Cheguei cedo para a reunião da Cúpula, naquela manhã de domingo. Desta vez, Anacleto ainda não havia chegado. Descia com frequência ao nosso plano, para realizar a conexão com sua faixa de vibração, mas não ficava continuamente conosco. Poucos daquele grupo tinham condições de sequer acessar a dimensão de Anacleto, quanto mais permanentemente ficar por lá. Era necessário sua ausência, porém, já que, no seu nível habitual de expressão psíquica, fazia-se mais útil do que no padrão de onda mais grosseiro em que estagiamos.

Os sete estávamos presentes. Uma das belas ladies que ali estavam se aproximou de mim, para confabulação mais íntima. Fomos amigas em Grécia Antiga, e de lá para cá, encontramo-nos por diversas, no carreiro evolutivo. À época, pertencêramos a círculo iniciático de discípulos do grande filósofo que fora Anacleto, sendo que lá portávamos indumentária física feminia. Vanguardista, o nosso mentor era dos poucos que permitiam a inclusão de mulheres a seu grupo de pupilos.

Birgit envolveu-me em vibrações dulcíssimas do seu coração generoso e conversamos telepaticamente por alguns instantes. Descera recentemente ao mundo físico, e marcara passagem no plano material, na condição de uma efetiva colaboradora daquela que ostentou o nome de Irmã Dulce. Por lá, chamara-se Brígida, mas, em retornando a seu plano mental de preferência, exibia o original germânico de seu nome, já que mantinha fortes vínculos afetivos com a nação de Wagner e Goethe.

Como a maior parte dos grandes espíritos que descem à Terra, Birgit, apesar da alta envergadura evolutiva que portava, passou anônima, sem chamar atenção sobre si, mas cooperando energicamente para o soerguimento da obra de misericórdia e solidariedade da inolvidável missionária baiana.

Destrinchou-me detalhes sobre o estado de sua irmã biológica da última reencarnação, que trouxera recentemente de volta para cá, remanescente final de sua geração na família. Vinculada ao mesmo círculo de afetos e componentes que ambas éramos de uma mesma família espiritual, interessava-me profundamente pelo estado de Hilda.

Poderíamos reproduzir desse modo, embora, como dissemos, a comunicação telepática seja direta, simultânea e perfeita, o que, no sistema linguístico de interação, obviamente não acontece:

– Está felicíssima com a aparência jovem. Não para de experimentar roupas novas e passear pelos parques e casas de teatro e cinema da cidade. Arruma-se à moda dos anos 30, como fixou as fantasias de eterna beleza de sua mente juvenil, e sorri quase a todo tempo.
Ríamos as duas, como se tratássemos de uma menina pequena, de quem compartilhávamos a maternidade pelo coração.
– E Célia, continua acompanhando-a? – perguntei.
– Oh, sim. A filha mais velha da última existência já reassumiu a condição de sua mãe espiritual, e orienta-a, carinhosamente, nesses primeiros passos em nosso plano.
– E Cristóvão, o esposo?
– Não quer saber dele – disse que sofreu muito na sua unha e por enquanto quer só flertar. Afirmou também que já entregara sua juventude a ele em outro tempo e que não repetiria o mesmo erro.
Rimos ainda mais gostosamente.
– Mas parece que o tempo está chegando, não é, Birgit?
– Sim. Muito breve, o período de adpatação e de lazer que ela fez por merecer estará esgotado, e deverá começar os estudos preparatórios para a próxima reencarnação. Está muito perto: terá que voltar em apenas cento e cinquenta anos!… Mas o seu orientador direto asseverou-me que submetê-la-á a um curso intensivo de intelectualização básica com ela. Assim, fará em poucos mais de cem anos o que demandaria, no mínimo, uns duzentos e cinquenta.
– Uhm… Ela é da categoria das desenteléquias…
– Exatamente. É das muitíssimas almas femininas na Terra que não tiveram nenhuma oportunidade de desenvolver o intelecto. Por milênios vem reencarnando na opressiva condição de fome de conhecimento e desenvolvimento da inteligência dos sistemas patriarcalistas de sociedade, nem teve acesso a planos extrafísicos de nossa frequência até o presente momento, para receber aprendizado compensatório por cá. Será preparada para trabalhar como professora universitária: uma filóloga. Aceitou de bom grado a proposta, embora desconfie de sua capacidade para tanto. É uma alma virgem para as grandes expressões do saber, que terá que dar agora um grande salto evolutivo nesse sentido.
– Que interessante… a escolha dos planejadores reencarnatórios não poderia ser mais apropriada: ela apresenta, de fato, há muitos séculos, excelente habilidade linguística não aproveitada. E o melhor é que não será necessário reencarnar invertida, como aconteceu conosco em existências pretéritas, não é mesmo?
– Graças a Deus. Os maravilhosos avanços sociais que permitem hoje livre acesso, e no futuro ainda mais, às mulheres, nos ambientes acadêmicos, não lhe exigirão a reencarnação forçada em corpo masculino. Poderá desenvolver sua intelectualidade ergastulada mesmo num arcabouço orgânico feminil.
– Ótimo. Mas há muito tempo que não falo diretamente com Célia. Enviamo-nos emanações telepáticas volta e meia, mas sem o encontro físico. Como está?
– Excelente. Dando, como sempre, cobertura a toda a família encarnada.
– E Isaura? Já está disposta ao trabalho artístico no teatro?
– Temos nossas dúvidas se encabeçará tal iniciativa. Já recebeu alguns chamados. Porém, a maternidade lhe tolhe a liberdade de ação, por ora. Os três filhos ainda são muito novinhos. Em pensamento, todavia, tem-se programado, paulatinamente, para os projetos futuros, muito embora com sérias dúvidas quanto à sua viabilidade. Cremos que até 2010, entretanto, já teremos um posicionamento definitivo por parte dela, quanto a aceitar ou não seu plano encarnatório 2, para o teatro de temas espíritas.
– O plano 1 ainda está mais provável de acontecer, não é? O de ficar em caráter exclusivo conduzindo o restante de sua existência na maternidade e no trabalho profissional secundário?
– Sim. Cuidar dos filhos e do marido apenas, desdobrando algumas atividades profissionais para dar respaldo a esse objetivo, parece ser o mais provável por ora. Bernardo já falou inúmeras vezes com ela, sobre isso, inclusive sentindo ímpetos de escrever peças ou roteiros de filmes com inspiração nela, desde a adolescência, mas o esposo não é muito receptivo à ideia.
– É. Tenho conhecimento disso. Mas ainda voto pela sua vitória. Isaura é uma grande idealista. Ajudei Bernardo a rabiscar alguns croquis dramatúrgicos para Isaura.
– Todavia, tem forte complexo de inferioridade e é muito assustadiça para tomar iniciativas audazes. Precisará de um forte empurrão.
– Tereza está se aproximando dela, não é?
– Dentro de alguns anos.
– Ótimo. Vamos então aguardar…

Nesse instante, Anacleto chegou no recinto, materializando seu perispírito no centro da sala. Olhar sereno de sempre, sua compleição de porte médio de sexagenário, envolta em uma altivez e emanando uma enorme segurança íntima, dava-lhe a aparência de um homem imenso. Os pequenos olhos azuis cintilavam de energia viril, insuflando-nos a todos à disposição de trabalhar, infatigável e energicamente, na causa que abraçávamos. Arrodeamo-lo, ato contínuo, e concentramo-nos para a reunião daquela manhã. Novas determinações urgentes tinha a nos transmitir e, assim, o Mestre Grego nos facilitou o transe imediatamente, fazendo-nos mergulhar em sua mente prodigiosamente evoluída, enxertando-nos com seus influxos de inteligência e força moral.

Lá fora e, sobretudo, abaixo de nós, no plano físico, o mundo seguia alheio às grandes verdades do espírito. A urgência se tornava gritante, em disseminar a mensagem da Luz por toda parte. Era sobre isso que Anacleto discorreria naquela mais uma vez inesquecível sessão de intercâmbio psíquico.

Benjamin Teixeira de Aguiar (médium)
Eugênia-Aspásia (Espírito)
12 de novembro de 2000