Benjamin Teixeira
pelo espírito Eugênia.

Eugênia, uma perturbadora entrevista foi publicada em semanário nacional (*), com o filósofo norte-americano David Livingstone Smith sustentando a tese de que a mentira seria uma prática não só generalizada, como necessária à vida em sociedade, chegando a afirmar que quem mente com desenvoltura adquire maior sucesso e fortuna. De forma chocante, mas com bons argumentos, disse que as relações interpessoais seriam um caos, caso as pessoas se decidissem a falar sempre a verdade, com a suspensão, por exemplo, das pequenas mentiras que são ditas por boas maneiras. Por outro lado, alerta que existe a mentira patológica e/ou profissional, como a que costuma grassar entre políticos, que não deve ser confundida com a mentira “normal”.  Em que medida esta tese pode ser moral e espiritualmente sustentada? Você poderia nos instruir com sua ótica sobre o assunto?

Sim, claro que posso. Deve-se ter muito cuidado com o uso de certos conceitos; com as generalizações, sempre unilaterais; com o perigo da falácia cínica do negativismo moral. Entretanto, a despeito disso, não se pode negar que, realmente, a transparência absoluta é completamente impraticável na vida em sociedade, quando se está falando das comunidades humanas heterogêneas, em termos evolutivos e culturais, como as da Terra atualmente. Somente entre pessoas extremamente maduras e moralmente afinadas pode presidir um sistema de convívio com total abertura. Um pai não pode dizer tudo a seu filho, em faixa etária infantil, sob pena de destruir-lhe a mente frágil, inapropriada a absorver determinadas informações mais complexas e densas. É imprescindível evitar revelar dados que não podem, nem devem ser revelados, inclusive para que não sejamos irresponsáveis e inconsequentes na proteção de patrimônios culturais, morais e materiais sob nossa guarda. Terapeutas, médicos, conselheiros espirituais, em outro exemplo, não podem entregar informações íntimas de seus atendidos e devem mesmo mentir, caso não possam omitir dados que pertencem aos que lhe honraram com a confiança integral. Não há nenhuma nobreza ou virtude em se entregar o poder à maldade alheia. E informação é poder.  Falar a verdade, portanto, dependendo da situação em foco, pode ser criminoso. É, inclusive, uma das armas mais eficientes e letais, que difamadores e delatores usam para fins pérfidos. Mas observe a ordem de considerações que faço. Um pai ou uma mãe podem ocultar uma informação de seu filho e, pela falta de meios para contornar a mentira, dizer, em sentido literal, uma inverdade, mas com o fito de defender e zelar pela paz e bem-estar de seu rebento. O que vai caracterizar, assim, a decência do ato ou não, como se pode notar, são a intenção, os resultados colimados e os efeitos objetivos que de fato decorrem deste ato.

Cabe considerar, outrossim, que, para se driblar a expressão de dados confidenciais em situações sociais, exige-se uma certa dose de tato psicológico e relacional, além de relativa habilidade lingüística, que nem toda criatura humana, na Terra, ostenta. Conta-se, para ilustrar esta assertiva, de um mártir do Cristianismo primitivo que conhecia certo esconderijo de Paulo de Tarso, mas que, ao ser interrogado sobre tal lugar, por autoridade militar romana que tencionava prender o apóstolo dos gentios, respondeu-lhe: “Paulo está com Jesus”. Simples, mas sábio e dificílimo reagir-se desta forma, sobremaneira em conjunturas melindrosas em que não se pretende deixar claro estarem-se ocultando informações, e com isso não se magoe um interlocutor sensível e a quem se queira bem. Assim, a mentira pode surgir como um último recurso, para a salvaguarda de valores maiores, quando a omissão da verdade (sem a mentira) não é possível.

Já a mitomania surge quando o indivíduo supõe que pregar inverdades seja uma forma inteligente de ascender na vida. Os mitômanos são sempre flagrados e sofrem prejuízos por isso. Podem até, com inteligência, atingir posições de poder e fortuna, mas será que conseguem manter a confiança e o respeito dos entes queridos, e, assim, estarem em paz com a própria consciência e felizes?  Mas, como sempre, há casos e casos.  Homossexuais, por exemplo, em quase todos os tempos e culturas, ocultaram suas relações de intimidade, sendo obrigados a mentir, sempre que eram expostos ou forçados a falar abertamente de suas preferências, em função do poder devastador dos preconceitos que os arrasaria ou mesmo lhes roubaria as vidas.

Como as fronteiras entre o bem e o mal são muito sutis, e a temática, por demais subjetiva e complexa, podemos dizer, seguramente, que todo mal pode ser um bem, conforme circunstâncias, motivações e finalidades envolvidas. Suicídio é, em tese, um dos erros mais graves em que pode incorrer uma criatura senciente. Mas, feito, sinceramente, na intenção do sacrifício pessoal, pela salvaguarda da vida alheia, como vemos nos atos heróicos de bombeiros, salva-vidas, policiais, ou mesmo soldados em campos de batalha, pode, de fato, converter-se num ato de valor diametralmente oposto, glorioso: o martírio. Jesus, a exemplo disso, tinha poder de sobra para se libertar de Seus crucificadores, mas permaneceu inerme, deixando-se ser morto. Assassinato será sempre assassinato, mas quando o homicídio é perpetrado como última alternativa de defesa da própria vida ou de outras pessoas, entende-se que se está realizando um ato não só permitido, mas mesmo moralmente obrigatório, como no caso de um pai de família que consegue deter o gesto assassino de um mal-feitor que lhe ceifaria a vida dos filhos. Em resumo, como disse a “doutora da igreja” Teresa de Lisieux, Deus vê muito mais a intenção que a ação. E, se a justiça humana considera agravantes e atenuantes em qualquer gesto criminoso, podendo mesmo absolver completamente um indivíduo, incurso no mais hediondo ato de violência, de acordo com as intenções comprovadas e o contexto observado, que não se pode imaginar faça por nós a Infinita Misericórdia Divina, em avaliando nossas limitadíssimas condições humanas?

(Diálogo mediúnico travado com o médium Benjamin Teixeira, em 22 de outubro de 2006. Revisão de Delano Mothé.)

(*) Revista “Veja”, edição 1978, de 18/10/2006.

Fonte: http://www.saltoquantico.com.br