(Benjamin Teixeira de Aguiar)
– Eugênia, você teria algo a nos dizer sobre a parada do orgulho gay de São Paulo?

(Eugênia-Aspásia) – Trata-se de uma parada do “orgulho” humano ou, como seria melhor dizer: da dignidade e do respeito aos sentimentos humanos. Explicando-nos, vejamos, em dois tópicos, alguns argumentos que lastreiam nossa afirmação.

Primeiro: quando um preconceito mais incrustado na cultura, qual o existente contra homossexuais, for debelado, provavelmente outros mais leves, como a discriminação contra mulheres, negros(as) ou estrangeiros(as), estarão definitivamente erradicados dos cenários civilizacionais.

Como categoria dominante nas convenções sociais, os(as) heterossexuais devem demonstrar hombridade e grandeza moral, assumindo uma postura suficientemente democrática, civilizada, humana e cristã, a fim de favorecer movimentos de combate e eliminação de toda ordem de preconceito, e não apenas dos que diretamente os(as) afetem. Do contrário, viveremos, indefinidamente, ditaduras de maiorias, muito distantes de uma sociedade igualitária, plural, moderna, em que grupos minoritários encontrem ampla liberdade para se expressar, tendo seus direitos, valores e sentimentos respeitados por todos(as). Compreendamos, assim, que essa é uma batalha do gênero humano, não somente de homossexuais.

Segundo: a nova sigla de identidade do movimento gay – GLBT2 – inclui os(as) bissexuais em seus quadros, evidenciando, por conseguinte, que os interesses defendidos pela causa envolvem estratos demográficos que, em sua totalidade, podem equivaler aos contingentes heterossexuais das populações ou mesmo superá-los.

(BTA) – Poderia deixar mais clara essa sua opinião?

(EA) – Sim. Desconsiderando dados de que dispomos, no domínio espiritual de existência, acerca da delicada temática, utilizemos estatísticas tão só do plano físico, para não criarmos confusões excessivas nos(as) leitores(as).

O mais conservador e aceito estudo sobre sexualidade humana, o famigerado relatório Kinsey, revela que o somatório do percentual de indivíduos plenamente gays com o dos que têm algum potencial para uma relação homossexual, mesmo que eventual ou incidental, corresponde a aproximadamente 50% das comunidades terrícolas. Destarte, somente a outra metade das criaturas humanas seria integralmente heterossexual, isto é: completamente incapacitada para um intercurso homossexual, em qualquer circunstância. E estamos nos referindo a um levantamento publicado em 1948, feito à base de entrevistas diretas entre pesquisadores(as) e consultados(as) – imaginemos quantas pessoas, em meados do século transato, responderam sinceramente a perguntas como ter ou não desejos gays, ainda que com a garantia de sigilo…

Os(as) homossexuais estão por toda parte, no seio da vida doméstica, formando, com lastimável frequência, lares disfuncionais e infelizes, por motivos óbvios, seja no intuito de usufruir a prerrogativa sagrada da constituição do próprio núcleo familiar, seja no afã desesperado de evitar a estigmatização e a marginalização.

De uma forma geral, são cidadãos(ãs) decentes, trabalhadores(as) e criativos(as), muitos(as), por sinal, expoentes em suas profissões, já que não só costumam ter mais maturidade e força psicológica que a média heterossexual, por serem estimulados(as) a transcender as pressões atrozes que suportam amiúde desde a infância, mas também acabam naturalmente se empenhando com excepcional esmero às atividades e ao brilho profissionais, na busca de compensar sua maior frustração afetiva, engolfados(as) que estão num contexto sociocultural que ainda não lhes permite a livre manifestação de seu modo psicossexual de ser.

Um enorme susto tomaria a classe heterossexual se todos(as) os(as) gays e bissexuais se declarassem publicamente, a um só tempo – embora haja uma expressiva parcela deles(as) que se castra. Poderiam então os(as) heterossexuais constituir uma minoria que, muito provavelmente, seria acolhida e tratada com consideração pela majoritária fatia homo-bissexual da população. Não estamos, em absoluto, confirmando tal conjectura, mas apenas trazendo uma ideia do assombro que acometeria alguns setores sociais mais reacionários, caso houvesse uma generalizada declaração pública de identidade gay GLBT, por parte daqueles(as) que assim se sentem.

(BTA) – Você então aprova a imediata e maciça declaração pública de identidade homossexual ou bissexual, proposta essa que aliás é sustentada por militantes do movimento gay, como um meio de abolir a força da homofobia, em virtude da quantidade de gente decente e importante que compõe a comunidade GLBT?

(EA) – De maneira alguma. Seria o mesmo que decretar a destruição de diversas obras de vulto para o progresso humano. Devemos respeitar os ritmos de cada personalidade e, principalmente, as barreiras culturais e a energia psíquica acumuladas em séculos de homofobia institucionalizada. Recordemos os recentes fornos dos campos de concentração nazistas, se não quisermos ir mais longe, até as fogueiras da Inquisição. Nem todos(as) estão preparados(as) para ouvir e tampouco para se expor, em se tratando de assunto tão polêmico e eivado de pesado tabu na humanidade terrena da atualidade.

Recentemente, um reality show nos EUA exibiu o drama de integrantes de uma família de brancos(as) que, maquiados(as) impecavelmente, se passaram por negros(as) para vivenciarem a experiência da negritude. Tomados(as) de pasmo e horror, sentiram na pele a medida acachapante de racismo que permeia praticamente todas as relações humanas. Como é extremamente comum entre brancos(as), tinham eles(as) a tendência a minimizar o preconceito, justamente por não sofrerem a perseguição estúpida e gratuita do racismo, a força do ódio e do desprezo a negros(as), vergonhosamente ainda bem vivos até nos ambientes mais ditos urbanizados.

Em grau muito pior que o racismo, cujo combate representa inclusive um valor em países civilizados, sem espaço a discordâncias públicas, subsiste indubitavelmente a homofobia. A aceitação de homossexuais está, no mínimo, um século atrás da que negros(as) hoje desfrutam, em termos de avanço nos direitos civis e nas regras consuetudinárias. Para verificarmos a dolorosa plausibilidade dessa especulação, basta lembrarmos que segmentos sociais inteiros, quais os do âmbito religioso, ainda propalam, inescrupulosa e descaradamente, campanhas contra gays, desabonando-os(as) diante de Deus e da moral, conquanto se saiba que, nas nações mais desenvolvidas do globo, a condenação à homossexualidade é considerada uma heresia anticientífica, além de ser um ato expressamente ilegal3.

(BTA) – E quanto aos abusos e atentados ao pudor que espocam em paradas gays?

(EA) – São reações naturais a esse nível crítico de preconceito, presente em quase todos os agrupamentos humanos de nosso orbe. Não olvidemos o fato de que, em várias regiões do planeta, a homossexualidade é punida com a pena capital, como ainda ocorre notadamente no Oriente Médio. Quando alguém é tratado(a), desde a tenra idade e por toda a vida, mesmo por seus entes mais queridos, como uma abominação perante a Divindade, uma vergonha aos olhos da sociedade, uma aberração até na intimidade do lar, é perfeitamente compreensível que se desencadeiem desequilíbrios psicológicos, agressivos e compulsivos.

É bem verdade que posturas exageradas, em certo aspecto, reforçam o preconceito em algumas pessoas, mas estas já seriam, de qualquer forma, contrárias ao ideal do respeito ao ser humano. Coletivamente, todavia, a ousadia espalhafatosa indica que as massas de centenas de milhões de homossexuais estão se insurgindo como podem, pela agressividade bem aplicada politicamente, contra a opressão injustificável que padecem, desde o berço, por todos os lados – incluindo, lamentavelmente, a oriunda de teorias estapafúrdias de espiritistas que afrontam a proposição categórica, apresentada pelos Espíritos Superiores e pelo próprio Kardec, de que o Espiritismo deve seguir sempre a ciência, nos pontos em que haja contradição entre os postulados da “doutrina” espírita e as descobertas havidas na seara científica.

Benjamin Teixeira de Aguiar (médium)
em diálogo com Eugênia-Aspásia (Espírito)
11 de junho de 2007

1. Atualmente, “Parada do orgulho LGBT de São Paulo”. O termo “gay”, portanto, deve ser aqui interpretado como referente não apenas a homossexuais dos dois gêneros, mas a toda a comunidade LGBT.
(Nota da equipe editorial)

2. Hoje, LGBT – a versão mais usual da sigla.
(Nota da equipe editorial)

3. Como é o caso do Brasil, em que a homofobia é inconstitucional, por infringir o artigo V da Constituição em vigor, de 1988. Quanto ao aspecto científico, por sua vez, o Conselho Federal de Psicologia, na Resolução 01/99, proíbe terminantemente o “tratamento” clínico de homossexuais. Um(a) profissional da área pode inclusive perder seu direito de clinicar se lhe for comprovada a intenção de “curar” a homossexualidade de alguém. Bem antes disso, a Associação Médica Brasileira (1985) e a Associação Psiquiátrica Norte-Americana (1973) declararam oficialmente que a homossexualidade não constitui qualquer ordem de distúrbio mental ou moral, razão por que não pode ser foco de nenhum tipo de tratamento.
(Nota do médium)