Benjamin Teixeira
pelo espírito
Temístocles.

Veja bem o que precisa. A criatividade não necessariamente aponta caminhos novos, mas formas novas de ver e viver o passado. O novidadismo vulgar constitui vício tremendo a corromper as teceduras da alma, favorecendo a prostituição da consciência, no comércio das conveniências passageiras.

Hegel, o grande filósofo alemão, propunha o retorno às origens, combinando seus elementos com os novos, a fim de se criarem universos novos, no conceito que ficou conhecido por dialética de Hegel. A evolução, assim, estaria assinalada pelo processo de intercurso entre passado e presente, para a geração de um futuro melhor. De fato, sem dúvida alguma, nada se pode construir de novo, sem que esteja assentado nas bases do passado. As tradições devem ser sempre respeitadas, ao menos como material de estudo, como substrato para a constituição de novas configurações para o porvir. O grande literato usará o idioma legado por seus antepassados para suas criações revolucionárias, tanto quanto o físico genial fará uso de toda a matemática que lhe foi deixada por antigos estudiosos, para poder especular além do tudo que se considerava possível até então. O arranha-céu está assentado em alicerces firmes, ou desaba, assim como o avião, que parece rir da lei da gravidade, sustenta-se na força de ascensão gerada pela aerodinâmica das asas.

A mais profunda e brilhante forma de criatividade é aquela que propicia ver com novos olhos a paisagem em torno. Não é preciso atear fogo a Roma para ter inspiração maior, como teria feito Nero, conforme reza a lenda. O panorama em torno, qual o céu sobre nós, continuará, em muitos aspectos, quase sempre o mesmo. O nosso coração, todavia, quanto nosso intelecto podem ser revolucionados para enxergar além das aparências e divisar conexões, associações e interpretações inteiramente inéditas de tudo que apreendem.

Sim, você precisa estar aberto ao novo, ao melhor, ao revolucionário. Mas tenha suas dúvidas quando a fixação por inovação povoa-lhe os quadros mentais. Talvez a dramática necessidade de mudanças externas indiquem-lhe dramática premência de transformação íntima. Quem muito modifica posição da mobília em casa, quem tem impulso constante de mudar de moradia, quem tem ânsia insopitável de viajar, sair e conhecer gente nova, pode ter grande fome de viver ou grande urgência de mudar ou, mais provavelmente, um pouco das duas urgências interiores, conjugadas.

(Texto recebido em 31 de outubro de 2001.)