Benjamin Teixeira
pelo espírito
Anacleto.

Eu mesmo fui levar a notícia a Sua Majestade, Cleópatra, como responsável pelo maior centro de saber do mundo daquela época. A Biblioteca havia se convertido em cinzas, a grande Biblioteca de Alexandria, resultado do trabalho de séculos do pensamento e estudo de inúmeros sábios axiais da humanidade. Tudo havia sido reduzido a clarões fugazes no céu e pó e brasas na terra. Nada mais.

Sabia que a rainha, de quem fora preceptor desde a infância e de quem era conselheiro desde que coroada, mulher de cultura e perspicácia que seriam extraordinárias até para os padrões de hoje, compreendia-me a dor. Nós estávamos completamente cientes da dimensão daquela tragédia. A barbárie vencia. Inesquecível o momento em que nossos olhos se encontraram. O horror silencioso pervagava entre nossas almas: nada precisava ser dito – um silêncio sepulcral tomava o ambiente. Éramos uma plêiade seleta de civilizados, cercados de selvagens por todos os lados. Uma terrível sensação de solidão e desamparo nos envolveu. Os deuses nos haviam abandonado.

Saí da cena da tragédia esgotado, com as vestes em farrapos, após a luta inglória, contra as chamas satânicas, corpo a corpo, em que eu mesmo participara, juntamente a uma parte da soldadesca egípcia e vários de meus discípulos. Findo o momento de horror, recolhi-me a um lugar distante. Escondi-me, queria desaparecer. Dali por diante, nunca mais apareceria em público, assolado por uma tristeza mortal, que de fato me ceifou a vida física, pouco mais de dois anos depois do evento fatídico. Quis me retirar do mundo, quando os bárbaros romanos chegaram. Aquele era um cenário desolador: militares imperialistas solapando a cultura grega (*). Desgosto inconsolável e infinito. Desisti, silenciosamente, de viver. Em vão, diletos discípulos tentavam me reanimar. Não queria mais falar, não queria mais viver. Passara minha vida transcrevendo, copiando antigos escritos para papiros novos, traduzindo livros de outras culturas. Conduzira, a punho firme, mais de duas gerações de jovens discípulos do saber, para o mesmo trabalho, e lá vivíamos num universo à parte, acumulando e preservando o conhecimento humano, para as gerações futuras, quando o primitivismo e a barbaria, tinha plena ciência disso, seriam inteiramente derrotados pelo poder supremo da razão e do conhecimento.

Os clarões daquela noite abominável, porém, não saíam de minha mente. Todos os sonhos de uma humanidade melhor que curtira e transmitira a inúmeros jovens, naquele momento histórico incomparável e medonho, foram completamente consumidos por aquelas labaredas infernais.

Desencarnei, mergulhado em trevas profundas, mas fui, para minha grande surpresa, recebido por grande facho de Luz que se avultava a meus olhos, até que estivesse completamente imerso em um oceano de luminescência branca. O Anjo Maior da Humanidade terrena, misericordiosamente, viera me receber na aduana da outra dimensão de vida:

– Filho, fizeste a tua parte, como emissário da sabedoria no mundo. Não deve se preocupar pela humanidade por quem zelaste como pai extremoso. Precisávamos começar tudo de novo. A barbárie não venceu. Não fora a dor pela perda do saber, haveria a dor maior da perda da própria humanidade, no uso indevido de informações para as quais não estava ainda devidamente amadurecida. Assim, permitimos a eliminação de registros que serão refeitos do futuro, quando a humanidade houver se tornado apta a recebê-los e usá-los corretamente. E, para dar início a essa nova Era, Eu mesmo descerei ao mundo, reencarnando entre os homens, para trazer ao mundo a Vida Eterna.

Jesus nasceria poucos anos depois. Os clarões de Alexandria converteram-se num clarão singular e eterno, com a descida do Cristo ao mundo. Fiquei sabendo, a duras penas, com meu desespero, que, amiúde, o pior pode ser o melhor e que, somente mais tarde, de uma perspectiva mais ampla, temos condições de avaliar e compreender o que de fato se passou. A Humanidade ter-se-ia perdido a si mesma, com o uso de conhecimentos fora de seu alcance adequado na época, como aqueles concernentes aos poderes psíquicos do ser humano. Jesus tinha que primeiro vir ao mundo para falar e viver o amor, para que só depois o resto pudesse ser dito, ou, na verdade, re-dito.

Uma nova Alexandria acontece nos dias que correm. Muita informação preciosa é ignorada, nas chamas da incompreensão das massas inconscientes e brutas para a espiritualidade genuína, mas de forma providencial. O Cristo ainda não aportou aos corações humanos, e, assim, é justo que haja resistências na divulgação de certas idéias, para que não sejam aplicadas contra o bem comum. Assim, toda vez que alguém se vir tentado a dizer que a verdade da vida espiritual está demorando a ser disseminada, acalme-se em sua ansiedade generosa, e lembre-se de que o conhecimento de ordem elevada poderia, ainda hoje, cair em mãos indevidas, fazendo grande estrago nos corações e destinos humanos, um estrago muito maior que os relacionados à ausência de sua divulgação.

(Texto recebido em 13 de julho de 2002.)

(*) Pode soar estranho Anacleto fazer alusão à cultura grega, quando estava no Egito. A sua referência fica compreensível, porém, quando fazemos uma rápida digressão histórica, que aqui nos sentimos na obrigação de apresentar, para contextualizar o(a) prezado(a) leitor(a) e dar a devida dimensão da grandeza da tragédia descrita por Anacleto, bem como da revelação feita por ele, nesta mensagem.

Fundada em 332 AC, por Alexandre Magno, da Macedônia, Alexandria era um reduto importante da clássica cultura grega, ao tempo do famoso incêndio da Biblioteca, sendo que inclusive a dinastia à qual pertencia Cleópatra, Ptolomeu, também era grega.

Há relatos que garantem ter havido, à época, mais de um milhão de livros arquivados no gigantesco acervo da Biblioteca de Alexandria, famosa em todos os rincões do globo, o que seria realmente espantoso para aqueles tempos primitivos, distanciados mil e quinhentos anos da invenção da imprensa.

Inúmeros historiadores lamentam, há dois milênios, os prejuízos considerados irreparáveis daquele evento fatídico e inominável da Antigüidade. Anacleto vem trazer uma luz confortadora, ao que saiba a primeira em vinte séculos, para uma das maiores tragédias da espécie humana.

Sem dúvida, se a Divina Providência permitiu tal atrocidade cultural, um fim útil e importante deveria estar por detrás. A coincidência da proximidade de datas entre o incêndio da Biblioteca de Alexandria e o nascimento de Jesus, apontados por Anacleto, é sintomática de sua revelação, e, no mínimo, muito intrigante e curiosa.

(Nota do Médium)