Benjamin Teixeira
pelo espírito
Gustavo Henrique.


Teu companheiro afigura-se, a teu modo de entender, um pervertido? Recorda que Jesus conviveu com prostitutas e homens públicos, levados à conta de ladrões e traidores da pátria, chegando ao ponto de defender, abertamente, uma “pecadora”, na iminência de ser apedrejada publicamente, que se tornou célebre com Sua fala: “Quem estiver sem pecado, atire a primeira pedra”.

Além do quê, relembra-te de que o Cristo condenou atitudes consideradas deveras decentes pelo populacho, de indignação clamorosa, como a que costumava eclodir, em verborréias de vitupérios, com os hipócritas doutores da lei religiosa de Seus dias, os famigerados fariseus, escribas e saduceus, valorizando muito mais a honestidade de um corrupto sinceramente arrependido como Zaqueu, a quem o Mestre premiou com um jantar na casa do detestado cobrador de impostos.

E se, apesar de tais considerações, vês-te, ante o tribunal da própria consciência, claramente em posição de vantagem moral sobre o companheiro que avalias negativamente, cede de ti uma migalha de misericórdia, exercitando, assim, a verdadeira grandeza: do perdão, da clemência, da piedade difícil com os criminosos e fracos do espírito.

Não te é possível nada disso? Então, executa o mínimo: ora por eles; ora por ti mesmo, que te mostras, com tal atitude resistente, carente da misericórdia do Altíssimo, pois que não consegues lembrar que tua própria pessoa pode, aos olhos de Deus, merecer e necessitar muito mais perdão que a pobre criatura que sentencias inapelavelmente, de quem desconheces, contudo, particularidades profundas de biografia, não só desta como de pregressas existências, dos traumas, perdas e tragédias que talvez tenham engendrado o horrível quadro moral que deploras… E… amigo… quem garante que não tenhas sido tu mesmo aquele a precipitar quem condenas, no paul de desequilíbrios e decadência espiritual que tanto te insuflam horror… Estás, destarte, quiçá desperdiçando a mais preciosa oportunidade que o universo te oferta, por te ressarcires ante o irmão sofredor que, quem sabe(?), tu mesmo enlouqueceste de dor e desencaminhaste da trilha do bem…

Por fim, considera, ainda, a não pouco plausível hipótese de estares incorrendo em preconceito, já que a discriminação, em seu estado mais puro, nunca é percebida como um erro da parte de quem a realiza, visto que invisível, por inerência, aos que lhe sofrem plenamente a ingerência. Será que não estarias, agora, vivenciando a mesma certeza que apresentavam os inquisidores ante o ataque às “bruxas” abomináveis, que perpetravam delitos “imperdoáveis”, como falar com os animais ou amar as plantas? Quem poderia afiançar que não estejas sendo tão estupidamente retrógrado, como o homem do início do século, que deixava de desposar uma jovem não mais virgem, uma vez que, com isso, estava claro, para as convenções da época, não ser ela decente? O que, nos dias de hoje, é franco preconceito, mas não é visto como tal, e que, daqui a dez ou cinqüenta anos, assim será considerado?

Ora, medita, estuda. Revê teus pontos de vista, reconsidera tudo, mesmo o que julgas, aprioristicamente, inquestionável. Ouve gente abalizada, escuta opiniões discrepantes. E, enfim, dá tempo ao tempo. Antes de condenares definitivamente, aguarda mais um pouco, e poder-te-ás surpreender com teu “monstro detestável”, tanto quanto os cristãos dos primeiros dias, após a morte de Jesus, agoniavam-se com a figura de um tal jovem rabino de nome Saulo, que, ceifando vidas e decretando prisões a mancheias, como quem fizesse manobras cruéis num formigueiro, pôs em perigo e polvorosa a comunidade cristã dos tempos primordiais.

Com paciência, o Cristo esperou que Saulo vivesse seu momento de radicalismo, para que, quando atingisse paroxismos de desvarios, fosse-o buscar, às portas de Damasco, com a celebérrima frase: “Saulo, Saulo, por que me persegues?” E a História nos mostra, em seguida, o que aconteceu ao brilhante e promissor rabino, orgulho do Sinédrio de Jerusalém: de primeiro grande tirano do Cristianismo, para seu maior divulgador e universalizador, em todos os tempos – devemos a Paulo (como se chamou, a posteriori, o rabino convertido) o disseminar e permitir fosse trazida, aos dias de hoje, a mensagem sublime do Senhor.

Se não queres lembrar do que disse Jesus a Paulo – que O estava perseguindo em Pessoa, na figura de Seus discípulos –, ao menos cogita, amigo, de que talvez estejas massacrando, psicológica e moralmente, Paulos menores, entre nós e acima de nós, nas grandes cadeias de ajuda recíproca das hierarquias evolutivas de seres que nos conectam a Deus. Pensando em Jesus, o Crucificado Divino, e em Paulo, o tirano que se transformou em canal de redenção para muitos, será, indubitavelmente, bem mais fácil, para ti, compreender, perdoar e até amar aqueles que te parecem bem distanciados de teus ideais de moral, ética e espiritualidade.

Poderás, então, te dizer, sem medo de estares sendo leviano ou irresponsável: sou, realmente, um cristão!

(Texto recebido em 30 de maio de 2007. Revisão de Delano Mothé.)