por Benjamin Teixeira.

4 de fevereiro de 1992. Estava com 21 anos. Era o primeiro dia da reunião pública de estudos espíritas, que daria início para nunca mais parar, até os dias de hoje. Surgia, naquele dia, daquela forma, a “Sociedade Filantrópica Maria de Nazaré”, que viria a ser formalizada, como “Associação sem Fins Lucrativos”, dois anos mais tarde, em fevereiro de 1994. Àquele tempo, ministrava minhas idéias, imiscuídas às dos bondosos mentores espirituais, numa sala cedida por minha mãe em sua “Academia Sergipana de Ballet”, ainda ativa até hoje (minha mãe, provavelmente, uma das mais belas mulheres da minha cidade – será que posso ser isento ao afirmar isso? (risos) –, foi a pioneira e introdutora do ballet clássico no estado de Sergipe, fundando a então chamada “Escola Sergipana de Ballet”, em 1965).

Sentamo-nos, naquele 4 de fevereiro, uma terça-feira (nos “primórdios”, os encontros só aconteciam às terças), em círculo, eu, ela, duas de minhas irmãs e alguns alunos da academia, que nutriam alguma simpatia pelo Espiritismo. Aquele ano foi extremamente difícil. Já exercitava a mediunidade tecnicamente, e, no transcurso daquele mesmo ano, introduzi, ao final daquelas reuniões, uma sessão de psicografia pública, que mantive até o lançamento do programa de TV, dois anos mais depois, suspendendo-o, com o fito de não desviar o foco do estudo espiritual, para o deslumbramento com o fenômeno mediúnico. Por duas vezes, naquele ano crítico do início de tudo, ficamos apenas minha mãe e eu sentados no salão vazio de encarnados e repleto de desencarnados (que não via, por aqueles dias, a não ser em muito raros momentos). Além de nós dois, no plano físico, a música de fundo, e a “sinistra” (tornava-se sinistra naqueles momentos) sala de espelhos… Num daqueles dias de deserto completo, não resisti, e, no meio da reunião, recolhi-me para chorar, amargamente, a “derrota” daquela situação, enquanto mamãe, sozinha, levou o trabalho até o fim, também em lágrimas, lendo o Evangelho e comentando-o, para o “vazio”. Estava no “fundo do poço”. Havia parado toda a minha vida (tinha acabado de largar, pela primeira vez, a faculdade de Direito), concentrava-me totalmente no foco daquele trabalho e me era negada a oportunidade de servir no campo eleito da alma, apesar da enormidade de carências espirituais que existiam na humanidade. Era, porém, jovem demais para que alguém me desse crédito, e, os mais jovens que eu não estavam nem um pouco interessados em ouvir-me falar sobre morte e assuntos congêneres, em meio às ilusões inconscientes de vida eterna no corpo que os muito jovens costumam ter e que eu perdera precocemente. No entanto, apesar da bem-acaba manifestação do fracasso, eu não tinha como questionar, dar-me ao luxo de cogitar abandonar aquele caminho que, de fato, seria tão espinhoso: era minha natureza, todo o meu ser e minha alma diziam que não havia nada mais que eu pudesse fazer: eu era Espiritismo, respirava Espiritismo, e morreria por ele e nele, se fosse o caso, não teria como, ainda que quisesse abandonar meu posto de serviço, assim como o capitão atado à sua nau, fosse no instante do naufrágio, ou no momento de glória…

Nossas reuniões acontecem, hoje, no maior auditório da cidade, e absorve, em dias de muito movimento, quase mil almas… encarnadas!, sem contar os desencarnados, em número 2,5 vezes maior. No momento em que os amigos internautas lêem-me essas linhas, estarei nos Estados Unidos, para onde vou, anualmente, desde apenas 4 anos depois daqueles dias tão amargos (1996), com o fito de realizar conferências, em quatro estados do Nordeste norte-americano.

Trouxe a público esse momento particular de minha vida, acontecido há já longínquos 12 anos, para dizer que, apesar de tudo ou contra tudo, devemos seguir nosso coração, e nunca violentar nossa alma, a troco de corresponder a expectativas de quem quer que seja. Isso dizendo, incluo a possibilidade de sermos mal-sucedidos em nossas iniciativas de ideal, porque, ao menos, teremos tentado, teremos ouvido a voz de nossa consciência, de nosso ideal, de nossa intuição, e não passaremos o restante de nossas vidas não só frustrados como sendo assombrados por um ou vários fantasmagóricos “se’s”.

Alguém poderia, entretanto, ao ler-me, dizer: “Mas você é um sucesso. É fácil dizer isso, quando se está no topo do êxito.” Devo trazer a lume, também, como resposta a esse eventual e natural questionamento, uma outra experiência que tive nessa seara complexa e delicada, das mais importantes, a respeito exatamente dessa ordem de divagações.

Logo após as coisas começarem a melhorar, quando consegui realizar meu projeto de lançar o programa de televisão e, principalmente, manter o trabalho de assistência espiritual e “psicológica” às pessoas, nas palestras públicas, senti-me naturalmente feliz e realizado, e, com isso, surgiu-me uma preocupação de ordem moral: será que eu estava feliz por ser um sucesso em uma área tão difícil como a que escolhi, ou por realmente estar fazendo algo que meu coração pedia?

Pois bem, em 1996, no mesmo ano em que fui pela primeira vez aos Estados Unidos fazer palestras e em que já havia lançado não só o programa no meu Estado, como ainda o havia transmitido em “pool” para o Estado da Bahia, e até já o veiculava em uma exibição nacional de TV, via satélite, para quem dispunha de parabólicas analógicas (5 milhões à época), sofri um segundo colapso financeiro, muito inexperiente como era (já havia sofrido outro, no ano anterior), e, desta vez, mais grave o rombo, precisei tirar do ar o programa, durante um mês, aproximadamente, não só em sua versão nacional, como também o local.

No ápice da crise, ouvi um senhor que freqüentava a reunião pública e que vivia entre surtos homéricos de ódio e revolta, por haver falido sua empresa, dizer-me, em particular, estar perplexo com minha tranqüilidade, estando com uma dívida tão grande, e, ao mesmo tempo, sem recursos imediatos ou previsíveis para saldá-la. Estava, é óbvio, tenso e mesmo angustiado em muitos momentos, mas… sereno… e feliz! A reunião esvaziara. De quase já 100 pessoas que freqüentavam o grupo, por aqueles dias de êxito, deveriam haver sobrado, fiéis, umas vinte a trinta almas, boas e dedicadas. As pessoas são aficcionadas em sucesso, e desprezam, cruelmente, quem “fracassa”, e eu era um modelo bem acabado de derrota, que muitos contemplavam com indisfarçável prazer e sentimento de desforra, como que vingados pela minha ousadia de tentar fazer o que ninguém havia tentado, nem realizado, antes. Tinha 25 anos, uma dívida gigantesca, sem renda, sem casa, carro ou profissão (abandonara a prestigiada faculdade de Direito) e tinha, em tese ou num primeiro exame, meu sonho de vida, a que me devotara integralmente desde a adolescência, totalmente arruinado, para gargalhada estrepidosa e debochada dos céticos “realistas”.

Naquele dia, porém, chegando em casa com minha mãe e irmãs, da reunião que continuava fazendo (duas vezes à semana, por aqueles dias: nas terças e sábados), olhei para o céu estrelado, entre os dois espigões do “Condomínio Villa D’Oro” (onde morava com meus pais, que residem lá até hoje) e suspirei, feliz, realizado por ter concluído mais um dia de trabalho, cumprindo minha tarefa, como podia, de disseminar a mensagem de esperança e paz da imortalidade da alma humana. Reduzi o passo, deixando que meu pessoal fosse à frente. E sozinho, lembrei-me de minha preocupação de poucos meses antes. Nossa! Que maravilha! Eu me percebia feliz, em meio ao total caos e decadência financeira e social de minha vida. E eu, simplesmente, “não estava nem aí”, como se diz no vernáculo atual. Estava feliz, porque estava divulgando a mensagem espírita, independentemente de estar falando para milhões, como fazia, pouco tempo antes, ou apenas para 30 almas, como fazia então. Estava cumprindo a Vontade de Deus, fosse ela grandiosa ou pequenina. Minha felicidade aumentou, com aquela constatação, enormemente: porque a ela se somou a paz. Com tantas pessoas a me acusarem de aproveitador da causa espírita (incluindo renomadas figuras nacionais) para me promover pessoalmente, eu próprio acabara por ter dúvidas sobre minhas intenções, cônscio de que é muito fácil se ver como vítima, quando se é o perseguido, e que também o amor-próprio costuma nos defender de percepções mesquinhas a nosso próprio respeito. E… zás!… que fantástico!… Eu tinha agora a prova para mim mesmo!… Era verdadeiro o meu ideal, eu não estava canalizando taras ocultas, para áreas indevidas. Amava, realmente, o que fazia, fosse como fosse… Ainda fitando o firmamento pontilhado de estrelas, suspirei novamente, agora com um largo sorriso no rosto, e agradeci a Deus aquela maravilhosa oportunidade de refazer a minha imagem tão atacada, diante de mim mesmo. Senti-me redimido e em paz, e com autoridade moral para seguir, tranqüilo, em meu trabalho, apesar das numerosíssimas deficiências que portava e ainda porto. Tinha uma dívida vultosa, não sabia se um dia poderia retornar à televisão, mas morreria feliz, a qualquer momento, ou décadas mais tarde, no meu posto de serviço, cumprindo aquilo que o Senhor dos Senhores delegara-me fazer, por meio da voz de minha consciência. “Como a vida é maravilhosa!” – pensei com meus botões – mais um desejo de minha alma havia se realizado, e sabia-o claramente um presente de Deus, um presente especial: a recuperação plena de minha dignidade ante meu próprio conceito. Sabia que muitos estariam, na minha situação, amarguradíssimos e sentindo-se derrotados, e ver-me bem e em paz, naquelas circunstâncias, foi-me magnífico: era, de fato, alguém com maturidade para fazer o que fazia. Não importava mais o que aconteceria depois comigo. Estava em paz comigo mesmo. Esse pensamento, então, ficou comigo, secreto, por um longo… longo tempo…

A partir dali, todos os caminhos tornaram a se abrir. Sinto que a Divina Providência, realmente (não só hoje, como na época, como disse), presenteou-me com a derrota, para que aprendesse a vencer dignamente. E essa foi uma das mais ricas e profundas experiências de minha vida. No ano seguinte, o programa de televisão não só voltou a ser transmitido, via satélite, para todo o Brasil, como passou a ser exibido, semanalmente, nos Estados Unidos da América, em uma emissora de TV por assinatura.

12 anos se passaram, desde que dirigi a minha primeira reunião pública, 1 ano após haver proferido minha primeira conferência, não por acaso no mesmo dia em que minha querida mãe, outra “louca visionária” como eu, reabria, sem recursos, a “Academia Sergipana de Ballet”, após 22 anos fechada, no dia 1o de maio de 1991.

Mamãe foi meu apoio constante, desde aqueles dias, até hoje. Com ela, aprendi a amar e admirar todas as mulheres, principalmente as santas, como a mentora espiritual Eugênia e a figura impoluta da Mãe de Jesus. Hoje, as reuniões da Sociedade, que realizo, em nome dos bons espíritos, recebe não só uma multidão de centenas de pessoas, que afluem não só de Sergipe, como de outros Estados (e até do exterior, em algumas ocasiões). Contudo, por duas vezes, como disse acima, ficamos só eu e ela, no salão “vazio” que ela mesma me cedia em sua empresa, sempre semi-falida, e, invariavelmente, de lá até cá, tem sido ela presença constante, a não ser realmente quando graves impedimentos ou compromissos impostergáveis a impedem de ir.

Hoje, recebi, pela psicografia, mensagem de Eugênia para mamãe. Mandou-me dizer a mentora espiritual que minha avó Ildete (sua mãe), visitara-a hoje, ao fazer ela súplica dramática, invocando-lhe socorro. De fato, mamãe, embora isso lhe seja raro fazer, tinha pedido socorro a “vovó Detinha”, como chamávamos, carinhosamente, minha falecida avó materna, e como Eugênia, sempre doce, fez questão de nominá-la. Mamãe, como sempre nessas ocasiões, agradeceu a intervenção do sábio guia espiritual, e disse como Eugênia era bondosa, por “puxar-nos as orelhas”, nesses momentos de maior dor moral…

Agora, comigo, penso, a partir desse contato entre mamãe e sua mãe, por meu intermédio: que bom que existe esse recurso de comunicação, embora esteja longe de ser o mesmo que conviver com alguém ao nosso lado, e dou graças a Deus por estar-me tornando um médium cada vez mais aguçado, na percepção da outra dimensão de vida, porque, assim, além de melhorar a qualidade de meu trabalho e do auxílio que presto às pessoas, por conseqüência, quando mamãe se for desse mundo, caso vá antes de mim, poderei continuar vendo-a sentada na primeira fila, como faz hoje e desde o primeiro dia das reuniões públicas em 92, em meio à multidão que me procura nas palestras, e, sem que ninguém saiba, vou sorrir para ela, e ela, também como sempre, sorrirá p’ra mim…

É por isso que sou médium e espírita.
O amor vence a morte, sempre.
Acho que todo meu esforço e sacrifício, nessa tarefa tão difícil a que me dedico, há já longos 16 anos, valeu a pena… Sim!… valeu a pena…

(Texto redigido em 31 de janeiro de 2004.)