Benjamin Teixeira
pelo espírito
Demétrius.

Se quer iluminar alguém, não lhe tire a malícia: acrescente-lhe ainda mais, para que saia da esfera estreita das interpretações vulgares, e gravite em direção a uma profunda compreensão da alma humana.

Se pretende que alguém atinja a transcendência, não lhe tire a ironia e a sátira: dê-lhe ainda mais sarcasmo e logo sua mente saturará o nível do deboche sorrateiro e caminhará para as grandes contradições filosóficas, paradoxos e dilemas morais que confrangem a consciência humana, no rumo do absoluto.

Assim, amigo, se realmente deseja ser bom e puro, não retire de si a visão da maldade e da torpeza, ou será um ingênuo tolo e não alguém espiritualmente redimido. Dessa forma, não lhe criem dramas de consciência o notar em si malícia, ironia e visão das mazelas do mundo. Que você tenha um claro senso de proporções, que não exagere a percepção do pior, eclipsando o melhor, mas que não se evada de enxergar a treva, ou nunca lhe será possível divisar a luz.

Inteligência é o primeiro passo para a transcendência. Não existe o trans-egóico, sem a plena vivência do egóico. É o esgotamento do nível humano que conduz o indivíduo à angelitude. Assim como o cérebro humano constitui uma superposição de camadas neurológicas correspondentes a fases filogenéticas-evolutivas anteriores à humana, como a reptiliana-vegetativa (tronco cerebral) e a emocional-mamífera (cérebro límbico), e lógico-intuitiva (córtex e neo-córtex cerebrais) também a psique humana, sem contradições, é composta por uma justaposição harmônica de múltiplas dimensões psíquicas, referentes a níveis de complexificação consciencial diversos. A multiplicidade do ser não é condenável – é natural. Tentar evitar essa condição inerente à estrutura mental humana é mutilar a psique, criar sérios distúrbios psicológicos se não psiquiátricos e inviabilizar-se o que mais se almeja com toda essa auto-violência: a ascese.

Por fim, não se esqueça de que, enquanto muitos denominaram Jesus de Filho de Deus, Ele, por sua vez, gostava de se referir a si mesmo, meramente, como Filho do Homem.

(Texto recebido em 27 de dezembro de 2001.)