Benjamin Teixeira
pelo espírito
Demétrius.

Teria algo a falar sobre fantasia?

A fantasia funciona como um constructo mental, que recompõe tecidos perdidos ou degenerados na mente. Pode também funcionar como anti-depressivo e como um excelente instrumental para ruptura de padrões mentais inadequados, ao menos em caráter provisório, como um paliativo para transformações mais profundas, substanciais, que devem ser empreendidas posteriormente, quando as circunstâncias e o estado mental permitirem. É uma forma, por fim, de descansar-se da realidade dura que se vive, descansar-se de si mesmo, descansar-se de uma pressão existencial que, por alguns momentos, pode se fazer insuportável. O mal da fantasia está quando perturba o mundo da produção e do trabalho, mas não há nada de mal haver um ponto de suspensão de contato com a realidade, a fim de que se possa, no campo imagético, auferir forças para viver-se nela mesma (na realidade), com maior inteireza e saúde integral.

Não se poderiam estimular tendências ruins, dessa forma?

Crianças que sejam privadas de contato com armas de brinquedo podem recalcar esse desejo e virem a desenvolver uma propensão irresistível a usá-las mais tarde, já adultas, de modo então, de fato, violento. Crianças que apenas dessa forma brinquem, podem, por outro lado, estimular excessivamente o seu lado agressivo. Devem, nesses casos, ser conduzidas a práticas esportivas de equipe, a fim de canalizar suas forças agressivas corretamente, em esforços cooperativos com outras pessoas. Ou seja: tanto a repressão, como o excesso, conduzem ao mesmo mal. A fantasia do cinema, por exemplo, pode ser vista como um motivo de exacerbação do lado bestial do ser humano. Mas também como um meio de se descarregá-lo. Na verdade, o mal ocorre por conta do uso que se faz do remédio. Toda droga é venenosa ou tóxica. Se a dose for excessiva, de acordo com o caso e o organismo que e ingere, obviamente até um óbito se pode causar. Mas ninguém negaria a relevante função dos medicamentos, apenas porque, às vezes, sejam mal-aplicados, causando mortes. O fato é que a face primitiva da espécie humana não desaparecerá do dia para a noite, e cabe a cada um encontrar sua forma de direcionar construtivamente seus impulsos primais, ou dar-lhe um vazadouro não-destrutivo, no caso da fantasia. Quando não se faz isso, a violência traveste-se de trabalho estafante, causando infartes; vela-se de super-proteção, sufocando e adoecendo crianças e jovens; e pode até tomar ares de indignação justa ou gosto pelo mexerico, espalhando o pérfido veneno da maledicência por onde se passa.

Algo mais a dizer sobre o assunto?

Apenas lembrar que o mal da fantasia está quando se criam distúrbios para a realidade. Uma futilidade que torna viável o essencial é também essencial. Toda vez, porém, que se notar que a fuga é mais importante que o perigo, necessário procurar ajuda especializada, para se refazerem os caminhos do equilíbrio psicológico. Por outro lado, se alguém consegue conjugar fantasia e realidade, está encontrando a combinação perfeita de felicidade. É o que se poderia chamar de seguir a própria vocação, viver plenamente a própria missão. Mas, ainda nesses casos, pode haver necessidade, aqui ou ali, de um escape provisório da rotina, já que não existem situações perfeitas de realização pessoal. Dessa forma, que se faça uso da fantasia, da brincadeira, do lazer, de forma ponderada, construtiva, pacífica e feliz, tanto para si, como para todas as pessoas que, direta ou indiretamente, forem influenciadas pelo seu raio de ação.

(Diálogo travado em 22 de abril de 2003.)