Benjamin Teixeira
pelo espírito
Eugênia.

A vitória ou a derrota residem nos detalhes – já foi dito alhures. Sempre que se sentir soçobrar, ante ingentes provações, torne a pensar no óbvio, e se surpreenderá com os resultados. Somente crianças, loucos e gênios conseguem pensar o impensável, questionar o estabelecido, desde suas bases, e, com isso, quebrar paradigmas e galgar patamares mais amplos de consciência.

Sem saída? Tente sair por cima. Rompa com a linearidade que o mantém cativo de um labirinto de idéias confusas. Tome uma perspectiva do alto, e terá condições de vislumbrar uma saída. Foi Einstein quem disse que um problema nunca é solucionado no nível em que surge, mas no seguinte.

Obviamente que certas regras jamais deverão ser desrespeitadas, mesmo porque representam princípios de bom senso, lógica e ética. Entretanto, mesmo respeitando-se tais balizas fundamentais de percepção e cognição, a margem de flexibilidade filosófica que subsiste para se elastecer conceitos é virtualmente infinita.

Seja criativo. Vá além do pré-estipulado, sempre que o sistema não lhe fornecer aquilo que precisa. Respeite o direito alheio, seja justo e bom, mas também inteligente. Elimine o pré-conceito de que ser bom é ser bobo. Os bons têm que ser mais sagazes que os maus. Somente assim, com uma malícia afiada, bem maior que a da média, podem se defender dos ataques do mal, sem se imiscuirem com ele. O bom bobo não é bom: é ingênuo.

Assim, sempre que estiver fixado num alicerce de certezas inamovíveis, repense o inquestionável. Já há quase cem anos, a Ciência chegou à conclusão, pelo estudo das partículas subatômicas, que vivemos num universo de indeterminação (Princípio da Incerteza, de Karl Werner Heisenberg). Qualquer indivíduo, portanto, que pretenda instituir seu mundo de valores pessoais sobre estruturas conceituais estanques e imutáveis, está-se condenando ao fracasso e a amargas desilusões.

Ter convicções e princípios é fundamental. Ou seja: as bases para o intelecto e para a moral, respectivamente. Todavia, convicções devem ser reavaliadas continuamente e reformuladas sempre que preciso, na análise isenta de fatos e conhecimentos, reflexões e conclusões novas a que se chegue, tanto quanto princípios são diretrizes genéricas de bem, verdade e vida, susceptíveis a adaptações e relativizações a contextos e circunstâncias.

Quanto à questão dos princípios, cabe um comentário breve, para que sua subjetividade não dê espaço ao perspectivismo de Nietzche ou ao desconstrutivismo que tanto pervagou no século XX, em meios doutos, em nome de vanguardismo de idéias, semeando cinismo e desespero, nas malhas do existencialismo. Ser honesto, por exemplo, é um princípio, mas não mentir é um valor, portanto sujeito a relativizações inúmeras. A intenção por detrás do ato é que lhe caracterizará a natureza boa ou má. Ou seja: a bene-volere, a vontade de fazer o bem, aquilo que se entende por, no verbete derivado do latim para o Português: benevolência.

É evidente que a mentira como hábito é um vício deplorável. Sobretudo porque, ao acontecer, existem intenções sub-reptícias de manipulação do interlocutor em proveito pessoal. É a isso que se chama de mitomania. Entretanto, imagine a situação em que precise mentir para salvar a vida de alguém ou a própria. Imagine que sua casa foi invadida por malfeitores que lhe perguntam se há mais alguém em casa, e você sabe que um filho querido, uma mãe ou alguém a que mais queira bem no mundo, está recluso em outro cômodo. A troco de quê ou em nome de que princípio de verdade e de bem, você diria a verdade em tais circunstâncias? Muito pelo contrário: falar a verdade, nesse momento, constituiria irresponsabilidade, estupidez e loucura.

Situações sutis no dia a dia, não tão dramáticas, podem-lhe exigir comportamentos correlatos, para que defenda patrimônios, valores e ideais de bem comum. Não tergiverse em flexibilizar seus conceitos, para que possa ser lúcido, construtivo, coerente, sensato e, efetivamente, faça o bem, a si e aos outros.

Nos detalhes reside a glória ou a desgraça de tudo. Num detalhe como a intenção, velada, indevassável de uma pessoa, podemos tê-la como santa ou criminosa, a partir da análise de uma mesma dada atitude sua. Daí porque o Mestre dos mestres não autorizou ninguém ao julgamento do próximo, pois que tal é, literalmente, impossível de se fazer, sem uma base meramente especulativa, o que, portanto, constituiria tremenda leviandade.

Não se preocupe tanto com defender valores, e sim a vida, o bem, a utilidade pública. Valores podem estar errados, e, em verdade, já o são, em princípio, por seu caráter circunstancial, relativo a tempo, cultura e lugar. Somente o bem e a vida que promovemos são indiscutivelmente certos.

(Texto recebido em 30 de dezembro de 2000.)