Na cultura cristã convencional – não na mentalidade crística, que deveria pervagar entre as comunidades que se dizem seguidoras do Cordeiro Imaculado – existe uma presunção errônea de que toda pessoa exornada de posses materiais será representante das forças do mal ou por elas dominadas. Um grande equívoco que precisa ser sanado, e que já vem de longas eras, dos primórdios da primitiva comunidade cristã, quando Paulo asseverava, a seus pupilos preconceituosos, que também havia santos na casa de César. Curioso notar como, até hoje, a mesma prevenção subsiste em relação aos favorecidos da sorte material. Neste e no próximo capítulo do Andrômeda, trataremos de duas visitas que fizemos a santas da opulência em território sergipano, utilizando aqui a palavra santo na conotação original que lhe era dada entre os que compuseram as primeiras assembleias cristãs, de alma voltada para Deus, em cujo interior, devotado às questões do espírito, o bem prevalece sobre o mal, consciências já amadurecidas, em relação ao padrão médio terrícola, que já se fazem representantes do Plano Superior quando reencarnadas, disseminando luz e paz com quem cruzam caminho.

Na bela orla de Aracaju, ainda na Praia 13 de Julho, a antiga Praia Formosa, um paredão de edifícios luxuosos ergue-se sobranceiro, ostentando o lamentável insulamento em que os ricos dos conglomerados urbanos brasileiros se confinam, como que encarapitados em fortalezas verticais, aprisionados em torres doiradas, em que voluntariamente se encapsulam.

No terraço de um dos mais refinados deles, faria uma visita especial. Serena, nossa bondosa companheira reencarnada, irmã de Armindo e mãe de Helena, iria começar seu Culto do Evangelho no Lar, semanal. Estava sozinha com ele, naquela noite escura, no apartamento suntuoso, mas vazio de calor humano, afora seu coração doce, que pulsava em silêncio. Havia chorado bastante durante aquele dia. Como nunca, havia se sentido sozinha. Chorara pelo neto, que partira para o mundo espiritual, recentemente; chorara pelas atividades espíritas de que gostaria de participar, mas que não podia, por se sentir presa à condição de satélite do marido, não afeito à vida social; chorara por querer dar mais assistência à filha (de quem fora a perda do rebento), e por acanhar-se de não ter palavras que considerasse bonitas para lhe dizer, preferindo calar-se, julgando a filha um rochedo inexpugnável de Gibraltar. Chorara, em prece, falando com Jesus e conosco, Seus emissários, supondo-se mesmo relegada a abandono de nossa parte.

Para o mundo, poderia se afigurar uma personalidade comum e desprovida de importância, aparentemente parada no tempo, por se manter fiel a seu papel clássico de esposa-mãe-dona-de-casa. Para nós, surgia Serena como um baluarte de luz em seu lar, um pivô espiritual de sustentação da harmonia e da coesão familiares, bem como, recentemente, para a expansão de alguma humanidade para os funcionários da empresa capitaneada por seu esposo, hábil negociante. Era um canal da Luz de Deus, em meio a um trecho de treva na crosta, e desempenhava sua função a contento, tanto quanto lhe permitiam os recursos evolutivos.

Acarinhei o rosto altivo de Serena. Seu porte de dama lembrava as vestais romanas: sobriedade e elegância, distância e altivez; olhos, porém, que transbordavam a mais pura linfa da ternura materna…

O Culto teve início e Serena fez a prece de abertura. Amaro olhava-a, volta e meia, de soslaio, impaciente, ali sentado à revelia de sua vontade, domado pelo carinho da consorte que o convencia de se sentar para lembrar-se de Deus, ao menos uma vez na semana. Perdia-se em uma mixórdia de pensamentos confusos. Que utilidade aquilo poderia ter? Será que realmente os espíritos existem? Deus vai mesmo nos ouvir… se é que realmente há um Ser Superior? Revolvia-se na cadeira, inquieto, mal começara o culto, achando a prece da companheira longa, enfadonha, artificial e vazia. Como ela pode gostar disso? Como ela pode parecer sentir prazer em algo tão monótono e sem sentido?

Envolvendo-se no campo psíquico de Amaro, uma figura rodeada de energias enegrecidas (de baixa frequência mental) lhe penetrava os pensamentos, em íntimo conúbio emocional. Estava cheio de ódio e repulsa pela cena, e transmitia toda aversão que sentia para Amaro, que supunha sentir tudo aquilo de si mesmo.

Cinco companheiros do Plano Superior estavam presentes, incluindo a mãe de Serena (que fora conduzida a Andrômeda, para o curso de maternidade espiritual), e Godofredo, guia da família (que já apareceu nesse opúsculo, no episódio de socorro a Armindo, bem como da preleção pública de Bernardo, inspirando Helena na prece).

Eunice, o coração materno desencarnado, aproximou-se de mim e disse, após os naturais e amorosos cumprimentos, na afeição que me devota, sem que mereça, por pura expressão de sua bondade:
– Minha querida Eugênia, não seria possível Serena receber um comunicado seu? Anda muito abatida, julgando-se abandonada de nossa assistência. Ela se lamenta que várias pessoas de seu círculo de convívio já receberam mensagens diretas suas, e ela não.
– Tente esclarecê-la, por meio da inspiração, nos momentos de prece, que não é tão simples receberem-se comunicados de nossa dimensão. As complexidades inerentes ao processo de intercâmbio são imensas, além de termos uma quota limitada de energia mediúnica, em poucos médiuns afeitos a tal trabalho, e que devemos priorizar as questões de ordem coletiva, que atendam às necessidades e carências prementes de milhares, de uma só vez. É, dessarte, um problema de administração de recursos muito escassos.
– Já lhe instilei pensamentos dessa ordem. Todavia, ela não se conforma. Como outros já receberam, perto dela, sente-se preterida, como que subliminarmente taxada de inferior ou desprezível, não merecedora de nossa atenção. O neto, por exemplo, visita-a com frequência equivalente à que visita a mãe, mas Serena não acha que isso pode estar acontecendo, por não receber nenhum informe direto subscrito por ele.
– Tente, Eunice, concentre-se sua argumentação telepática no tópico de que não se trata propriamente de merecimento e sim de necessidade. As mensagens mediúnicas são recurso emergencial de última instância, normalmente, para casos desesperadores.
– Da mesma forma, já lhe impregnei a mente, com conjecturas dessa natureza, mas ela me diz, mentalmente, que outras pessoas estão em desespero extremo, muito maior do que algumas que tem visto receberem cartas do além, e não recebem comunicados, confirmando, assim, que ela, como eles, devem ser seres sem importância para a Espiritualidade e para Deus.
– Não se pode avaliar a dimensão do desespero de ninguém, e, quanto às que estão realmente às vascas da loucura, tamanho o seu sofrimento, sem consolações desse tipo, sofrem por outras razões, com a finalidade de amadurecerem departamentos importantes de sua psique que pedem burilamento, entre eles, inclusive, o apego a dogmas ultrapassados que asseveram ser impossível a comunicação com os que não mais estagiam no plano físico. Mas vou providenciar resposta, de qualquer forma. Dentro em pouco, estarei transmitindo, por via mediúnica, um romance que descreverá, em linhas gerais, alguns dos trabalhos que desenvolvemos em interação com os encarnados, a partir de nossa sede de atividades, Andrômeda, e aproveitarei o drama dela, em torno da temática da recepção de mensagens mediúnicas, para orientar a multidão.

Eunice sorriu, agradecendo e, após breves palavras e mesuras carinhosas trocadas entre nós, retornamos aos afazeres que nos entretinham naquele momento: o dever de transmitir algumas informações ligeiras quanto ao culto da casa.

Falei com Godofredo telepaticamente, enquanto examinava o quadro psíquico da casa. Pedi auxílio de dois amigos generosos de nosso plano, que me acompanhavam na expedição, e eles, num átimo, desligaram a entidade que estava plugada à frequência mental de Amaro. Já tinha sido notificada, por Godofredo, que tal expediente tinha sido levado a efeito inúmeras vezes, mas que o antigo comparsa de outras existências do dono da casa era novamente atraído pelos padrões de pensamento de Amaro, qual se fora um ímã irresistível. Dessa vez, porém, levá-lo-ia comigo, para ver o que poderíamos fazer para evitar uma reincidência, apondo-o em uma instituição de regeneração, enquanto providenciava algumas iniciativas transformacionais para Armando, entre elas, uma viagem fora do corpo para Andrômeda, a fim de que recebesse um enxerto de ideias salutares.

Não poderia me demorar. Luíza precisaria de toque especial de nosso plano, para que se mantivesse firme no ideal de amor ao próximo. Era a nossa próxima visitada, a outra santa da casa de César.

Eugênia-Aspásia (Espírito)
Benjamin Teixeira de Aguiar (médium)
16 de novembro de 2000