Benjamin Teixeira
pelo espírito
Anacleto.

Quero falar sobre o Oriente Médio e a Crise do Terrorismo.
Quero que me faça perguntas.

Qual a causa profunda dos problemas que estamos enfrentando agora?

Houve uma queda de paradigma, no que tange à organização internacional de poder. O modelo, agora, é diferente, mas os problemas profundos continuam os mesmos. É como se alguém, que sofresse de uma dermatite, trocasse de maquiagem, mas mantivesse a mesma chaga oculta na pele (*). Obviamente que a comparação é grosseira e que muita coisa mudou nos últimos decênios. Mas, em termos de etiologia profunda, nossa analogia não é exagerada. Há vários séculos, o Oriente Médio parou. A Europa industrializou-se, estabeleceu o império da democracia no campo político; e, na gleba cultural, firmou o reinado da ciência. A Ásia-extrema fez o mesmo, com o Japão despontando como modelo máximo desse Oriente-extremo ocidentalizado, culto e rico. Sem intenção de ser etnocêntrico e postular a cultura ocidental como superior em detrimento de outras, não se pode negar, entrementes, que certos experimentos da Europa e dos EUA, mais avançados que o restante do mundo, em grau civilizatório (o que seria, no mínimo, hipócrita não reconhecer, embora pareça “politicamente incorreto” afirmá-lo abertamente) são de utilidade e interesse comuns, muito embora ajustes culturais possam ser feitos, aqui ou ali, para que princípios como a democracia e as liberdades individuais possam ser amplamente respeitados, sem prejuízo das raízes culturais de cada povo. A ignorância, a pobreza e o fanatismo, conjugados num arranjo sinistro, são fatores perigosíssimos que podem precipitar a humanidade no Armagedom. São esses os verdadeiros inimigos da civilização e não os povos ou as nações do Oriente Médio.

Que fazer para nos livrarmos desses inimigos ou vencê-los ou transmutá-los?

Eles não são forças: são lacunas, que degeneram forças civilizatórias originalmente boas, ou pelo menos neutras, não-belicosas. A ignorância pede conhecimento, educação, tanto quanto a miséria exige recursos de sanitarismo, alimentação, moradia e vestuário dignos. O fanatismo, por outro lado, indica a presença de ignorância consociada a orgulho.

Que fazer em relação a isso?

Notar as chagas correspondentes no tecido da civilização ocidental, dita nobre e superior. O egoísmo-bestial, a democracia-cínica, e o imperialismo desavergonhado de potências ocidentais podem não só eternizar, como potencializar o efeito destrutivo da primeira trinca de inimigos que apontamos acima. Portanto, é responsabilidade do ocidente educado superar seus próprios limites, para que preencha as lacunas de miséria dos povos árabes. E não, propriamente, confrontá-las, o que seria equivalente a professores espancarem seus alunos, ao reverso de educá-los; ou pais seviciarem seus filhos pequenos, por chorarem com fome.

Então, o Oriente Médio espera – ou, melhor dizendo: precisa dramaticamente de uma mudança de atitudes e de filosofia político-econômica do Ocidente, não é isso?

Sim, e o puritanismo presunçoso e decadente do Ocidente faz ver quem precisa de ajuda como inimigo e atacar o mendigo que lhe bate à porta, à semelhança do que fez Maria Antonieta, ao falar à multidão faminta que lhe buscava socorro às portas de Versalhes: “Quem não tem pão, que coma brioche”. O cinismo das potências econômicas atuais lembra muito a atitude debochada e arrogante, quanto insensível e desumana de rainha francesa decapitada, e não duvidemos de que sina equivalente aguarda os “senhores do mundo” de agora. Não se pode esperar de gente do deserto, inculta e faminta atitude diferente que belicosidade fanática, principalmente com as comunicações fáceis, a ostentarem uma agressiva riqueza ocidental, que parece (ao menos parece) existir às custas da miséria dos povos pobres.

Interessante lembrança, Anacleto, a referência a Maria Antonieta. Somaria à sua colocação a imagem que ela passou de mulher intelectualmente míope aos ventos da história. Parecia óbvio que algo sério aconteceria ante o turbilhão de ocorrências da época.

Sim, mas a arrogância de uns, estruturada sobre a riqueza e poderio bélico-militar que parecem inexpugnáveis, pode levar a atitudes disparatas e estúpidas, assim vistas de uma melhor perspectiva, do futuro, como agora lemos a postura de Maria Antonieta. Hoje, americanos se sentem, parcialmente, ainda, invictos em campos de batalha, e, de certa maneira, invioláveis em suas fronteiras. Apesar do atentado às Torres Gêmeas de 2001, o povo americano descansa, em brancas nuvens, sobre a ilusão de que ninguém faz frente a seu grande arsenal bélico. Não compreendem que a questão é mais simples. Nada impede que uma ou várias metrópoles norte-americanas, a qualquer momento, sejam pulverizadas em explosões nucleares, de natureza torrorista, por uma razão elementar: não há poderio militar ou rede de inteligência que impeçam, em caráter absoluto, atentados terroristas. E a tecnologia nuclear, entre outras, como a biológica, dissemina-se facilmente, nos dias que correm. Se o orgulho cínico dos poderosos não se desfizer, ante uma ótica mais humana e inteligente, que propicie o ganho e o bem estar de todos e não de alguns poucos em detrimento de muitos, teremos tempos de barbárie muito breve, que podem ameaçar a sobrevivência da humanidade.

Alerta grave, Anacleto.

Sim.

Que pode o cidadão comum fazer, dentro dessa grave crise?

Mobilizar a imprensa, pressionar os poderes constituídos, insurgir-se contra a hipocrisia de seus governantes e de seus próprios patrícios, ao se colocarem como uma raça superior, vítima da selvageria de povos primitivos. Não há inocentes nessa guerra civilizacional. Há ignorantes maiores e ignorantes menores, se é que assim podemos dizer. Até agora, contudo, medidas efetivas de mudança do quadro profundo não aconteceram. Enquanto não houver interesse genuíno e não forem tomadas providências eficazes e sistemáticas, no sentido de debelar a fome, a ignorância e toda sorte de radicalismo que lhes seguem, toda a espécie humana corre risco de sobrevivência. Foi-se o tempo do imperialismo-truculento de que manda quem tem mais força. Vivemos a era do conhecimento e da civilidade. E, ao reverso de notarmos um despertar de todos para a necessidade do crescimento conjunto, estamos assistindo a um lamentável retrocesso dos países ditos civilizados ao nível de barbaria de seus atacantes famintos e enlouquecidos de ódio, ódio pelo egoísmo e bairrismo daqueles mesmos que se sentem vítimas inocentes.

Ou seja, Anacleto: os verdadeiros agentes causadores do terrorismo não são a intolerância e pretenso primitivismo de povos árabes e sim a truculência arrogante e egocêntrica de povos dominantes da atualidade. Essa sua tese é de um chocante revisionismo.

Indubitavelmente. E a sobrevivência de todos depende da tomada de consciência dos povos mais ricos e seus governantes dessa realidade dura e difícil de ser reconhecida, mas dramaticamente necessária.

Num certo momento, por ocasião do “september-eleven”, você aprovou medidas draconianas de guerra. Não haveria uma contradição com esse seu novo discurso?

Quando fazemos análises sobre questões complexas, facilmente a abordagem, que precisa ser multifocal, parece ambígua. A contradição, todavia, é aparente, quando aprofundamos o raciocínio.
Obviamente que, em caráter emergencial, tais medidas de contenção pela força armada eram imprescindíveis, para que um mínimo de ordem no cenário internacional fosse mantido, assim como se faz uso de força armada para deter uma insurreição criminosa, dentro de um presídio. As atitudes terroristas, em si, constituem um crime. Os governos que lhes endossam as atitudes genocidas são, indiscutivelmente, destituídos de legitimidade, ante o concerto das nações. Mas, assim como professores que usam da força para deter alunos rebeldes, que agridem fisicamente colegas e mestres, para depois passar a medidas corretivas mais profundas, psicológicas e pedagógicas, no intuito de reparar-lhes ou modificar-lhes o caráter, chegou também o momento de as nações líderes do planeta, em particular os Estados Unidos, passarem, definitiva e profundamente, ao passo seguinte da luta contra o Terror: investir, pesada e longamente, em uma campanha de extinção, profunda e definitiva, da miséria e da ignorância da face do planeta, e não apenas instaurar democracias de papel em nações humilhadas, que mais lembram a Alemanha do pós-1918, que retornaria à desforra, muito mais violenta, na guerra mundial de 39, que a Alemanha conscientizada da própria bestialidade, do pós-45. Ou se age dessa forma, conscientizada, lúcida, respeitando a profundidade e o intricando da questão, ou teremos severas e trágicas surpresas, num futuro muito próximo.

Anacleto, poderia nos fazer algum comentário sobre a participação de grandes conglomerados econômicos, nessa ciranda complexa de governos, indivíduos, ONG’s, mídia, etc.?

Você já incluiu diversos departamentos da sociedade, como a insinuar a necessidade de um concerto de forças, orquestrado pelos Estados nacionais e os governos que o conduzem, por constituírem, ainda, os maiores polarizadores de poder da Humanidade atual. E, sem dúvida, entre essas potências está, como peça fundamental, o poderio econômico. O Estado, assim, ou os diversos estados nacionais coordenados por congressos e pactos internacionais, devem criar toda ordem de estímulos, incentivos fiscais, etc., para as iniciativas empresariais que favorecerem regiões de maior concentração de pobreza do globo. Obviamente que a conscientização de base, de indivíduos e massas, a pressionarem empresas a tomarem essa ordem de iniciativa e exigir de governos que fomentem tais investimentos, é essencial. Assim, artistas, intelectuais e todos os que trabalham com a multidão, devem laborar em conjunto e isoladamente, no sentido de fomentar projetos de disseminação de riqueza, pelos bolsões de miséria do planeta. Por exemplo, empresas que tomassem tal rumo em seus negócios, digamos, teriam a preferência de massas gigantescas de consumidores conscientizados, que passariam a compensá-la, com essa preferência, os investimentos feitos em áreas poucos rentáveis, mas que passarão a ser “politicamente corretas”, diante da opinião pública, como campo de ação empresarial. O lucro, portanto, veia capital da iniciativa privada, seria preservado, por essa participação em massa de consumidores esclarecidos, que observariam as empresas que agissem adequadamente, em função do bem geral, e as compensariam, comprando mais seus produtos ou fazendo mais uso de seus serviços.

Isso me soa extremamente utópico. Vivemos uma era de selvageria ímpar, no campo econômico principalmente, como atestam os instabilíssimos mercados financeiros. O que você diria, por exemplo, das bolsas de valores e da volatíssima e ciclópica massa de capital que faz a ciranda entre mercados financeiros, diariamente, ao sabor dos caprichos de especuladores e investidores de um modo geral?

A velocidade das transformações de valores e exigências populares tem sido vertiginosa. No que diz respeito, por exemplo, ao assunto “bolsas de valores”, sabemos que elas sofrem alterações drásticas, conforme expectativas que se constroem, definidas pela psicologia conhecida das massas investidoras, em relação ao mercado. No momento em que, de fato, uma tendência politicamente correta, no sentido consumidor, ficar clara, como delineamos acima, saber-se-á, de antemão, que uma certa empresa será supervalorizada, à medida em que tomar iniciativas, conforme os valores humanitários de aplicação de recursos em países e comunidades pobres, e, assim, uma tal empresa hipotética, ao simplesmente inclinar-se no sentido de agir em função de nações ou grupos mais pobres, imediatamente fará suas ações subirem, no mercado financeiro, sabedores que serão os investidores e especuladores que aquela empresa receberá um percentual maior de preferência no mercado consumidor. Se, todavia, esperarmos que apenas um segmento das sociedades, seja o político, ou o econômico, ou o artístico ou os indivíduos isolados, na condição de consumidores, assuma o leme de tais mudanças complexas, de ordem abragente e profunda, como as que norteiam todo um fim de ciclo civilizatório, não lograremos êxito. Somente uma iniciativa sistêmica, que só poderá acontecer por meio da conscientização, em massa, das populações e seus diversos vetores de poder, do religioso ao cultural, e, por fim, de vontade política de seus representes legais, poderemos encontrar a solução efetiva e duradoura para crise tão complexa como a que atravessamos. Precisamos lembrar que sofremos uma crise de metamorfose civilizacional tão profunda como a que caracterizou o fim de Era Feudal e lhe fez a transição para a era da Revolução Comercial, ou aquel’outro período histórico que marcou a passagem da Era Comercial para a Industrial. Agora, vivemos a era do Confronto Civilizacional Profundo, que exige procedimentos tão mais intrincados de administração de crise, como se exigem equações mais complexas para a solução de problemas dentro da matemática do caos. Portanto, não será uma medida política, a iniciativa isolada de um governante ou mesmo um documento com signatários de várias nações que farão a mudança segura e tranqüila de uma era para outra. Interações complexas, elaborações complicadas de interesses, negociações demoradas entre etnias, culturas e religiões consumirão décadas, até que a transição por completo haja findado. Provavelmente, apenas em meados do próximo século estaremos relativamente bem organizados, na teia internacional de lutas de poder, e a parte pior da crise haverá passado. Não esperemos dificuldades pequenas, porém, para esse século XXI que se inicia, que, inclusive, trará dilemas ainda maiores a serem digeridos, paralelamente, no cerne das próprias sociedades mais desenvolvidas, como as melindrosas questões colocadas a lume pela biotecnologia e a cibernética, fazendo diluírem-se, assustadoramente, as fronteiras entre o orgânico e o inorgânico, entre o humano e o animal, entre a máquina sofisticada e a inteligência viva. Acostumemo-nos, assim, à complexidade e ao caos da crise, mas jamais percamos de vista a própria humanidade e seus ideais. Uma grande guerra civilizacional se inicia, e ela, realmente, que parte do mundo das idéias e chega a grandes confrontos entre povos, nações, religiões e culturas, exigirá, para que sobrevivamos, o melhor de nossa criatividade, bom senso, e, principalmente espírito humanístico. Mas, por fim, venceremos, porque, acima de todos nós, vela a infinita bondade e a perfeita sabedoria do Criador.

Mais algo a dizer, Anacleto?

Não. Que os homens do mundo, principalmente os grandes estadistas, ouçam a nossa voz, antes que seja tarde demais para ajustes sem percalços maiores.

(Diálogo travado em 21 de março de 2004.)

(*) Fazemos aqui alusão ao fim da bi-polarização do poder, vigente no período da Guerra Fria. A unipolaridade hegemônica do capitalismo ocidental, de feição norte-americana, é extremamente ilusória, pois que, em verdade, não constitui um poder isolado, como parece.

(Nota do Autor Espiritual)