(Capítulo 21.)

(Eros e Psiquê. No mito, ele é significativamente mais novo que ela – uma representação imagético-simbólica de um “consórcio de almas”, além do que o corpo físico esteja aparentemente ditando, como no caso do evento narrado no capítulo 21 deste romance, de um intercurso conjugal “interetário” – o Espírito Eugênia precisou criar este neologismo, tamanho o revolucionário de que a experiência se reveste, sobremaneira quando a figura feminina é a mais velha.)


Benjamin Teixeira
pelo
espírito Eugênia.

A notícia estourou como uma bomba, bomba de alegria em muitos (muito mais do que Eduarda longiquamente suporia possível), bomba de escândalo para outros, aferrados a convenções estéreis e moídos de inveja com a “sorte” da madama bondosa: “Olha só, hein? E diziam que era uma santa!?…” – “esquecidos” de que os santos são também humanos e que, estando em corpos de carne, estão sujeitos às mesmas necessidades dos outros. Muita gente sumiu do voluntariado em Lar de Todos, quando soube do “horror daquela ‘mulher velha’ com um menino lindo”. E muito mais gente apareceu, generosa, aberta, desprovida de preconceitos, esclarecida e sincera. Uma verdadeira “lavagem” dos componentes da casa. Três grandes patrocinadores, num espaço de três meses, retiraram seus rendimentos, mas um grande empresário da cidade, gay assumido, chegou no meio da crise financeira maior da instituição e cobriu toda a perda, ultrapassando-a. Ele e uma legião de pessoas discriminadas, mas decentes, que viviam à margem de uma sociedade cada vez menos forte, em seus segmentos reacionários, vieram preencher lacunas havidas após o noticiário impactante em colunas sociais de órgãos da imprensa.

Entre todos os grupos de minorias perseguidas, a comunidade homossexual masculina foi a que deu maior apoio a Eduarda – alguns deles, inclusive, não assumidos, que já participavam do grupo, resolveram “abrir o jogo” para a “Mãe de Todos” (aludindo ao nome da casa de caridade), como passou a ser chamada Eduarda, ante a surpresa feliz de a grande líder da instituição ousar enfrentar a sociedade e seus valores vigentes, em nome de ideais do espírito. Foram eles, festivos e felizes com a felicidade da matriarca do grupo, e roídos de uma “inveja boa”, barulhenta, declarada e generosa, que tudo fizeram para os preparativos fabulosos da solenidade de matrimônio, acontecida um ano após os últimos eventos narrados entre ambos, casamento que seria simples, mas que acabou “podre de chique”, por influência direta da turma da “badalação”. Arranjos de flores, castiçais com velas douradas, ornamentos espetacularmente elegantes encheram o auditório de “Lar de Todos”, no dia em que Otávio, ladeado de um juiz de paz, pôs-se a celebrar o casamento mais falado do ano, na megalópole “em chamas” com a notícia. Um vestido deslumbrante de noiva e um penteado que prendia os cabelos para cima, fazendo-os descerem aos ombros, em caprichosas mechas de cachinhos castanho-claros, contrastando com um colar de pérolas legítimas, conseguido por outro da “turma”, faziam de Eduarda a mais rejuvenescida e bela cinquentona do país.

Entre palmas eufóricas de todos, mas, principalmente, do novo grupo de amigos gays, Eduarda “deslizou”, entre chuva de papel picado e música triunfal.

– Coitada de Bruna Lombardi! – gritava um de fundo.

– Esqueçam Brigitte Bardot! – bradava outro.

– Ma-ra-vi-lho-sa!!!! – diziam muitos outros, enquanto ela se dirigia ao altar.

– Ne-ces-sá-ria!!! – exclamavam outros.

Hernesto, o chefe do grupo, chorando em cântaros, sorrindo e batendo palmas, tomou o microfone, conduziu com elegância e finesse a solenidade-festa que se converteu, realmente, em uma festa de todos, e não numa cerimônia social e tediosa, cheia de sorrisos artificiais, forçados – dissimulando contrariedade, impaciência, inveja (a má inveja e não a “boa”) –, e mesmo de ódio por parte da maioria dos convivas. Eduarda, que tanto temia ser discriminada e esquecida da sociedade, descobriu que seus amigos verdadeiros não lhe deram as costas por ter encontrado a felicidade – muito pelo contrário: os pseudoamigos se afastaram, e, em lugar deles, outros, muitos outros, muito mais sinceros em sua amizade e benquerer, surgiram, oceanicamente, para trazer vida e amor a seus caminhos!…

A Espiritualidade Superior congregava-se, feliz, embora mais discreta e formal, observando, complacente e terna, o “barulho” da “turma do gueto” – compreendendo que muitas vezes o desespero se traduz em alegria entusiástica –, algumas entidades luminosas, principalmente de grandes mães santificadas em passado de martírio oculto, chorando, discretas, por verem tanto amor e felicidade em quem sofria tanto, na grandeza dos sentimentos daquelas almas maceradas pela existência, que vivem, normalmente, de ataques e decepções sucessivas, e que, em vez de revoltadas e amargas, estavam ali despejando amor em inundações de alegria, felizes pela felicidade alheia, como tão poucos heterossexuais conseguem ser, na Terra de hoje.

(Na foto da esquerda, uma repaginação, realizada por integrantes do movimento gay norte-americano, da famigerada fotografia que marcou o fim da Segunda Grande Guerra. A obra da direita é uma representação do martírio de “Santa Úrsula e as Onze Mil Virgens”, uma lenda hagiológica que se fixou no imaginário popular do Ocidente, que consideramos uma boa caracterização da “luta” da “Comunidade das Mães do Céu” pela vitória do amor na Terra, felizes com a coragem e determinação das personagens do episódio narrado neste romance, por viver os ditames do próprio coração, ainda que contrariando convenções sociais e expectativas familiares.)

Ricardo – como a maior parte dos heterossexuais presentes, que constituíam a maioria dos que compareciam àquele momento augusto – sorria, radiante. Era um sonho. Era o homem mais feliz do mundo, arrostando futilidades sociais para vivenciar, sem receios ou vacilações quaisquer que fossem, os reclamos do seu coração. Eduarda, por sua vez, sentia-se vivendo um conto de fadas. Chorava, continuamente, soluçando entre sorrisos, sem tirar os olhos, praticamente, dos “amiguinhos gays”, como ela os chamava. Sabia que eles dificilmente viveriam o que ela agora experimentava, em mundo tão avesso ainda à homossexualidade, e que eles sabiam disto também. Ela estendia as mãos com luvas alvíssimas, para eles, que, comovidos e batendo palmas, as beijavam quase se ajoelhando, alguns também em lágrimas. Eduarda, coração sensível, não sabia se estava mais feliz pelo amor que se concretizava no altar, ou por se conduzir no trajeto para ele, cercada e ovacionada por tantos, antigos e novos amigos, tão amorosos, de quem sentia emanar o amor incondicional, que tanto prezava, como alma boa e adiantada. Estava ela no mesmo padrão de onda mental das mães desencarnadas da Espiritualidade Superior, que muito amam e protegem os gays, que ali lhe chamavam a atenção mais do que qualquer outro grupo de conhecidos.

– Arrase, querida! – dizia um.

– Seja feliz por nós todos! – exclamava outro.

– Você é a mulher mais linda do mundo! – dizia mais alguém adiante.

Um deles, tocado de reverência mística, pressentindo as presenças elevadas que havia na casa, para tal instante sagrado de suas existências, alinhadas com a vibração superior da própria Eduarda – ela mesma, um espírito superior reencarnado em missão de interesse coletivo –, ajoelhou-se aos seus pés, vendo nela, inconsciente e simbolicamente, em vestido branco, a figura da Mãe Santíssima, e disse, em semitranse, debulhando-se em lágrimas, beijando-lhe as mãos, eufórico:

– Abençoe-me, mãezinha santa, abençoe-me!

Eduarda interrompeu seu trajeto para o altar, curvou-se sobre ele e puxou-o, com dificuldade para um abraço, soluçando, incontidamente. O rapaz, consternado de tanta emoção, tremia até o dorso. A multidão começou a aplaudir, freneticamente. Os que muito sofrem e muito amam no mundo sabem se reconhecer e partilhar seus sentimentos. Após alguns segundos, fitou os olhos do rapaz homossexual que se lhe afigurava uma “filhinha do coração”, tocou-lhe o rosto ternamente, como se faria a um bebê, e, desfeita em lágrimas, respondeu:

– Quero vê-lo feliz também. E você vai conseguir! Vamos nos unir! Vamos todos juntos conseguir!

A multidão só via o enlace terno, maternal, dos dois e o movimento dos lábios, entre lágrimas e afagos puros, muitos (mais uma vez, especialmente as mulheres e mães presentes) comovendo-se com a vibração de amor puro, tentando adivinhar o colóquio íntimo entre as duas almas afins, contemplando a cena, encantados.

Dificilmente encontramos ocasião social com tanta abertura à fraternidade genuína, à espiritualidade vivida, aplicada nos mínimos gestos. Flocos de luz partiam do Alto, vindos da esfera da Mãe Santíssima da Humanidade, caindo a flux sobre todos os corações presentes no salão, encarnados e desencarnados, favorecendo ainda mais a comoção de todos. Quase não havia alma fechada àquela vibração de paz e bem-aventurança que a todos tomava, em ambos os domínios de existência. Só uns poucos homens heterossexuais e algumas mulheres “da sociedade” – mais racionais e emocionalmente resistentes, os primeiros; mais críticas e mesquinhas, as segundas – assistiam a todas as manifestações de amor e amizade verdadeiros, como sendo uma “gaiola das loucas”, nem de longe divisando o que se passava no plano das emoções e do espírito, inacessíveis à felicidade do Céu, os pobres coitados…

Eduarda também acenava para voluntários e amigos, mais contidos e menos emocionados, mas igualmente felizes com sua felicidade concretizada. E tornou à “jornada infinita” rumo ao altar. Seu príncipe a aguardava. Não seria possível felicidade maior… Não seria! O Céu, lentamente, descia à Terra, pelas mãos de alguns eleitos, que, vanguardeiros de uma nova Era, favoreciam a quebra de estruturas fossilizadas de preconceito e limitação humanos, assim propiciando a canalização, para o mundo, do espírito puro, sem as peias constringentes que a matéria e as convenções sociais impõem.

(Revisão de Delano Mothé)

Ajude a santa e sábia mestra espiritual Eugênia a disseminar Suas ideias de sabedoria e amor, e, com isso, tornar o nosso mundo mais feliz e pacífico. Basta que encaminhe este arquivo a sua rede de e-mails. Para isso, utilize a ferramenta logo abaixo, com os dizeres: “Envie esta mensagem para seus amigos”.