Benjamin Teixeira
pelo espírito
Eugênia.

Minha querida irmã, mãe sofrida:

Você se casou cedo. Seus sonhos de moça converteram-se, rapidamente, em responsabilidades pesadas e inquietantes.
Sua vida é pensar nos seus, nutri-los, cobri-los, protegê-los, acalmá-los, torná-los felizes. De tal modo condicionou-se a estar a serviço de todos, que, muito raramente, lembra-se de suas próprias necessidades, e, ainda assim, cheia de culpa por não estar pensando nos entes amados que precisam de você.

Lembra-se de seus sonhos de menina-moça, hoje, mais do que o habitual, porque o esposo foi particularmente áspero, os filhos indiferentes, o seu coração sangra, um coração humano, de mulher, e não da santa-sacrificada como eles parecem supor ser você, sem, todavia, nenhum tributo de veneração, nem mesmo de gratidão que lhe compense o esforço contínuo de doação integral de si.

Mas, querida amiga, no ápice de dor, levante os olhos para o Céu, e contemple mais além. A você, coração amado, que já conhece as alegrias de dar, sem esperar nada em troca, lembre-se que o mito de sua vida saiu da influência do arquétipo da Cinderela, para que se tenha postado sob a égide do símbolo da Fada Madrinha. Ou seja: não é alguém que espera que os próprios sonhos se realizem, mas alguém que vive para realizar os sonhos dos outros. E, assim, amável coração de mãe, irmã da comunidade das mães do céu, é você aí o que somos aqui, e se suas lágrimas parecem desconhecidas para o mundo, é conhecida de nós, que lhe aguardamos, de cá, a volta bendita, para aqueles que pensam e sentem como você; e, esteja certa, enquanto o líquido precioso lhe verte dos olhos para o chão adusto dos corações empedernidos que a circundam, sobe como contas de luz para o Alto, onde recebemos os créditos de seu amor ignorado e massacrado, sofrendo por todos sem nada dizer, sofrendo e amando sem nada dizer, sofrendo mas permitindo-se prosseguir na sua trilha de abnegação, quando tinha direito de tomar outro rumo, porque o prazer de dar e a glória de servir é, para seu espírito alcandorado de luz, maior do que todas as honrarias do mundo.

Você, mãe escondida em vestes orgânicas invisíveis, fora dos galarins da visibilidade pública; você, mãe que pensa não ser amada e que se sente esquecida; a você, nosso preito de gratidão, nós que lhe aguardamos de cá, com a festa dos eleitos, para seu breve retorno, para agora ou daqui a cinqüenta anos…

(Texto recebido em 6 de novembro de 2004.)