Benjamin Teixeira
em diálogo com o espírito de
Marlene Dietrich.

(Observação da equipe editorial:
O capítulo de “O Instituto Voltaire” desta semana foi substituído por este interessantíssimo diálogo mediúnico, em virtude de sua extensão e ineditismo. Estamos evitando trazer a lume mais de uma mensagem longa, na mesma semana, para que o prezado internauta não se frustre com a dificuldade em acompanhar o ritmo das publicações neste site.)

Intróito:

Há 19 anos que trabalho como médium em atividades espíritas, e há 21 que sou fã dela, considerada um dos maiores ícones da História do Cinema. Nunca me passou pela cabeça que, um dia, ela se dignasse travar um contato direto com minha reles pessoa, através das faculdades mediúnicas. Mas foi o que aconteceu em nossa reunião mediúnica desta terça-feira.

Apesar de alemã – e ser germanófona, em considerando a língua materna, por conseguinte –, Marlene Dietrich era poliglota, e, “poooooddddrrrre” de chique, usava, volta e meia, o francês para se comunicar em ambientes internacionais. Foi assim que ela apareceu em nosso humilde grupo mediúnico (outros quatro médiuns presentes ouviram falas em francês por parte dos desencarnados, sem que um soubesse da experiência do outro até o fim dos trabalhos), cantarolando, quase aos meus ouvidos, a célebre canção francesa: “Padam… Padam” – que conheço pela interpretação de outra diva, esta encarnada e francesa, Mireille Mathieu, hoje com 60 anos de idade.

Vestindo um longo de elegância impecável, com um casaco de pele sobre os ombros e envolto nos braços, num tom sobre tom de pérola com gelo – pelo que pude notar –, fazia uso de uma piteira com um sucedâneo do cigarro (que não é propriamente tabaco), na mais glamourosa versão do estilo arrebatador e fulminante de “femme fatale” que a imortalizou nas inolvidáveis películas de Hollywood, sobretudo na primeira metade do século passado.

Nervoso, porque não havia levado o laptop para a reunião, senti que não seria possível verbalizar o contato (embora não tenha entendido, com clareza, o motivo deste impedimento). Assim, não resisti e ousei indagar: “Seria muito pedir que me procurasse mais tarde, em meu apartamento? Dispõe de tempo para isso?” E ela respondeu, ainda em francês, que se sentia “honoré” (honrada) com a minha proposta de uma “audience privé” (audiência privada) – num rasgo de modéstia infinita da grande e imortal estrela das telas.

Seguem-se trechos (os publicáveis) da conversa insólita que se deu entre nós dois, já depois de 1h da manhã desta quarta-feira, 19 de setembro. Neste segundo encontro, diferentemente do que ocorreu na reunião mediúnica, fizemos uma fusão mental mais profunda, para que eu pudesse colher suas idéias e as codificasse em nosso idioma luso, já que não conheço francês, nem alemão. O inglês poderia ser utilizado, com alguma dificuldade de minha parte, mas, sem dúvida, é-me muito mais fácil, na condição de médium psicógrafo, a comunicação mental, pelo que, assim, utilizei este sistema para o trabalho que é agora apresentado ao público, obviamente com supervisão dos orientadores espirituais.

Benjamin Teixeira.
Aracaju, madrugada de 19 de setembro de 2007.


O Diálogo:

(Benjamin Teixiera) – Marlene!… é você mesma?

(Marlene Dietrich) – Sim, e por que não poderia ser eu?

(BT) – Meio surreal. Você sempre foi uma diva para mim…

(MD) – Os valores aqui se subvertem, ou, como seria melhor dizer: tomam a versão certa. Quem é realmente “importante” para Deus e Seus Representantes pode se tornar inacessível, almas humildes e puras, desconhecidas no mundo, mas muito bem conhecidas pelas Autoridades de Cá. Eu, porém, fui uma mulher comum, muito comum por sinal… (risos)

(Marlene faz um ar charmoso impagável, bem típico às suas performances de sedutora irresistível, soltando, insinuante e lentamente, uma longa nuvem de fumaça, como a fazer comédia e pouco caso, com a própria imagem de “sex symbol”.)

(BT) – É que eu a admiro muito, desde quando, aos 15 anos, em janeiro de 1986, assisti, pela primeira vez, ao clássico, estrelado por você, “O Jardim de Allah”, que completava, naquele ano, cinco décadas de produção e lançamento.

(MD) – Sim, tomei conhecimento dessa sua admiração. Agradeço. É bom que saiba, porém, que não vim apenas por isso, mas porque meus Superiores desejavam fossem publicados dados sobre meu trabalho por aqui.

(BT) – Nem sei o que perguntar… por onde começar… ‘tou meio embaralhado… desculpe-me… acho que deve entender…

(Novo ar de riso intraduzível, com as pálpebras ainda mais caídas, quase a se fecharem… Marlene parecia se deliciar com o poder de fascínio que exercia sobre mim, como tinha sobre todos, no passado. Mas havia neste seu olhar, também, algo de um “Ora, deixe disso…” ou “Não seja tão bobo…” Foi ela mesma quem tomou, então, a iniciativa:

(MD) – Que tal começar pelo que eu acho que fui?

(BT) – Pois não…

(MD) – Uma mulher frívola, na mais plena expressão da palavra.

(BT) – Somente isso?

(MD) – Sem dúvida.

(BT) – Mas você foi vítima das limitações culturais de seu tempo. O machismo impedia, com raras exceções, que as mulheres de talento se posicionassem como poderiam. Você era muito culta, e sua campanha, na época da Segunda Grande Guerra, animando, no front, os soldados do lado dos aliados, contra os seus próprios patrícios, por uma questão de defesa dos princípios de liberdade e democracia, foi um ato de bravura e idealismo louvável ao infinito.

(MD) – Agradecida, “mon cher” (*1), mas poderia ter feito muito mais. Era uma mulher rica e influente, e dediquei muitos de meus anos a ócio completamente dispensável. Poderia me ter dedicado a mais causas humanitárias, como algumas celebridades da atualidade o fazem.

(BT) – Compreendo… Mas isso é uma característica dos dias de hoje. Soaria bizarro demais por aquele tempo…

(MD) – Alguém teria que começar. Poderia ter sido eu. Lamentavelmente, era centrada demais em mim mesma, para pensar em ideais que me constrangessem ou incomodassem minha rotina confortável e… horrivelmente monótona!

(Marlene fez um gesto largo com a piteira, soltando mais uma longa baforada de fumaça… O olhar, mais enigmático, perdia-se no infinito, como a falar de um sentimento de culpa indevassável.)

(BT) – Foi fácil para você, Marlene? Digo: sua chegada por aí, no “outro lado” da Vida?

(MD) – Estava um pouco atordoada. Levei algumas semanas para despertar completamente. E, quando aconteceu, supus estar internada num hospital do plano físico. Sofri um magnífico susto, quando me olhei no espelho pela primeira vez… havia remoçado uns 15 anos pelo menos (*2). Soltei um pequeno grito, tocando o rosto, bradando para mim mesma algo como: “Céus! Que ‘lifting’ (*3) formidável foi este?” Só que me dei conta de que, além do aspecto externo, estava bem mais disposta, como se não fosse só uma questão de estética, mas realmente houvesse rejuvenescido. O processo continuou, nos meses seguintes, até que estacionei na aparência da faixa etária que ostento agora, que, segundo os mestres daqui, é o que melhor representa meu perfil psicológico (*4).

(BT) – Isso deve ter sido ótimo para você!…

(MD) – Ulalá!… Não faz idéia quanto! É um pesadelo envelhecer, quando se quer ser imortalizada jovem… Houve quem tivesse problemas mais graves que eu, neste campo de padecimentos necessários… (*5) Todavia, não fiquei indene de muito me exasperar, lutando contra o inevitável. Não havia uma preocupação justa com a saúde, mas uma batalha perene e inglória contra um fenômeno insopitável, por mera vaidade e desejo de me perpetuar no posto que me foi conferido, nos meus 31 anos: “The Blond Venus” (*6). Aprouve à Divina Providência, sabiamente, que eu vivesse no corpo por mais 60 anos, desde que recebi esse título, para que sofresse a desilusão necessária à minha alma fútil e esnobe.

(BT) – Você me falou que foi enviada para falar de seu trabalho. Que trabalho seria este?

(MD) – Faço shows em regiões de sofrimento de nossa dimensão de vida. Muitos milhares dos que assistiam aos filmes em que atuei, nas décadas de ’20, ’30, ’40 e ’50 do último século, estão hoje “afundados” em zonas de padecimento que visito, acompanhada de uma equipe de médicos, psicólogos, religiosos e outros técnicos de nosso plano de ação. Meio ou totalmente alienados da própria situação de desencarnados, impressionam-se com a minha aparição inesperada, e despertam para performances que começo a executar – como muito fiz nos últimos anos de minha carreira (*7) –, à la “Broadway”, em plena “lama do umbral” – para usar uma expressão de vocês. Uma aparelhagem móvel e facilmente desmontável é utilizada para tanto, e homens ágeis instalam palco e iluminação, sistema de som e cortinas, em espaço de poucos minutos, retomando, nos mesmos céleres minutos, toda a estrutura, quando o trabalho é encerrado. Com a alegria que sentem em me ver, os angustiados de nossa freqüência de vida melhoram seu diapasão vibratório, e os socorristas têm oportunidade de resgatá-los das furnas horrendas em que se escondem e chafurdam… Fico muito feliz por fazer, do Lado de Cá da Existência, o uso de minha celebridade que não fiz quando encarnada. Foi uma forma que meus chefes espirituais descobriram de eu me compensar pelas omissões e excessos a que me entreguei (*8).

(BT) – Mais algo desejaria dizer?

(MD) – Sim. Que as mulheres não se preocupem tanto com cuidar da beleza física, ao menos não só da beleza física. O corpo material entra em decadência, mais cedo ou mais tarde, inexoravelmente. Os valores da intelectualidade e do caráter, porém, são os que nos ficam para sempre. Sobretudo, permanece conosco, por toda a eternidade, o patrimônio inaquilatável de nossas “boas obras”, na linguagem das tradições cristãs. Nossos atos e escolhas nos engrandecem ou nos envilecem. Estejamos, portanto, atentos para eles, porque a vida no veículo orgânico passa, de fato, muito rapidamente…

(Diálogo travado em 19 de setembro de 2007. Revisão de Delano Mothé.)

(*1) “Meu caro”.

(*2) Marlene Dietrich desencarnou aos 91 anos de idade.

(*3) Técnica de cirurgia plástica no rosto.

(*4) A grande diva do cinema antigo me apareceu como uma senhora de aproximados 50 anos, muito bem tratada, sem uma ruga sequer. Remoçou, ao desencarnar, portanto, algo em torno de 40 anos! Este processo pode ser condicionado pelos mentores espirituais, ou se dar automaticamente, numa reflexão espontânea de padrões psicológicos do indivíduo.

(*5) Veio-me, de imediato, à mente, a figura de Greta Garbo, a atriz sueca que fez sucesso em Hollywood, assim como Marlene, que foi sua contemporânea e maior rival, nos denominados “anos de ouro de Hollywood”: os da década de 1930. Garbo resolveu se esconder do público, aos apenas 36 anos, em 1941, para que o mundo não acompanhasse seu envelhecimento. Desencarnaria apenas em 1990… Passou, portanto, impressionantes 50 anos reclusa, depois de conhecer a glória… apenas para não demonstrar que também ela sofria a decadência física imposta pelo tempo…

(*6) Título de um dos mais famosos filmes estrelados por Marlene, rodado em 1932, poucos anos depois de ela chegar a Hollywood. Marlene desencarnou, em 1992. Desde 1978, aos 77 anos, imitara a atitude que sua colega de estrelato acima citada, Greta Garbo, havia assumido aos 36: isolando-se em um apartamento em Paris, para ocultar do mundo a decrepitude em que carpia e consumia sua vaidade, em dolorosa solidão.

(*7) A grande estrela do cinema mudo e dos primeiros anos do cinema falado também teve uma das mais longevas carreiras do “show business”, apresentando-se, para platéias do mundo inteiro, vestindo meias-calças, mas sempre mostrando fatias expressivas das mais famosas pernas de Hollywood.

(*8) Marlene quis minudenciar aspectos menos elogiáveis de sua vida íntima, mas eu lhe disse, enfaticamente, que não seria necessário publicar tal material, com intuito de lhe não violar a privacidade. Um gesto muito humilde de sua parte – querer trazer a lume seu lado menos nobre –, mas compreendi, com apoio de Eugênia, que não seria apropriado corroborar-lhe a iniciativa, tornando-me co-autor mediúnico.

(Notas do Médium)