Interdisciplinaridade na abordagem de problemas complexos da atualidade; necessidade de laicização das religiões; lição macabra da Revolução Francesa; perigos maiores do que uma terceira grande guerra mundial, a ameaçarem a espécie humana: disseminação de tecnologia bélico-nuclear (entre outras armas de destruição em massa), implosão dos ecossistemas, preconceitos e perseguição de minorias, conflitos étnicos e culturais entre povos, colapso dos sistemas previdenciários e dos mercados de trabalho no mundo inteiro etc.


(Benjamin Teixeira de Aguiar)
– Eugênia, você me pediu, nesta madrugada, que entretecêssemos um diálogo sobre o “11 de setembro”. Quer propor alguma abordagem específica?

(Eugênia-Aspásia) – Não. A visão interdisciplinar é a mais apropriada à compreensão de circunstâncias, acontecimentos históricos, personalidades humanas, fenômenos naturais – em suma: qualquer coisa que se pretenda analisar.

(BTA) – Certo. Sou todo ouvidos, como creio estarão também nossos(as) leitores(as).

(EA) – O simbolismo da data foi muito significativo. O primeiro ano do século e do milênio. O nono mês do ano – o número 9 sempre foi considerado místico, por constituir a trindade da trindade, que, por sua vez, representa a perfeição. O dia 11, que perfaz a unidade aditada à dezena, remete a outro início de ciclo, mas não um começo sem passado e sim estruturado sobre algo previamente existente: o acúmulo de desatinos dos séculos e milênios transatos.

Por outro lado, cabe lembrar que o principal e mais emblemático foco de ataque terrorista, naquele fatídico dia, o “World Trade Center”, era de fato, conforme denota o próprio nome, um centro internacional de comércio, e não propriamente um símbolo com exclusivo caráter norte-americano. Veem-se, pois, um vício e uma glória da contemporaneidade. O vício da supervalorização dos interesses materiais, com menosprezo ou preterimento de outras motivações existenciais. E a glória da globalidade, da interconectividade entre todos os indivíduos, nações e povos, integração essa que marca, de modo inequívoco e concreto, muito além de uma conotação meramente alegórica, filosófica ou poética, o novo ciclo civilizacional que a humanidade terrena adentra.

Não se pode mais fugir, nem mesmo provisoriamente, como outrora, das consequências de eventos de vulto, que no presente se desdobram em proporção planetária, atingindo rapidamente todos os quadrantes do orbe. Mais evidentemente do que em qualquer outra época, somos uma só família, um só corpo social, uma “aldeia global”, para citar o célebre conceito cunhado pelo filósofo, sociólogo e educador canadense Marshall McLuhan.

Essa proposição, que parecia envolta em certo ar psicodélico e surreal, de tão pouco crível ao vulgo de antanho, hoje, quatro decênios depois, soa tão objetiva e precisa quanto a linguagem binária – que então começava a sair do campo ficcional, sendo freneticamente laborada em núcleos de “processamento de dados”, munidos de gigantescos “mainframes” sob comando de peritos(as) de jaleco e prancheta à mão, a observarem, em ambientes isolados e climatizados, sucessivas “geladeiras” enfileiradas, com suas luzezinhas piscando nervosamente e enormes fitas magnéticas girando para um lado e para outro, velozmente.

(BTA) – Naquele 11 de setembro de 2001, esperamos guerras de arrasamento global, uma terceira grande conflagração mundial, opinião essa partilhada, em coro, por inúmeros(as) especialistas em política internacional. Aguardamos o pior, e parece que esses vaticínios sombrios não se concretizaram.

(EA) – Porque outros, também dantescos, estão em curso. Os ecossistemas que periclitam. As tecnologias bélicas e as armas de destruição em massa, sejam biológicas, químicas ou nucleares, que se disseminam como vírus, inclusive entre grupos de índole xenofóbico-fundamentalista. O ateísmo que prolifera, mormente em nações cultas, desesperando hordas infindáveis de adolescentes e adultos(as) de todas as idades. O cerco da droga que estrangula e seduz o desespero das multidões. O colapso do sistema previdenciário nas sociedades mais desenvolvidas, cada vez mais longevas… e mais envelhecidas. O encolhimento assustador do mercado de trabalho, em toda parte, produzindo legiões intermináveis de jovens desempregados(as), dada a absorção progressiva de funções braçais ou simplesmente técnicas (que antes ocupavam milhões de braços) por máquinas várias vezes mais ágeis e eficientes que os seres humanos. O despreparo dos países pobres que adentram essa nova realidade pós-industrial da comunidade internacional. A resistência das grandes potências, ditas instruídas, em abraçarem os princípios do progresso baseado em serviços, ciência, arte, religião, entretenimento e turismo, com que se poderiam precatar da decadência que levou à debacle outras civilizações do pretérito, como a romana e a babilônica, implodidas nos excessos e degradações de “seus filhos e filhas”…

Nos dias atuais, entrementes, há uma particularidade perigosíssima para essa eventual bancarrota de nosso “establishment”: a organização socioeconômica e política hodierna é monolítica. Por conseguinte, sua provável falência não poderá ser localizada, como se deu em quadras remotas da história humana na Terra, mas desencadeará, em efeito dominó, à guisa de sinistra praga, uma pulverização de instituições, ícones e baluartes da paz e da segurança públicas, fazendo o mundo inteiro desabar, com seus sistemas bancários, econômicos, socioculturais… morais…

(BTA) – E o que você sugere, neste momento tão delicado e complexo que atravessamos?

(EA) – Acostumarem-se todos(as) à complexidade – porquanto ela aumentará. É um fenômeno inexorável e irreversível: conhecimento gera mais conhecimento; descobertas científicas desembocam em ainda maior avanço das ciências; cultura fomenta saltos a patamares mais amplos e profundos de manifestação artística, de instrução acadêmica, de elaboração de correntes alternativas de pensamento etc.

(BTA) – Isso quer dizer que devemos conquistar, individual e coletivamente, níveis mais altos de maturidade.

(EA) – Exatamente. E pelo único meio que há: a educação de sua espiritualidade, lato sensu – o espírito de propósito, de serviço ao bem comum, a uma causa maior, à intemporalidade da consciência humana, a Deus, ao Amor… como se queira designar o próprio ideal, ou seja, o que confira razão à existência e aponte uma direção, uma finalidade altruística.

Importa destacar, todavia, que o amadurecimento psicológico coletivo só será possível se houver uma propagação, igualmente em larga escala, de ideias de imortalidade, espiritualidade e fé que se façam consistentes, porque assentadas sobre um alicerce firme de racionalidade, atualidade, abertura ao novo e ao futuro, quanto depuradas dos laivos dogmáticos, moralistas e opressivos que tanto caracterizam as alas religiosas mais reacionárias.

(BTA) – Essa tarefa afigura-se-me inexequível, de tão intrincada… Você teria alguma recomendação?

(EA) – A laicização das religiões e dos movimentos espiritualistas de um modo geral – um paradoxo que precisa ser enfrentado com intimorata coragem. Nossa instituição realiza uma iniciativa com esse feitio. Nos últimos meses, lentamente delineamos as bases e os contornos conceituais e organizacionais de uma escola de pensamento espiritual-cristão desvinculada de quaisquer partidos de crença e voltada ao atendimento das demandas das mentes contemporâneas, que não mais aceitam o radicalismo misoneísta das doutrinas religiosas conservadoras, nem o materialismo alienante das academias de ciência menos alinhadas com a modernidade.

(BTA) – Você aventa a abolição das religiões?

(EA) – Jamais! Isso seria uma utopia irresponsável e pueril. Já se postulou semelhante despautério, com o ritual de “coroação” de uma prostituta nua que, personificando a “déesse raison” (deusa razão), foi encarapitada no altar-mor da Catedral de Notre-Dame de Paris. E vimos a magnitude do caos que se alastrou não somente na França, mas em toda a Europa, por décadas sucessivas de barbárie, com o horror das falanges napoleônicas a dizimarem milhões de vidas… e de esperanças.

Nunca proporíamos, outrossim, o fechamento de laboratórios e centros de pesquisa, condenando-os por praticarem a “vil ciência reducionista”, como propugnam alguns círculos esotéricos, ao preconizarem, com boa dose de acerto neste particular, o princípio holístico do protoparadigma, denominado holográfico.

Precisamos, urgentemente, aprender a conviver com a diferença, com toda ordem de minorias, incluindo aquelas que ironicamente ainda representam expressiva parcela da população: as das almas resistentes ao fluxo irrefreável das correntezas evolutivas da história e apegadas a antigos modelos de interpretação da realidade, completamente inadequados a lhes proporcionarem uma interação mais lúcida, fraterna e feliz com seus(suas) irmãos(ãs) em humanidade.

Sugerimos, tão só, que todas as gentes, não interessando se religiosas ou agnósticas, se adeptas da ciência materialista tradicional e seus ditames dos séculos passados ou integrantes de educandários alternativos qual o nosso, trabalhemos por reconhecer a importância da autêntica espiritualidade, como sendo a viga mestra da natureza humana, o apanágio fundamental e a mais visceral aspiração do domínio hominal de consciência: a busca de significado, de propósito para viver.

E, indubitavelmente, não há sentido algum na perspectiva tosca, mesquinha e sufocante da morte do corpo como o fim da vida espiritual; da existência física como um acidente sem razão de ser; do universo como um evento casual que brotou do nada, sem qualquer nexo ou essência supraordenadora, transcendente, divina…

(BTA) – As pessoas então carecem, gritantemente, de Deus…

(EA) – Sim. E tão mais quanto mais declarem não precisarem. A impactante expressão latina “blasphemare absens fides” (em tradução livre: a blasfêmia da falta de fé) bem retrata o perigo implicado nessa contingência que favorece toda gama de intrusão psíquica destrutiva, na vida de indivíduos e coletividades inteiras, pela repressão inconsequente de um impulso humano basilar e primacial.

Por sinal – convém reiterar o que já afirmamos noutras ocasiões –, a neuroteologia, uma nova disciplina no âmbito das neurociências, tem declarado, enfaticamente, existirem, na constituição neurofisiológica do cérebro humano, regiões especificamente destinadas a vivências religiosas, místicas ou espirituais. Logo, mesmo sob uma ótica científica, é impraticável ignorar a espiritualidade.

Ademais, não sendo admitida, essa necessidade axial será recalcada e, assim, se degenerará no inconsciente (como ocorre a qualquer vetor supresso da vida psíquica de vigília), tomando feições teratológicas e voltando-se, em primeira mão e máxima medida, contra a própria pessoa que pretendia, em vão, debelar tal estrutura constituinte de sua psique. E o(a) incauto(a), dessarte, se exporá a formas diversas de vício, tendência criminógena ou mesmo enfermidade orgânica fatal.

A extinta União Soviética e a China de meados do século 20, com seu ateísmo oficial e sistemas totalitário-tirânicos de poder, encabeçados pelas bestas genocidas Stalin e Mao-Tsé-Tung (responsáveis, respectivamente, pela execução de 20 e 70 milhões de compatriotas), atestam tragicamente a que extremos de degenerescência pode chegar o ser humano, quando se desconecta de sua espiritualidade, afastando-se do eixo de seus mais sagrados sentimentos e valores morais.

Corações de boa vontade que portem convicções espirituais sinceras, de qualquer credo, e mesmo aqueles que não se sentem pertencentes a nenhuma filiação religiosa convencional, devem envidar todos os esforços que lhes estejam ao alcance, no intento comum de salvar o globo de sua maior ameaça: a espécie humana.

Obviamente, os(as) próprios(as) homens e mulheres, mais do que quaisquer outras criaturas, pagarão o preço (e já o pagam, minimamente) pelo desequilíbrio perpetrado, carpindo as consequências diabólicas (do latim: “diabolus” – o que separa) de seus hábitos ruinosos e da alienação que os(as) impede de se perceberem como são: componentes inextricáveis da teia da vida e não mandatários(as) ou usufrutuários(as) da rede de sustentação da biosfera no orbe.

(BTA) – Mais algo a dizer?

(EA) – Não. Oremos e disseminemos a paz. Façamos o bem que nossos recursos e talentos pessoais nos propiciem. E deixemos o demais ao encargo de Deus e das Autoridades Espirituais que Lhe cumprem os Perfeitos Desígnios para o planeta.

Benjamin Teixeira de Aguiar (médium)
em diálogo com Eugênia-Aspásia (Espírito)
10 de setembro de 2009