Benjamin Teixeira
pelo espírito Eugênia.


Eugênia, pode algo nos dizer sobre o carnaval?

Uma festa profana, que, todavia, tem raízes profundas de espiritualidade, lamentavelmente aviltadas pela incitação a excessos dos sentidos e a descalabros do comportamento.

Em que medida faz alusão a origens espirituais?

Como é sabido, na Grécia Antiga havia o culto a Dionísio, deus do vinho e dos prazeres sensuais, e, na Roma dos Césares, existiam as festividades sob inspiração de Bacco – d’onde vem o termo “bacanais” –, para apenas citar dois exemplos. Na Antiguidade, a fusão de espírito e sexualidade humanos era maior, e embora hoje devamos considerar que não haja contradição entre as duas forças capitais da alma, vê-se hoje, de reverso à proposta de fusão e síntese de forças, uma, na verdade, fixação patológica no físico, no sensorial, no sexual, em detrimento do espiritual, do transcendente, do moral.

O Carnaval é de todo negativo, então, considerando-se a liberação da libido de modo um tanto desregrado, além de todos os abusos de bebidas alcoólicas e outras drogas?

Não. Antes haja descarga das baixas paixões humanas desta forma que no desvario completo da guerra. A espiritualidade superior deliberou, há um certo tempo, agir em função de fomentar o sexo, para que os desajustes psíquicos do ser humano no planeta, que não são poucos, encontrem, nos instintos sexuais (que são bons, quando intrinsecamente considerados), um dreno para que um nível mínimo de harmonia e bem estar sociais sejam mantidos. Eis porque a Europa “travada” é “tarada” – para usar um trocadilho seu (*1), ao passo que os países latinos da América, que são “liberados” são também “cuca-fresca”, ainda fazendo uso de suas metáforas lingüísticas (*2). Os Estados Unidos, porém, com forte tradição puritana, justamente através de seus segmentos mais conservadores e moralistas, tem tomado iniciativas lamentáveis no campo da guerra e do desrespeito à soberania das nações, exatamente pelo mesmo motivo.

Obviamente, com isso, você não estaria propondo licenciosidade na conduta sexual humana – falo isso para não haver dúvidas em matéria tão delicada, na mente de nossos leitores.

Obviamente que não. Tanto é que, no início de nosso diálogo, lamentava os desvarios da sexualidade e outros abusos durante este período. Estamos focando, agora, tão-somente, o que poderia haver de positivo, em meio a essa grande orgia coletiva, que enlouquece parte do Brasil, por alguns dias.

O que você sugere seja feito, para aproveitar ou vivenciar o lado espiritual do carnaval?

Já é feito e aqui apenas vou estimular e endossar tais iniciativas: retiros espirituais, práticas meditativas mais demoradas e profundas, leituras de conteúdo espiritual, toda sorte de prática da caridade e do bem. Cada um sabe o que deve fazer, desde terapia de grupo até uma prece singela, para ativar seu lado melhor. Enquanto legiões gigantescas de encarnados e desencarnados entregam-se a desatinos de toda ordem, criando um pólo de negatividade, em bolsões de mole humana nas grandes metrópoles, surge a oportunidade de concentrar-se no outro pólo, que fica mais facilmente encontrável neste período, um pólo de criatividade, positividade e espiritualidade. (*3)

Colocando-me no lugar daqueles que gostam do carnaval como uma “brincadeira saudável”, como dizem, para dançar, por exemplo. O que diria a eles?

Que, obviamente, é possível fazer isso, no carnacal, como quando se vai a boites, com a mesma intenção, mas, em muitos aspectos, equivale a levar livros para estudar, em meio a um estádio de futebol, em partida de decisão de campeonato, ou levar a criança para brincar, no parquinho do centro da cidade, à meia-noite, quando este está tomado por profissionais do sexo. As pessoas devem contextualizar suas intenções, para não serem pegas por armadilhas perfeitamente previsíveis aos mais precavidos. Por sinal, muita gente que diz desejar participar das festividades carnavalescas “apenas” em nome da “alegria” e da “brincadeira”, inconscientemente (quando não bem deliberadamente, mas sob a máscara do verniz social), desejam oportunizar-se ensejos a descalabros do sexo, da aventura ou da auto-destruição. Tão-somente não se dão conta disto, conscientemente, por desconhecimento profundo de si mesmas e suas intenções profundas, ou não desejam ou não acham conveniente revelar suas verdadeiras motivações em conversas públicas.

Eugênia, eu, particularmente, gosto de, em família, sentar-me para assistir aos desfiles das escolas de samba do Sudeste brasileiro. Um verdadeiro espetáculo artístico. Sinceramente, não sinto apelos negativos quando os assisto, tanto é que faço questão de fazê-lo em família. Inclusive, sinto delicioso saudosismo, quando me confio a este culto, lembrando-me de entes queridos que, em décadas passadas, participavam conosco deste momento de elã familiar. O que você diria a mim sobre isso e a todos que compartilham comigo desta prática bem brasileira?

Que não há nada demais em apreciar a arte – muito pelo contrário, pois que denota sensibilidade e gosto apurado. Um corpo despido, por exemplo, e coberto de penachos multicolores, dançando ao som da percussão alegre, peculiar à musicalidade brasileira, pode constituir magistral imagem de escultura viva, entre cores, luzes e som… uma imagem feérica…

Exatamente!… É assim que vejo!

A questão, porém, é saber se a jovem que desfila desnuda para milhares de expectadores pessoalmente e para milhões pela televisão fá-lo por ideal à arte ou por baixas intenções de volúpia sexual, no que me esquivo comentar mais minuciosa e profundamente. Portanto, o show invulgar e sem precedentes das escolas de samba do Rio de Janeiro e de São Paulo, algo sem paralelos no mundo inteiro e mesmo na história da humanidade, é, sem dúvida, uma maravilhosa obra da estesia humana, e pode ser apreciada com o mesmo olhar sofisticado com que se assiste a uma peça de bom nível na Broadway, em Nova York. Entrementes, para aqueles que por lá estão, no centro do burburinho, dos entrechoques energéticos e das voragens dos sentidos e das ilusões mais perigosas para o espírito, temos apenas que lamentar. São, involuntariamente, mártires do belo, sem, todavia, tragicamente, terem merecimentos diretos por isso, já que, amiúde, subalternas motivações de vaidade física ou grotescamente sensuais ocultam-se (muito mal) por detrás das aparências de cultura e arte. Sobre isso, aplicando aqui, grosseiramente, o pensamento de Jesus, afirmaríamos: “É necessário que haja o escândalo, mas ai daquele por quem vem o escândalo.”

Algo mais deseja dizer a respeito, Eugênia?

Não. Muito satisfeita.

(Texto recebido em 6 de fevereiro de 2005.)

(*1) e (*2) Eugênia faz alusão a figurações lingüísticas que eu mesmo uso em público quando abordo a temática, para dar um tom mais didático ao tema complexo.

(*3) Como enormes falanges de obsessores e vampiros de energia (desencarnados e encarnados) estão ocupadas com aqueles que se entregam aos desvarios da “carne” (por sinal as palavras “carne” e “carnaval” são vocábulos cognatos), e por aqueles mais dados a excessos dos instintos se deslocarem para esses grandes conglomerados humanos de “enlouquecidos”, nos dizeres de Eugênia, as demais parcelas das comunidades humanas ficam mais livres para pensar, com menos influências primitivas ou viciosas. Ou seja: enquanto muitos se desequilibram, prestam, involuntariamente, um favor a nós outros, que nos devotamos à busca do espírito: deixam-nos as psicosferas mais tranqüilas e abertas ao livre intercurso com a Espiritualidade Superior. Em cidades-refúgio como Aracaju, onde estamos, em que até uma lei municipal proíbe o uso de “carros de som”, no período carnavalesco, o clima é de paz, aconchego familiar e muita introspecção. O silêncio, no sentido físico, favorecendo o silêncio na acepção profunda do retorno ao mundo interior.

(Notas do Médium)