por Benjamin Teixeira.

Recife. 1985. 11 de janeiro. A última telenovela da noite havia acabado de terminar, e minha tia-avó paterna Julieta (falecida em ’97), em casa de quem me havia ido hospedar, nas férias de início de ano, por apenas algumas semanas, retirou-se a conversar com vizinhos, no velho hábito à moda antiga de se colocarem cadeiras na frente das casas, para “jogar conversa fora”.

Fiquei parado, sentindo-me estranho, olhos fixos no televisor desligado. Era raro assistir a novelas. Na casa de minha tia-avó, com aquele costume arraigado, como uma boa brasileira aposentada e solteirona, era religioso o sentar-se à televisão, para assistir a uma novela atrás da outra, até o término da programação. A tela do monitor refletia, palidamente, o ambiente. Um homem jovem, residente nas vizinhanças (recordo-me que tinha 26 anos à época), passou sem camisa, em frente à janela da sala de estar onde me encontrava, caminhando pelo meio da rua, gritando alguma coisa para outrem, logo em seguida, uma pré-adolescente de talvez 11 ou 12 anos (pouco mais nova que eu, por aqueles dias – tinha 14 anos, recém-completados), e foi então que… zás!… Fiz um transe, o mais espetacular transe de minha vida, talvez não em termos fenomênicos, mas no sentido de implicações para meu futuro, uma experiência mística tão importante que até hoje a considero visceral, como um segundo aniversário, que comemoro, sozinho – e com Deus e Seus representantes.

20 anos se passaram. Geralmente rabisco estas narrativas autobiográficas à data dos eventos assinalados no meu passado. Agora, porém, sob instâncias de Eugênia, a querida mentora espiritual, eis-me aqui, minudenciando particularidades das mais caras ao meu coração, ante a multidão anônima, dois meses antes da comemoração propriamente dos “anos” feitos. Há fins que desconheço, neste pedido de Eugênia, mas compreendo que, como já disse n’outras ocasiões, a narrativa autobiográfica é das mais persuasivas e impactantes, porque também mais completas, fidedignas, concretas. E, com relação a esta vivência em particular, trata-se de algo muito caro e sigiloso para mim, já que trata de questões muito minhas, a respeito de um futuro distante, que só interessam a mim e aos bons espíritos sob quem estou guardado.

Em outubro do ano anterior (1984), apenas três meses antes (exatos três meses), havia escrito o texto “Eu” (sobre que escrevi no artigo: “Encontro com a Sombra”, constante nos arquivos de textos deste site), que me desencadeou poderoso processo de autoconhecimento, que, entendo hoje, desembocaria neste 11 de janeiro de ‘85 (a redação “Eu” foi concluída no dia 10 de outubro de ‘84).

Ali, paralisado, com os olhos vítreos, apontando para o televisor desligado, numa fração de segundo, meu sentido de identidade de adolescente brasileiro dos anos 80 do século XX simplesmente esboroou-se, como névoa ao vento, enquanto me era mostrado, com dois séculos de antecedência, o que aconteceria num futuro longínquo. Completamente tomado pela visão, tomei da pasta com papel e caneta que trazia comigo e, em linha sumárias, escrevi, numa folha de papel ofício (que guardo até hoje comigo), o que concluía daquela experiência, preocupado em registrar o evento seminal, terminando por grafar, após subscrever: 21h25.

Voltei ao colégio dois meses depois, para dar continuidade aos meus estudos. Cursei a 8a série do primeiro grau, naquele ano. Alguns coleguinhas mais observadores me perguntaram: “O que aconteceu com você? Está mudado!”. Ao que eu respondia, com total desinteresse por me abrir, como até hoje faço em relação àquele momento muito íntimo da minha alma: “Impressão sua…” O adolescente divertido e “líder da turma” deu lugar a um “velho sisudo” num corpo de jovem, que custou a “sair de mim”, já que levei anos para digerir a carga de informação e responsabilidade que me havia sido transmitida.

Uma parte do que me foi mostrado já começou a acontecer… E o marco, para mim, daquele já não tão propínquo 11 de janeiro… continua extraordinário. Não gosto muito de me lembrar do conteúdo da experiência. Oprime-me e quase me rouba, por completo, a alegria de viver. Mesmo quando a relato a amigos (sem dizer o que me foi apresentado, é claro), tangencio a recordação do que realmente aconteceu, de forma semelhante aos mecanismos de repressão psicológica, em que lembranças inteiras são suprimidas da memória, para proteger o sentido de conforto e estabilidade do ego e sua identidade. E, diante do que me foi revelado, continuo me sentindo o mesmo adolescente assustadiço que fui, há 20 anos, apesar de, em termos racionais, estar infinitamente mais amadurecido e lúcido.

2005 “chegou”. Parecia que nunca chegaria, da perspectiva daquele garoto que ouvia “Material Girl” e “A Peace of Sky” (*) e adorava livros de Joseph Murphy. Por aqueles dias, firmei um pacto com uma amiga (vou preservar-lhe a identidade, mas espero que esta página chegue a ela). Ela tinha 22 anos e eu os tais 14 (só no final do ano completei 15). Conversávamos longamente, às vezes por horas seguidas, muitas vezes acompanhados por minha irmã Marilia. Pedi a ela que me procurasse, para saber se havia me tornado quem eu, em poucas pinceladas (obviamente não disse tudo: nunca disse), afirmara-lhe que me tornaria (errei n’alguns detalhes e ela acertou n’outros). Respondeu-me, segura: “Daqui a vinte anos, vou vê-lo barrigudo e com um copo de cerveja na mão, como todos os homens normais.”

Não estou propriamente barrigudo: estou obeso (embora tenha começado a emagrecer, nos últimos três meses, não riam: 4 quilos). Mas quanto à cerveja, e todas as implicações da ausência dela em minha mão… bem… foi aí que ela errou, redondamente, e eu acertei… quero dizer: Eles acertaram, inclusive no pormenor que precisei deixar bem claro a ela, declarando-lhe solene e enfaticamente: “Fulana, prometa-me mesmo, porque sei que vamos nos separar, mas sei também que serei pessoa pública, e, por isso, você terá que tomar a iniciativa de me procurar, porque você terá como me achar e eu não terei como achá-la. Você vai me procurar?”. Ela me prometeu. Francamente, não acredito que cumpra sua promessa… Estou sendo pessimista demais? Mas, de fato, separamo-nos, pouco tempo depois, e, realmente, sou hoje pessoa pública. Onde está você, velha amiga?

Sei que o curso da revelação se dissipou, quase sorrateiramente. Não foi assim tão sub-reptícia minha intenção, nem houve mesmo intenção de ocultar esse desejo de tangenciar a revelação: ela, simplesmente, não pode vir a público. Entretanto, fica aqui registrado o estímulo para que todos sigamos a voz do coração, ainda que adaptando-a ao contexto de realidade que nos foi dado viver, e, principalmente, separando-a da canga bruta das paixões egoicas e sonhos mirabolantes da adolescência neurótica e cheia de carências e mágoas infinitas. Você pode não ter o registro de uma grande revelação mediúnica em seu passado, mas pode hoje rememorar um ideal humanitário inspirador, talvez engavetado no baú mais empoeirado de sua psique.

Hoje, tenho 34 anos. Muitas águas rolaram por debaixo da ponte de minha consciência. Posso me dizer, agora, realmente, uma alma madura, ou, pelo menos, adulta. Sei que estarei melhor, se a Divina Providência me permitir, daqui a dez, vinte ou, quem sabe (?): trinta anos. Sonho com o dia em que responderei a quem me perguntar a idade: “Sessenta e cinco anos: a seu dispor”. Isso sim (!), é que é idade de “gente grande”. E digo-o isso, de público, há dez anos. Até lá, somos, em medidas relativas, variando de pessoa e circunstância, imaturos para misteres de responsabilidade maior.

Fiquei “mais velho”, psicologicamente, num curioso fenômeno de enxertia psíquica, no espaço de alguns segundos, naquele dia de meus 14 anos. O arquétipo do “senex”, como diriam Jung, do “ancião sábio”, veio morar, mais expressivamente, na rotina de minha vida mental. Hoje, como médium ativo a serviço de professores da Dimensão Maior de Vida, sinto-me amadurecendo de cinco a dez anos a cada ano, pelo diuturno intercurso psíquico com os grandes mestres desencarnados, em particular a amável Eugênia. Mas nunca estou achando bastante me tornar mais sábio e experiente… porque, diante de nós, ao infinito… há Sóis impressionantes de conhecimento e sentimento! E isso, obviamente, nada tem a ver com a perda da alegria ou da jovialidade, porque, como disse, quando fiquei sisudo na adolescência, estava “imaturo” naquela “maturidade”, sem paradoxo. A verdadeira sabedoria não faz tipo, não é carrancuda, nem se mostra pretensiosa. É simples, quase infantil (na conotação de espontânea e pura), mas, principalmente: é serena, lúcida e criativa.

Você tem 20 anos e está com medo de chegar aos 30? Tem 30 e acha que está se preparando para “fechar a fábrica”? Está com 40 e só pensa na aposentadoria? Está com 50 e se prepara para a morte? Reveja seus pontos de vista. Graças a Deus, estou hoje longe da adolescência(!) – um período da existência em que turbulências de incertezas e conflitos se mesclam a raríssimas alegrias e poucos referenciais para seguir adiante. E com que ansiedade espero, produtivamente, pelos meus anos maduros! – produtivamente mesmo: vivo plenamente a minha idade, como minha personalidade sente ser necessário. Lá, poderei ser eu plenamente, como meu precário nível evolutivo permite que eu possa me manifestar. Por lá, meu cérebro já estará devidamente trabalhado para exprimir com a clareza e a profundidade que desejo, as ideias em que venho laborando há anos (ou séculos?). Aquele será o ano de 2035. Se Nosso Senhor me autorizar estar reencarnado por lá, estarei, no dia 26 de outubro, completando 65 anos e, para os moldes conceituais de hoje, estarei adentrando a “terceira idade”: a última e mais plena idade, em que já não somos escravos dos instintos, e em que o espírito se manifesta mais livre e consciente. Ter uma longa e produtiva terceira idade, ofertando sabedoria, serenidade e insights abrangentes e elucidativos para a gente jovem, é o que de melhor um ser humano pode legar à humanidade. Nessa idade, o amor está menos egocentrado, os ideais são menos eivados de interesse pessoal, as paixões tornam-se asserenadas e podem estar bem mais devidamente canalizadas para o bem.

2035… 2045… 2055… Lá estarei – se desfrutar da bênção de continuar encarnado – com 85 anos! Wow! Com que orgulho alguém deve dizer: “Tenho 85 anos, meu jovem!” Ou seja: “Em que medida você está em condições de se medir com a ferramenta polida de um cérebro com 85 anos de experiência e um espírito milenar por detrás, operando a maravilhosa máquina bioquímica do pensamento?” Enquanto isso, algumas senhoras jovens de 45 querem parecer ter 20. Pobrezinhas! Quantas infantilidades cronificadas atordoam-lhes o pensamento e, principalmente, o sentimento! Que sejam bonitas, que se cuidem, que estejam em forma, mas, por favor: que vergonha! – querer parecer mais jovem? Alguém tem que ter um espírito muito “jovem” (no mau sentido: de pouca idade espiritual, um espírito pouco experimentado no carreiro evolutivo) para desejar algo do gênero. Segurança, tranquilidade, clareza sobre o que se é, o que se quer, para onde se está indo, sobre como e quando esperar o que e de quem; visão mais ampla, mais profunda e mais certa, a respeito de pessoas, eventos e fenômenos da vida!… Esses são alguns dos muitos benefícios que a idade traz a quem tenha um mínimo de juízo. Algo tão fenomenal, quanto doce, que, na mais completa acepção do vocábulo, é intraduzível!

Você quer que lhe deseje longos anos de vida, e se esquece de que talvez isso implique longos anos na meia-idade e na terceira idade. E, muito francamente, posso declarar já de agora: essa é a parte melhor do negócio! E anseio por poder ser dos felizardos a desfrutarem de longeva e criativa existência de serviço e utilidade ao bem comum. Talvez a Divina Providência delibere me fazer “voltar logo p’ra casa”, e, de lá, estarei invejando os que estarão ficando provectos no corpo físico. Mas se tiver merecimentos, gostaria de estar por aqui, mesmo que padecendo de dor nas costas ou nas pernas fracas, mas orientando os mais jovens e consolando mais corações, aproveitando, até o fim, o tempo que me for ofertado, porque sabe lá Deus quando poderemos usufruir de nova oportunidade no educandário do plano material de vida, onde tudo é difícil para as conquistas do Espírito… onde somos testados e desafiados, continuamente, a mostrar nosso lado melhor, mais nobre, mais humano e, por consequência, mais feliz!…

(Texto redigido na madrugada de 9 de novembro de 2004.)

(*) Respectivamente das cantoras norte-americanas Madonna e Barbra Streisand.

(Nota do Autor)

Pela extensão deste texto, ficará ele dois dias no ar (dias 10 e 11 de novembro), como “mensagem do dia”