por Benjamin Teixeira (*).


Há uma opinião corrente, nos meios psicológicos, de que nenhum ser humano na Terra é completamente resolvido no plano sexual. Acredito apropriado parafrasear esta máxima e, sem qualquer receio de errar ou me exceder na afirmativa, asseverar que, muito menos, existiria alguém de todo resolvido em matéria de dinheiro.

Perante a úlcera purulenta, asquerosa e medonha, oscilamos entre extremos, exaltados, fanatizando-nos nos opostos. Somente no equilíbrio, como reza o bom princípio de filosofia – ou melhor poderíamos dizer: como toda pessoa na genuína maturidade psicológica indicaria –, vamos encontrar o modelo mais apropriado de análise, de julgamento e, por fim, de geração de políticas de comportamento realistas, quão decentes.

O maniqueísmo e o emocionalismo barato turvam o raciocínio e a avaliação judiciosa de quase toda criatura que aborde a temática. Ricos focam prioritariamente o assunto, ambicionando amealhar mais fortuna a quase todo tempo; pobres trafegam pela existência revoltados por não lograrem angariar riqueza; remediados passam vidas inteiras se sentindo “ensanduichados” entre os dois grupos, debatendo-se contra a identificação com os dois, ciosos de sua “moral cristã”, estressados por pagar as contas no fim do mês… Mas, no final das contas… todo mundo pervagando pelo mundo, pensando no assunto quase o tempo inteiro!…

De uma forma geral, brasileiros acham lindo quem faz tudo de graça pela família, pelos amigos e pela sociedade; e, em contrapartida, vêem com suspeitas esses “interesseiros” (leia-se: “profissionais”), que tudo realizam “por dinheiro” (leia-se: “administram seu tempo em função dos que realmente precisam e desejam seus serviços, e que demonstram esse interesse real, com a utilização do título ao portador – padrão de organização elementar da civilização humana, em que a força monetária se constitui). No pólo contrário do espectro, norte-americanos orgulham-se de sua cultura do “Money! Money!” e, julgando-se no ápice de uma hierarquia da inteligência, como “ultra-espertos” e “realistas”, observam, ironicamente, com desconfiança, toda e qualquer pessoa que trabalhe gratuitamente, com pensamentos como: “Se alguém não recebe dinheiro, que tipo de pagamento espera auferir?” Europeus, no meio dos dois grupos, descansam nas brancas nuvens das conquistas materiais de seus antepassados, sentindo-se muito nobres e avançados, com seus sofisticadíssimos sistemas de serviço social, preocupados em não se preocuparem com dinheiro e, sim, produzirem cultura (como se os recursos financeiros não fossem um instrumental básico de articulação e fermentação da própria cultura). Escorar-se no Estado protecionista, em políticas alfandegárias anacrônicas, para estes ases da crítica falaciosa, constituiria o máximo nível de civilidade. A Rússia stalinista já nos lecionou bastante sobre o assunto, para que não nos desgastemos em expender qualquer outro comentário a respeito de tais demagogias igualitárias.

O profissional do sexo, que vende o corpo para o ato sexual de um momento, é condenado horrivelmente como se cometesse a mais execrável das indignidades humanas (embora, claro, concordo possa isso constituir um vício e seja uma humilhação dispensável). Entrementes, a madame que se casa com a conta bancária ou o prestígio de um homem, vendendo não só o corpo (e não apenas por alguns instantes, nem somente para sexo: “aluga” inclusive o útero, para gerar a prole do provedor escolhido), mas a alma inteira, além de sua fidelidade, seu nome e sua juventude, em troca de status, poder e conveniência pessoal, esta é vista como portadora das mais altas virtudes da espécie. O mesmo se percebe com relação àquele indivíduo bem trajado, limpo e educado, com vernáculo polido e fluente, que vendeu seu cérebro a uma corporação, cujos serviços não se compatibilizam com sua vocação, nem os princípios se coadunam com sua moral, porque, afinal de contas… tem que pagar as contas, no final do mês, da escola dos meninos… Que diferença fundamental existe entre este argumento e o da prostituta semimaltrapilha que alega estar entregando seu corpo a um estranho, para custear a medicação da mãe miserável?

Pareço ouvir ainda a reverberação da fala profética e enfática de Jesus… ante autoridades eclesiásticas, políticas, econômicas, e também ante o populacho inteiro: “Hipócritas!” Falei populares, e não só segmentos de destaque, sim!… porque demonizar as elites é tão estúpido, parcial e superficial quanto idealizar massas populares – como muito bem disse Robespierre: “Cada povo tem o governo que merece”. Conforme revelações da Psicologia Profunda, poderíamos muito bem clarear a máxima famigerada: “Cada povo tem o governo que lhe reflete o perfil psicocultural e, principalmente, o caráter.”

Grupos evangélicos extremados discursam sobre dinheiro continuamente, em seus cultos (tema disputado apenas com o Satanás, grande estrela desses eventos), e vendem terrenos no Céu a seus profitentes, fixando a idéia de devoção e fidelidade a Deus no quesito dogmático do dízimo, ignorando, talvez com a melhor das intenções, que o dízimo constituía tributação ao tempo da antiga Israel, exarada nos escritos que hoje compõem os textos da Bíblia, que era também o código de leis, quanto o repositório de ciência e literatura daquele povo primitivo. Em padrão diametralmente oposto, espíritas “kardecistas” mais conservadores associam toda pureza a não se vincular qualquer valor pecuniário a serviços prestados, orgulhando-se de seu suposto desapego (apegadíssimos às fantasias de superioridade do ego), envaidecendo-se de sua pretensa falta de vaidade, numa patética contradição, muito fácil de ser patenteada, não fosse grande, exatamente, a mesma vaidade que lhes venda os olhos cerrados. Isso nos remete, fortemente, ao Gautama Buda, em uma de suas mais memoráveis lições, ao passar pelo plano físico de vida, seis séculos antes da chegada do Cristo ao mundo, não por acaso pregando o legendário “caminho do meio” entre o ascetismo e a opulência: um dos maiores escolhos para a iluminação é precisamente o orgulho espiritual.

Sobre nossos irmãos em fé cristã, do âmbito das igrejas reformadas, eximo-me de tecer mais minudentes comentários, em não me julgando competente para tanto, já que não componho suas fileiras. Mas, aos meus amigos confrades, cabe lembrar que o verdadeiro sentimento de gratuidade não está na questão financeira envolvida, e sim no desinteresse profundo que haja no gesto. Como qualquer pessoa minimamente amadurecida pode facilmente entrever, existem formas muito mais sutis de “pagamento” (e muito mais condenáveis), como a vaidade de parecer humilde, espiritual e desapegado, que, por sinal, é tão incongruente em seus alicerces emocionais e principiológicos, que raia a maldissimulada desonestidade. Não podemos nos esquecer de que Jesus comia na casa de seus seguidores. Os Evangelhos chegam a afirmar que o Mestre era ajudado por “santas mulheres” que O auxiliavam “com suas posses” (não deixa de ser irônico, para nossa mentalidade brasileira avessa à relação posses-espírito, que a expressão “santas”, neste particular, foi utilizada no lugar de “patrocinadoras”, como hoje designaríamos sua função. Ele mesmo categoricamente declarou, a respeito do trabalho exclusivo para os assuntos de Deus, que “ao trabalhador cabe o seu salário”, máxima crística, inclusive, que respalda a atividade religiosa de católicos e evangélicos há séculos sucessivos. Logo, ninguém pode pretextar ser mais puro ou mais espiritual, por não sobreviver do trabalho espiritual, porque, assim, estará indiretamente pretendendo dizer-se superior ao próprio Cristo. De reversa maneira, cirurgiões há, vultosamente endinheirados, que fazem avançar técnicas revolucionárias, salvando incontáveis vidas. Grandes empresários, bilionários, tornam-se beneméritos de milhares e mesmo milhões, dignificando comunidades inteiras, com progresso, empregos, e obras filantrópicas gigantescas, que marcam eras e culturas. A questão, obviamente, não é de superfície, mas de profundidade; de essência, não de aparência; de sentimento, não de conduta externa tão-somente.

A nação de Israel, que recebeu a delegação maior das Autoridades Espirituais do planeta, no sentido de levar as mensagens do “Deus único” e da “Justiça” (inclusas nos Dez Mandamentos Mosaicos) a todos os povos do planeta, fechou-se em seu orgulho fanático, zelosa de uma pretensão de pureza e santidade sobre outras comunidades e civilizações – atitude bem representada no comportamento dos fariseus e saduceus, tão duramente condenados por Jesus. E eles mesmos, como se sabe, crucificaram o Cristo!

Os séculos foram-se sucedendo, e o pensamento cristão que, em sua pureza primordial, estava ínsito, plenamente, na Igreja que hoje se denomina católica, passou para as mãos das Igrejas Reformadas, há meio milênio, sendo transferido, no século XIX, para as hostes cristãs-espiritistas. Seqüenciadamente, as instituições e grupos se fossilizaram, transmitindo o legado do espírito crístico para novas agremiações. Só que, dolorosamente, vemos o mesmo orgulho e fanatismo farisaicos tomarem nossas falanges kardecistas, com hipócritas noções de espiritualidade, sobretudo em relação à questão de dinheiro (e sexo), inviabilizando a condução da libertadora mensagem espírita a número maior de pessoas, em época de tanto desespero e desnorteamento como a que vivemos. Enquanto isso, muito tristes, testemunhamos Hollywood (sim! a milionária Hollywood) e as centrais do telenovelismo brasileiro (sim! as milionárias redes de televisão nacionais) assumirem a dianteira da disseminação dos assuntos do espírito (com todas as deficiências típicas de quem não tem o lastro fabuloso científico-filosófico fornecido pelo mestre lionês, Allan Kardec)… Talvez pensem, os defensores da pseudogratuidade, que o dinheiro não esteja na Terra em nome de Deus, e que o Criador tenha algum preconceito (como loucos os seres humanos somos, em nossas miríades de pré-conceitos) contra o que Ele mesmo engendrou (ou permitiu existir), para amadurecimento e bem gerais.

Que lamentável! Quão trágico! Cristãos, acordemo-nos! Espíritas, despertemo-nos! Para quem “tem olhos ver e ouvidos de ouvir”, como diria o Cristo, segue Ele dizendo, à acústica da consciência de indivíduos e agrupamentos: “Hipócritas! Hipócritas!”, enquanto, mística e paradoxalmente, prossegue sendo crucificado, na vividez de Seu Ideal de Amor e Serviço, pelos mesmos que teriam o encargo sagrado de está-l’O cultuando e difundindo-Lhe a mensagem salvadora, por toda parte…

(Texto redigido em 15 de outubro de 2007. Revisão de Delano Mothé.)

(*) Obviamente que, na condição de médium ativo, não escrevo sozinho tais textos, mesmo os que pretendo grafar isoladamente, porque peço assistência dos mestres do Plano Superior, a fim de errar menos e acertar mais. Todavia, em função do delicado da temática, prefiro assinar por mim mesmo, exclusivamente, de molde a assumir completamente a responsabilidade pelos conceitos expendidos. Cabe a cada um avaliar quanto ao padrão espiritual da procedência da inspiração.
(Nota do Autor)