Benjamin Teixeira
por um espírito anônimo.



Nasci nos últimos haustos do século XIX, no ano de 1898. Meus netos, adolescentes uns e adultos jovens outros, à época da “Jovem Guarda”, costumavam brincar comigo dizendo que eu era um museu ambulante, nascido “no século passado”. Hoje, vejo-os de cá, com cabelos nevadas e pele descorada pelo tempo, alguns deles já ingressando na terceira idade, e me rio de como a vida física é efêmera.

Vim até aqui dar meu depoimento, a respeito de como tudo é evanescente e de como vale a pena confiar na vida e em seu poder de renovação. Na minha infância, acompanhei notícias de uma Europa distante, imersa, em muitos aspectos, em sistema feudal de organização sócio-política-econômica, como bem era exemplo a Rússia de antes da Revolução de ’17. Mal havia entrado na adolescência, assistia às minhas primeiras “fitas” – os filmes mudos que eram, para garotos pobres como eu, novidade rara, ainda que nascido na metrópole carioca, a maior do país – e eclodiu a primeira grande guerra. Já era homem, um homem jovem, mas já adulto, quando a terrível conflagração internacional acabou, em novembro de. 1918. Assistimos, então, ao surgimento de esperanças risonhas, com a “Liga das Nações”, criada em 1919. Meu pai, homem culto, que fazia questão de manter o filhos a par do que ia no mundo, exigindo-nos mesmo que sentássemos para ler, diretamente, algum trecho que fosse dos periódicos diários, falava-nos empolgado do fim de todas as guerras, agora que o horror supremo havia acontecido, aquela tão sanguinária guerra de ’14.

Os americanos eram meus modelos de prosperidade e riqueza, paixão que curtia às ocultas, principalmente por meu pai ter sido um ilustre acadêmico formado em Sorbone. Os ianques eram meros novos-ricos para ele. Vulgares, incultos, espalhafatosos e extremamente arrogantes. Os europeus, e sobretudo os franceses, sim, eram exemplo de finesse, cultura e civilização. Papai não entendia porque meu francês era sempre macarrônico, nem por que meu inglês, em contrapartida, ia cada vez melhor, de vento em popa. Dizia a ele, então, que era dado a ler Shakespeare, o grande dramaturgo britânico, e o fato é que, de alguma forma, a desculpa colava. Enquanto isto, não perdia um título sequer dos filmes que eram lançados no Brasil, e, já à época, lia as mensagens em inglês que eram postas entre as cenas mudas, para explicar o roteiro dos filmes. Qual surpresa, porém, quando, em ’29, já casado e pai de dois dos meus quatro filhos, soube do “crash” da bolsa de Nova York. A penúria logo se alastrou para todo o mundo. No nosso país, São Paulo foi o Estado mais abalado, com uma quebradeira geral de grandes cafeicultores, que, àquela altura, praticamente dominavam o cenário político nacional. Café era considerado “item supérfluo”, e, é claro, a queda assustadora das importações fez o preço do café ir a quase zero. Melancólico, acompanhava as notícias nos jornais diários da medonha crise econômica que o grande irmão do norte – que tanto amava – suportava.

Em poucos anos, começou a surgir noticiário de um maníaco que, de algum modo, havia chegado ao posto de chanceler supremo da gigantesca potência derrotada e humilhada na primeira grande guerra: a Alemanha. Recordo-me de que, nas primeiras vezes que li sobre Adolf Hitler, não lhe dei grande importância. Os anos, porém, mostraram-me claramente que subestimei seu potencial. Era já um homem quarentão, quando estourou a segunda grande guerra, em setembro de ’39, com a invasão da Polônia pelo delirante e megalomaníaco Fürer. Fiquei desolado. O confronto mundial já era mais ou menos esperado, por toda gente culta, no mundo inteiro; mas, mesmo assim, era aterrorizante confirmarmos mais uma derrota da fé no gênero humano. A Liga das Nações: infrutífera; os Estados Unidos: afundados ainda no final da “Grande Depressão” dos anos ’30; e a Inglaterra e a França lideradas por homens sem expressão política e liderança popular. Logo, porém, chegou um tal de Churchill ao poder no Reino Unido, e renovamos as esperanças, abatidas, mas ainda assim esperanças.

Devastação, morte, epidemia mundial de febre tifo, lembrando a outra grande pandemia da “Gripe Espanhola” que se alastrou pelo mundo, com o término da primeira guerra. As duas bombas atômicas lançadas sobre o Japão, de Hiroshima e Nagasaki (respectivamente 6 e 9 de agosto de ’45), e, por fim, com o tempo, lentamente, as informações que vinham, em fragmentos, mas chocantes, sobre o Holocausto Judeu.

Mal nos havíamos refeito do horror incalculável da segunda guerra mundial, e vimos as duas super-potências remanescentes da Guerra, armarem-se com um arsenal de armas nucleares, aterrorizando a Terra inteira. Guerra da Coréia, nos primeiros anos da década de ’50. Fracasso norte-americano no início da “corrida espacial”, o medo de o mundo democrático estar definitivamente ameaçado. O “Império do Mal”, o bloco dos países alinhados à hoje extinta União das Repúblicas Socialistas Soviétias, parecendo se estender, sem limites, por todo o mundo. E… 1962… Baía dos Porcos, esperamos que o mundo se esfacelasse naquela noite, mísseis seriam trocados, certamente, pelas duas mega-potências atômicas. O resto do mundo sofreria as conseqüências desastrosas e letais, para toda a biosfera terrestre. Morreríamos aos poucos, com o efeito do inverno nuclear, ou por radiação que se espalharia por todo o globo (o primeiro não conhecido do grande público e creio que nem mesmo de cientistas, por aqueles dias). Vietnam veio, abatendo-me ainda mais a fé nos Estados Unidos, minha nação-ídolo, enquanto, no Brasil a ditadura militar cassava direitos civis elementares.

Estas últimas crises globais e a brasileira acabaram por me abaterem de tal modo que parei no consultório de um psiquiatra. Todas as minhas mais caras esperanças e ideais humanitários jaziam mortalmente feridos, se não já mortos. Uma bênção. Conduzido por Deus e nossos amigos espirituais, como de fato tive confirmação ao chegar aqui, fui levado a me aconselhar com médico espírita, ativo na militância do movimento espírita da época. Foi minha salvação. Certamente nem mesmo teria sido longevo como fui, se não melhorasse rapidamente meu estado de espírito. Eu, sem dúvida, precisava renovar esperanças, e isto seria dado pelo conhecimento e prática do Espiritismo. Tive oportunidade de conhecer e conversar por mais de uma vez, intimamente, com Chico Xavier, e, quando, vinte anos mais tarde, em 1985, os grandes líderes mundiais, Ronald Reagan e Michail Gorbachev trocaram apertos de mão, com a conseqüente, quatro anos mais tarde (1989), Queda do Muro de Berlim e o desmanche da União Soviética (1991), nada mais me surpreendeu, porque sabia que tudo acabaria bem, supervisionados como sempre estivemos, pelos grandes Anjos da Espiritualidade Maior.

Desencarnei feliz e em paz, esperando minha redenção na outra dimensão de vida, na altura de 94 anos bem vividos, em 1992. É bem verdade que as coisas não foram bem como eu esperava. Não me descobri, do lado de cá, com tantos méritos como imaginava ter. Fiz muita atividade caritativa, homem de posses que fui, e, para os padrões do mundo, generoso, mas fiquei sabendo que, para meus recursos e minha convicção espírita, poderia ter feito muito mais, o que, inclusive, esperava-se de mim. Mas, o que gostaria de frisar aqui é a imensidão e profundidade de grandes reviravoltas históricas que acompanhei no mundo, no espaço de uma única existência física, e de como, se até tragédias coletivas têm solução e fim, quanto mais não se pode esperar de reveses e mesmo de desastres de ordem pessoal.

Tudo passa, amigo, e, por fim, o bem prevalece, tanto no plano coletivo, como no individual. Preserve sua fé em Deus e na Espiritualidade Maior, e, por favor, faça melhor do que eu: dedique-se, para valer, ao bem comum, na certeza de que, ao tempo certo, o que foge ao seu controle e parece desgraçado, sempre se converte numa graça, mais cedo ou mais tarde, inclusive para os que mais parecem ter perdido ou nas nos eventos mais desoladores, como foi o caso das grandes guerras mundiais, que fizeram a humanidade avançar, em termos científicos, humanitários e tecnológicos, vários séculos em poucos anos.

Saiba disto, você que se sente derrotado e totalmente perdido, sem perspectivas na vida. Tudo se resolve ao tempo certo, desde que, obviamente, você colabore com o destino e a “sorte”, fazendo sua parte. E se você tem hoje menos de 40 ou 30 anos, não faz idéia da quantidade de grandes reviravoltas que vai acompanhar ou de que vai participar, no contexto do plano físico de vida. Porque se, no século passado, vivi tantas transformações céleres, nem se pode pretender imaginar o que acontecerá d’agora por frente.

Paz, fé e esperança, sempre. O bem invariavelmente vence. Deus sempre vela por nossos destinos. E tudo, inexoravelmente, acaba bem. Isso porque, quando não está bem, como diz o aforismo chinês, não chegou ainda ao fim.

(Texto recebido em 23 de junho de 2005.)