erradicação, ou porque, tão-somente, o ciclo de tarefa, para aquele colaborador, na missão de Chico, houvesse terminado, ele simplesmente se desligava da pessoa. Isso, que soa estranho para o ser humano vulgar, é, em verdade, um atestado de grande nobreza da parte do grande médium mineiro, pois que, deste modo, não só lograva se desapegar de amigos queridos, quando necessário, como ainda não se deixava seduzir pelo medo de ser malvisto, em função das mágoas geradas com esta atitude pouco política, digamos assim, mas verdadeira, na mais plena acepção da palavra. Da mesma forma agiu Jesus, que não se importava em afrontar os interesses constituídos de quem quer que fosse, se a Vontade d’Aquele que O havia enviado à Terra corresse risco de prejuízo.

(BT) – Obrigado pelos esclarecimentos.

(GH) – Não há de quê.

(Diálogo travado em 3 de setembro de 2007. Revisão de Delano Mothé.)