Diálogo travado entre Benjamin Teixeira e o espírito Anacleto.

O que é o ciúme?

Uma das manifestações egóicas mais perturbadoras do espírito.

 

O que o motiva?

O medo da perda. Um sentimento de exclusividade altamente equivocado faz com que se entenda o outro como posse pessoal. Outrossim, a falta de auto-estima leva o indivíduo, que não se concede o devido valor, a projetar a fonte de valor pessoal em outrem. Além do quê, quando está carente de auto-confiança, a pessoa pode se sentir sem condições de atrair ou manter a estima do outro, o que a leva a se sentir ameaçada a todo momento nos relacionamentos com os entes que lhe são mais caros. Por fim, existe a projeção psicológica, como dos principais e mais freqüentes mecanismos desencadeadores do ciúme. Quem não é confiável tem dificuldades em confiar no outro. Sobretudo quando há uma tendência reprimida à traição, é comum que essa inclinação seja refletida no cônjuge. Em caráter de ilustração final, existem inclinações homossexuais mal resolvidas que podem se perverter em fantasias recorrentes do parceiro em conúbio íntimo com outra pessoa.

Que fazer para estancar o tormento do ciúme?

Primeiro, dar liberdade ao outro, cônscio de que somente quando se solta, pode-se, em certa medida, ter. O paradoxo das relações sólidas está na liberdade irrestrita – já que há confiança ilimitada reciprocamente partilhada entre os parceiros.

Segundo, procurar fortalecer o próprio ego, no sentido de melhorar a auto-estima, observando o próprio valor, a fim de que haja acréscimo da auto-confiança, para não se viver se sentindo vulnerável a tudo e a todos.

Terceiro, fazer um estudo criterioso das próprias tendências promíscuas, que podem estar sendo espelhadas, com fundamento ou não, no companheiro de destino.

Quarto, melhorar a relação, promovendo momentos de ternura, de carinho, de partilha dos melhores sentimentos, desde as pequenas surpresas mimosas até as grandes declarações de amor e de confiança. Quando a relação vai bem, os motivos de suspeita e os medos de término, de abandono e de traição perdem, completamente, sua base de ser.

Quinto, verificar se não está havendo negligência em outros departamentos existenciais, que, por canalização negativa, podem estar criando preocupações desproporcionais com a vida afetiva. Por exemplo, quem não anda realizado profissionalmente, ou no nível espiritual, pode exagerar a importância do parceiro e da vida afetiva em seu universo existencial. Estabelecer o equilíbrio e buscar a totalidade, por meio da ativação de todos os departamentos da vida, é o melhor caminho para se encontrar a paz e a felicidade, no sentido mais pleno que se pode ter desses conceitos.

 

Anacleto, mas há casos em que a pessoa com ciúmes está realmente com alguém que faz jus ao foco de suspeita, muitas vezes cinicamente lançando a culpa no parceiro enquanto desavergonhadamente trai sua confiança. O que dizer do ciúme nesses casos?

Mantemos as mesmas sugestões anteriores. A pessoa que se mantém presa a outrem, nesse nível de relação patológica, apresenta, igualmente, sérias disfunções íntimas que precisam ser corrigidas. Não existem vítimas inocentes, muito embora haja sempre alguém mais responsável pelo que acontece. Se alguém realmente se sente injustiçado, que verifique o que a Vida lhe pretende ensinar com essa experiência e, depois de a lição haver sido apreendida, se o outro continua com conduta inaceitável, deve-se proceder a um processo de deslindamento, de diluição do relacionamento. Trata-se do último ponto a ser assimilado: o desapego, já que ninguém é de ninguém, e, se uma pessoa torna-se motivo de sobrecarga para o processo evolutivo de alguém, deve esse alguém liberá-la, liberando-se, abrindo-se para novos horizontes de experiência.

 

Mas isso não seria fugir de um compromisso por conta de um desconforto pessoal?

Note que disse: se a conduta do parceiro for inaceitável, querendo dizer que todos os parâmetros pessoais do suportável foram ultrapassados. Não estou propondo a fuga irresponsável e sistemática de compromissos, aos moldes adolescentes do medo da intimidade. Há, todavia, relacionamentos realmente inviáveis, em que o bom senso manda se proceda a uma extinção civilizada, para que coisas piores não aconteçam, a começar pelo desperdício completo de toda uma existência, na vala insaciável de energias que constitui uma relação perturbadora, impossibilitando de todo a produtividade e o crescimento dos indivíduos envolvidos, no nível ótimo que seria esperável atingir.

 

Gostaria de dizer mais alguma coisa sobre o assunto ou deixar uma palavra final?

Sim. Que cada um procure ser, mais que ter. Na sanha louca de possuir, os indivíduos acabam estendendo sua paixão de propriedade a pessoas e a si mesmas, passando a se sentir donas e propriedades umas das outras. O foco da vida deve ser sempre o ser, o transformar-se, o crescer, o expandir-se e evoluir em todos os sentidos. O desequilíbrio do ciúme, bem como de todas as paixões, decorre do erro de percepção, que deve ser corrigida, para que se enxergue o que se realmente precisa, para que se veja o problema onde ele realmente está, e se possa, então, por fim, descobrir a solução onde ela de fato existir.

(Diálogo travado em 7 de agosto de 2001.)