Benjamin Teixeira
pelo espírito
Eugênia.


Agora, gostaria que você recebesse uma mensagem coletiva.

Você quer um diálogo?

Sim, pode ser. É interessante esse sistema.

Sobre quê deseja falar?

Gostaria que você tomasse pé da situação no Iraque.

No Iraque, Eugênia?

Sim.

O que você deseja falar sobre isso?

O que é uma cirurgia, em termos mais diretos? Uma vivissecação, com aspectos de mutilação; uma violenta invasão às funções do corpo, com longo período de restabelecimento, a posteriori, mas com o intuito de gerar uma cura ou uma parcial ou mesmo total restauração de funções perdidas ou seriamente comprometidas do organismo, não é isso? O que é a anestesia, antes mesmo de se chegar à cirurgia, se não um envenenamento controlado, conduzindo a pessoa à beira da morte, para que possa voltar mais plenamente à vida – por efeito da intervenção cirúrgica? É isso que se está dando por lá.

Mas Eugênia… os efeitos contra-reativos parecem horrendos. O Iraque está à beira do caos.

Imagine um corpo no meio a uma operação médica. Aberto, vísceras expostas, sangrando, às vezes sem condições sequer de respirar sozinho, n’outras, até com parada dos movimentos cardíacos. Que se diria, se não se soubesse do que se tratava, de um organismo nestas condições, sendo cortado, sangrado e mutilado? Que, indubitavelmente, estaria na iminência da morte. O Iraque, meu filho, juntamente muitas nações, para serem resgatados de seu grande déficit evolutivo, em relação ao nível de organização e desenvolvimento sócio-político médio do planeta, terão que sofrer intervenções, crises e colapsos. Nem todos exigirão um procedimento tão dramático como a invasão militar, mas muitos sofrerão crises, senão em seus meandros, mas sim em suas implicações civilizatórias, tão profundas como a que sofre hoje o Iraque. De uma certa maneira, os Estados Unidos estão enxertando idéias de democracia, respeito às minorias e igualdade entre os sexos, modernidade e busca contínua do progresso, na primitiva sociedade iraquiana.

Mas você, com estes argumentos, endossa a postura imperialista americana, sua feição policialesca no trato com outros povos e seu desrespeito, em muitos aspectos, à comunidade internacional?

Não estou aqui com intenção de avaliar a postura norte-americana no concerto das nações, muito menos estou interessada em defender a guerra ou qualquer procedimento draconiano para que os povos evoluam. Estou apenas chamando a atenção para o fato de que, se algo é permitido por Deus, que é infinita inteligência e sabedoria, necessariamente é bom e útil.

Mas, já que falou nisso, pergunto diretamente: os Estados Unidos se excedem em seu posicionamento por lá?

Sim. Isso é claro para qualquer pessoa de bom senso. Mas as polícias também se excedem, assim como a justiça pode ser dura demais em algumas circunstâncias. A Comunidade Internacional, o Direito Internacional, os tratados e os acordos feitos entre nações devem ser cada vez mais fortalecidos a bem comum. Todavia, era natural que acontecesse um certo retrocesso na receptividade norte-americana à harmonia, em relação aos ditames da comunidade das nações mais democráticas e amadurecidas. Eles foram cruelmente feridos em sua dignidade nacional, são um povo guerreiro, determinado e, principalmente, têm um ideal que sempre valorizou o estilo do “self-made-man”. Ou seja: são isolacionitas por definição filosófica e política fundamental. Não esperam, de um modo geral, que ninguém lhes aprove os procedimentos e objetivos, se acham justos. Obviamente que tal postura pode se tornar perigosa, mas eles são uma nação realmente democrática e cristã. Dentro de seus próprios segmentos sociais de opinião e pressão interna sofrem já suficiente freio para não irem muito além do estritamente necessário. Não devem inspirar receios a nenhuma nação. Não são um povo propriamente invasor ou propriamente imperialista, como foram os impérios do passado. Têm feições de império, hoje, dado o gigantismo de seu sucesso econômico, em relação às demais nações, com implicações poderosas na área cultural, bem como na política. Por outro lado, aqueles que se levantam contra os Estados Unidos, pode-se observar isso claramente, não estão imbuídos de tão boas intenções, como pode parecer à primeira vista. São nações com passado duvidoso em termos de qualidade moral e espiritual. A História revela que esses povos foram sempre muito egocentrados, e nada leva a crer que se destituíram completamente desse nível primário de consciência, esse sim perigoso, caso tivessem nas mãos o poderio econômico-militar do império norte-americano. O orgulho europeu e sua inclinação à bestialidade tem sido milenarmente documentado e não por acaso a Divina Providência tirou-lhes a força e transferiu para os Estados Unidos, a fim de mantê-la relativamente controlada em seu instinto de submeter o mundo a seu talante.

Embora concorde com o que diga, Eugênia, gostaria de relativizar um aspecto do que disse. Não teria sido a Europa sanguinária por questões circunstanciais, históricas, e não propriamente por temperamento cultural, coletivo?

Se assim fosse, teriam se entregue a dois surtos de carnificina genocida, como foram as duas Grandes Guerras mundiais? Os Estados Unidos, à época, por duas vezes, adentraram para deter a fúria assassina do orgulho europeu. A fúria que reaparece nos “skin-heads”, mais recentemente, e em todos os movimentos avessos às comunidades imigrantes confirma igualmente o que falamos. Isso é impensável, na medida como acontece na Europa, nos Estados Unidos, uma nação constituída de imigrantes, uma colcha de retalhos de diversas etnias e culturas. Por mais que existam elementos sócio-econômicos por detrás das iniciativas guerreiras dos Estados Unidos (por favor, não estamos numa comunidade de anjos), as motivações centrais daquela grande nação foram sempre nobres. Não se disputavam pedaços de terra à custa de sangue, como na Europa, mas grandes ideais e conquistas para a humanidade inteira, como a Guerra da Independência (1776), que antecipou e superou a Revolução Francesa (1789) em seus postulados, mas mormente na aplicação de suas propugnações, e a Guerra da Secessão (1861-1865), ambas em busca da liberdade e do respeito à igualdade entre seres humanos, a primeira guerra lutando por esses ideais para o povo como um todo; a segunda, para uma parte dele: a dos de origem africana.

Que linda imagem, Eugênia! Compartilho dela, sempre sábia como você é. Todavia, não concorda que muitos a acharão simplesmente romântica, senão ingênua?

Ingênuo é supor que, por eles serem o maior império do mundo, não sofreriam tentações de cometer abusos. Ingênuo seria supor que não existissem interesses econômicos embutidos em todas as suas iniciativas. A questão é que eles não focam exclusivamente essas questões, têm valores, princípios morais e espirituais, como está instituído no seu próprio papel moeda, com o símbolo místico do olho que tudo vê e a famigerada sentença “In God we thrust” (“Em Deus nós confiamos), ao passo que nações hegemônicas do passado visavam, tão-somente, invadir e dominar. Os Estados Unidos nunca guerrearam um povo para conquistá-lo. Não precisam disso e sabem disso: são bons demais no comércio e nas relações pragmáticas, para precisarem apelar para a violência, a fim de se afirmarem como nação, além de, como já disse, não terem vocação à violência, por serem um povo cristão; agressivo, mas sinceramente cristão. Algumas pessoas se supõem inteligentes por perceberem o óbvio: que eles tem intenções de ser dar bem, economicamente. Francamente, fica suspeito alguém falar isso, soa demagógico, porque parece implicar que as outras nações não estejam preocupadas com seus interesses também. Que outra nação do mundo, porém, continuaria tão democrática e pragmática como os Estados Unidos, com o poder que têm nas mãos?

Concordo, Eugênia. Brilhante, muito obrigado. Deseja dizer mais algo sobre o assunto?

Sim, que sempre existem sistemas mais eficazes, ou mais diplomáticos e humanitários, para empreender qualquer iniciativa; e que a guerra deve ser sempre vista como alternativa de última instância. Mas que, como pais displicentes e permissivos, por pretenderem ser modernos demais, podem corromper o caráter de seus filhos, melhor sendo se fossem severos demais e disciplinadores com excesso, porque ao menos teriam filhos emocional e moralmente fortes, diríamos também sobre as relações entre nações. Antes reações duras, do que nenhuma reação, quando se lida com gente não civilizada, que intenta submeter o mundo aos seus caprichos. As comunidades terroristas, assim, é que merecem toda ardência de crítica e não os Estados Unidos. Há razões estratégicas profundas a serem sanadas, como a miséria, e todas as formas de injustiça social entre nações e dentro das próprias nações, mas não será atacando quem tem mais, que se conquistará o direito de ter alguma coisa. Essa é a cultura da inveja e não do progresso. Que os ricos se conscientizem, como, lentamente, está começando a acontecer (e terá que acontecer, com esse “estímulo” do terrorismo, ou a civilização humana como um todo periclitará), mas que os pobres não suponham que o caminho “mais fácil” do roubo, do seqüestro ou do latrocínio é a rota adequada para a felicidade geral. Quando se vê um rico sendo seqüestrado ou tendo seus filhos mortos, após um roubo a mão armada, ninguém diz que a culpa é do milionário. E se o sujeito que vê um de seus filhos sendo morto num ataque desses, logo em seguida saca de uma arma, ainda que ignore a justiça, todos compreenderiam. O mesmo padrão de raciocínio se deve aplicar na relação entre os povos. Os Estados Unidos são esse pai rico que “perdeu a cabeça” e, em vez de apelar para a justiça, resolveu justiçar seus rebentos com as próprias mãos, sem se deixar comover com a ladainha de que o “coitado do seqüestrador é filho de uma prostituta e de um pai ladrão”. A miséria não justifica a violência, tanto quanto a violência não é o melhor método para se resolver a violência do miserável. Mas condenar-se quem reage de forma violenta à violência, mais do que a quem tomou a iniciativa é, no mínimo, ilógico e incoerente, distorção essa do correto pensar motivada, normalmente, por uma inconfessável inveja do país mais poderoso do planeta, que chegou à posição que ocupa por merecer, à custa de muito trabalho e disciplina, de um povo lutador e honesto, de uma forma geral.

Então, há povos mais honestos que outros, como mais trabalhadores ou o quê que outros…

Indubitavelmente. Há gente boa e “ruim” em toda parte, mas os povos têm traços coletivos de caráter e personalidade, assim como os indivíduos, atraindo para seus conglomerados humanos, espíritos que se afinam com esse padrão geral. Isso é auto-evidente.

(Diálogo travado em 13 de julho de 2004.)